Pelo segundo ano consecutivo, a relação entre câncer e HPV ganhou destaque na agenda científica da ASCO. “É o aval de uma Sociedade que vive de terapêutica, para nos dizer que não devemos esquecer do valor da prevenção”, avalia Luisa Lina Villa (foto), coordenadora do Instituto do HPV (INCT-HPV) e ex-diretora do Instituto Ludwig de Pesquisa em Câncer.
Estudo da Universidade de Ohio mostrou na ASCO deste ano o impacto profilático da vacinação contra o HPV nos casos de câncer de cabeça e pescoço em adultos jovens nos Estados Unidos (abstr 6003). Os dados apresentados em Chicago reforçam um robusto corpo de evidências que já mobiliza iniciativas de imunização nos cinco continentes.
Em 2014, mais de 57 países já haviam incluído a vacina contra HPV em seus programas nacionais de saúde, no esteio de dados que demonstram globalmente o efeito profilático sobre a infecção pelo HPV e doenças associadas, como o câncer cervical, tumores anogenitais e de orofaringe. Vacinas bivalentes (HPV 16 e 18) e quadrivalentes (HPV 6,11, 16 e 18) fazem parte de estratégias de imunização e outras estão em desenvolvimento. Em 2014, uma nonavalente (HPV 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58) foi licenciada pelo FDA, evidenciando avanços importantes.
P&D
O Brasil teve papel fundamental na pesquisa e desenvolvimento das vacinas contra HPV, com o privilégio de testar aqui o principal estudo de fase II, que definiu a dose atualmente empregada.
Primeira autora do artigo publicado no Lancet em abril de 2005, que embasou o registro da vacina nos cinco continentes, Luisa fala com propriedade do impacto da prevenção primária. “O exemplo mais contundente que está sendo aplicado no mundo inteiro com sucesso é o da vacinação profilática contra certos tipos de HPV. Estamos falando de um desenvolvimento de pelo menos 20 anos”, diz ela. “No mundo real, quem aplicou adequadamente essa intervenção está tendo resultados muito significativos na redução da infecção e das doenças causadas por HPV”, explica. “O impacto é dramático: quase erradicação de verrugas genitais nos países que introduziram a vacina com altas coberturas há mais de cinco anos, além da redução de mais de 60% das lesões precursoras de câncer entre as jovens”.
Caminhos
Mas apesar dos avanços e na queda no preço das vacinas, a expansão dos programas de imunização para regiões com maior carga da doença se mantém como preocupação na agenda da saúde. “Fica o alerta de que esforços suplementares são necessários para avançar na prevenção dos cânceres associados ao HPV”, sublinha a coordenadora do INCT-HPV.
O alerta cabe para diferentes contextos, inclusive para o cenário brasileiro, onde sobram gargalos que desafiam a expansão da cobertura vacinal.
O Brasil foi elogiado pelo mundo inteiro no início da vacinação contra HPV, em 2015, quando vacinou 4,5 milhões de meninas de 12 e 13 anos, em apenas quatro meses. Na contramão, a segunda campanha ficou muito aquém da cobertura pretendida. “Os médicos em geral, e em particular aqueles envolvidos na cadeia da prevenção e cuidados do câncer, têm o papel de orientar e de estimular a promoção de um ambiente de profilaxia antes da exposição ao vírus, portanto antes do início da vida sexual. Esta é uma mensagem extremamente importante”, reforça.
O Sistema Único de Saúde oferece a vacinação a meninas (9 a 14 anos) e meninos (11 a 14 anos), que se estende também a pacientes imunodeprimidos, incluindo os casos oncológicos em uso de quimioterapia e radioterapia.
Ouça o podcast com a especialista:
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