Oncologistas do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG) apontam as principais pesquisas do panorama GI em 2016. Entre os trabalhos com potencial de alterar o atual padrão de tratamento estão estudos em adjuvância em câncer de pâncreas, localização do tumor primário no câncer colorretal e quimiorradioterapia no câncer gástrico.
Por Anelisa Coutinho, Gabriel Prolla, Renata D’Alpino e Rui Weschenfelder
Apresentado durante a 52ª ASCO, o European Study Group for Pancreatic Cancer (ESPAC-4)1, fase III, aberto, multicêntrico, randomizado, estabeleceu um novo padrão de tratamento adjuvante para pacientes com câncer de pâncreas ao mostrar uma mediana de sobrevida global de 28 meses (95% CI, 23,5 - 31,5) com a combinação de gencitabina e capecitabina em comparação com 25,5 meses (22,7-27,9) com gencitabina isolada, atual padrão de atendimento após a remoção cirúrgica do câncer de pâncreas.
O ESPAC-4 randomizou 730 pacientes com adenocarcinoma ductal pancreático no prazo de 12 semanas após a cirurgia para receber seis ciclos de gencitabina intravenosa isolada (n=366) ou seis ciclos de gencitabina IV com capecitabina oral, em ciclos de 4 semanas (n=364). O endpoint primário foi sobrevida global. Endpoints secundários incluíram toxicidade, sobrevida livre de recidiva, sobrevida em dois e cinco anos e qualidade de vida.
Ainda que a diferença na mediana de sobrevida possa parecer modesta,o benefício no longo prazo é substancial, com um aumento absoluto de 12% na sobrevida global em 5 anos, um ganho muito relevante no cenário de uma doença agressiva. As taxas estimadas de sobrevida em 5 anos foram de 28,8% vs. 16,3% nos dois grupos. No geral, não houve grande diferença no tipo e gravidade dos efeitos colaterais entre os dois grupos. A qualidade de vida também foi comparável entre os dois grupos.
Análise retrospectiva do estudo CALGB/SWOG 80405 (Alliance)2 apresentada na ASCO 2016 havia mostrado uma associação significativa entre a localização do tumor primário e os resultados clínicos de pacientes com câncer colorretal. O estudo demonstrou que tumores primários do lado esquerdo e direito são clinicamente diferentes e consequentemente impactam em diferentes desfechos.
Durante a ESMO foi apresentado trabalho3 que aumenta o corpo de evidências dessas descobertas. Os pacientes com câncer colorretal metastático RAS selvagem dos estudos CRYSTAL e FIRE-3 foram classificados como tendo CCRm no lado esquerdo (tumores com origem na flexura esplênica, cólon descendente, cólon sigmóide ou reto) ou direito (tumores com origem no apêndice, ceco, cólon ascendente, flexura hepática ou cólon transverso).
A sobrevida livre de progressão (SLP), sobrevida global (SG) e a taxa de resposta objetiva (TRO) foram avaliadas de acordo com a localização do tumor e o braço de tratamento.
Na população RAS selvagem dos ensaios CRYSTAL (n=142) e FIRE-3 (n=157), os pacientes com tumores do lado esquerdo apresentaram SLP, SG e TRO marcadamente superiores em comparação com os pacientes com tumores do lado direito (n=33 e n=38, respectivamente). FOLFIRI (fluorouracil, leucovorina e irinotecano) mais cetuximabe em primeira linha beneficiou os doentes com tumores do lado esquerdo (vs FOLFIRI ou FOLFIRI mais bevacizumabe), enquanto os pacientes com tumores do lado direito obtiveram benefícios limitados dos tratamentos padrão.
O trabalho fornece uma variável que pode mudar a prática clínica e mostra que a localização do tumor primário deve ser incluída nos critérios de estratificação para futuros ensaios em pacientes com CCRm, particularmente aqueles que envolvem inibidores de EGFR.
O estudo de fase III CRITICS foi outro destaque de 2016 ao mostrar que a quimiorradioterapia após a cirurgia para câncer gástrico teve resultados semelhantes à quimioterapia pós-operatória. O trabalho foi apresentado na ESMO, no 18º Congresso Mundial de Câncer Gastrointestinal, e os dados finais não demonstraram diferença significativa na sobrevida global entre os regimes avaliados. A quimioterapia peri-operatória é o atual padrão de tratamento para câncer gástrico, mas estudos anteriores sugeriam que a quimiorradioterapia pós-operatória poderia trazer benefícios.
No estudo, 788 pacientes com câncer gástrico ressecável estágio Ib-IVa foram randomizados 1:1 para receber quimiorradioterapia pós-operatória ou mais três cursos do mesmo regime de quimioterapia recebido na neoadjuvância, com epirrubicina, um composto de platina (cisplatina ou oxaliplatina) e capecitabina. Após a cirurgia, os pacientes randomizados para o braço de quimiorradioterapia receberam 45 Gy em 25 frações combinadas com cisplatina semanal e capecitabina diária. Em 5 anos, a taxa de sobrevida foi de 40,8% no braço de quimioterapia e 40,9% no braço tratado com quimiorradioterapia, mostrando equivalência entre as duas opções de tratamento (p=0.99).
Referências:
1 - ESPAC-4: A multicenter, international, open-label randomized controlled phase III trial of adjuvante combination chemotherapy of gemcitabine (GEM) and capecitabine (CAP) versus monotherapy gemcitabine in patients with resected pancreatic ductal adenocarcinoma - Citation: J ClinOncol 34, 2016 (suppl; abstr LBA4006)
2 - Impact of primary (1º) tumor location on overall survival (OS) and progression-free survival (PFS) in patients (pts) with metastatic colorectal cancer (mCRC): Analysis of CALGB/SWOG 80405 (Alliance).
3 - Prognostic and Predictive Relevance of Primary Tumor Location in Patients With RAS Wild-Type Metastatic Colorectal Cancer Retrospective Analyses of the CRYSTAL and FIRE-3 Trials
4 - LBA02 - A multicenter randomized phase III trial of neo-adjuvant chemotherapy followed by surgery and chemotherapy or by surgery and chemoradiotherapy in resectable gastric cancer: First results from the CRITICS study