Controvérsias e evidências marcaram o ano, em diferentes cenários. Avanços continuam a reconfigurar o tratamento do câncer de próstata; imunoterapia é promessa em renal e desafios ainda marcam o câncer de bexiga. Confira a análise dos oncologistas Andrey Soares, Fernando Sabino e Vinícius Carrera, membros do LACOG-GU.
Por Andrey Soares, Fernando Sabino e Vinícius Carrera
No câncer de próstata de alto risco, estudo fase III já apresentado previamente trouxe em 2018 dados de longo prazo. Após seguimento mediano de 9,4 anos, confirmou que para pacientes tratados com radioterapia pélvica e prostática, o uso de 36 meses de bloqueio androgênico não foi superior a 18 meses em relação à sobrevida global (SG 5anos- 91% x 86%, p=0,07), com melhor qualidade de vida com menor tempo de bloqueio1.
Em pacientes com câncer de próstata localizado, a atualização do estudo GETUG-12 ainda deixa aberto o benefício de docetaxel após tratamento local e bloqueio androgênico.2
Em relação a novas técnicas de imagem, o PET-PSMA teve seu valor comprovado em estudo de fase II/III que avaliou o uso na recidiva bioquímica. Neste estudo o valor preditivo positivo do PET-PSMA foi de 85%, com sensibilidade de 79%, sendo que 38% dos pacientes tinham PSA < 1,0 ng/mL.3
Os estudos PROSPER e SPARTAN trouxeram bons resultados nos pacientes com doença resistente à castração não metastática e de alto risco, definidos como o grupo com tempo de duplicação do PSA menor que 10 meses. Nesses pacientes o risco de desenvolver metástases em um curto prazo é muito alto e o uso de enzalutamida ou apalutamida atrasou este tempo em mais de 70%. Esses dados levaram à aprovação de ambas as drogas neste cenário no Brasil.4,5
Na doença metastática e sensível a castração, uma análise do braço G do STAMPEDE mostrou que o uso de abiraterona tem impacto positivo e estatisticamente significativo na sobrevida, independentemente do risco do paciente, de acordo com os critérios do estudo LATITUDE (alto x baixo) ou do volume de doença, de acordo com os critérios do CHAARTED (alto x baixo). Assim, o uso de abiraterona nos pacientes com câncer de próstata metastático e sensível a castração, e torna-se uma opção importante.6
Ao menos dois estudos demonstraram algum benefício do tratamento local da próstata com radioterapia em pacientes metastáticos e sensíveis a castração. Nenhum deles (HORRAD e STAMPEDE-RT) atingiu benefício de sobrevida global de maneira estatística, porém ao analisar pacientes com 5 ou menos sítios metastáticos no estudo HORRAD e pacientes classificados como de baixo volume pelos critérios do CHAARTED no estudo STAMPEDE-RT a redução do risco de morte foi de 32%.7,8
No cenário resistente a castração o estudo ABIRACE foi o primeiro a avaliar o desfecho de tratamento em pacientes de raça negra e branca. Os negros são pouco representados nos estudos em geral e este estudo avaliou o papel de abiraterona em 100 pacientes, sendo 50 negros e 50 brancos. O estudo não demonstrou diferença no objetivo primário de sobrevida livre de progressão radiológica entre as raças (16,8 meses em ambos), com pequena diferença em relação ao tempo de progressão e resposta de PSA, além de diferenças no perfil de toxicidade.9
O estudo PROPHECY avaliou prospectivamente dois testes que analisam a presença de AR-V7 em pacientes com câncer de próstata metastático resistente a castração. Ambos (Johns Hopkins e Epic) tiveram concordância de 82% para detecção de AR-V7 e um valor preditivo negativo de resposta nos pacientes com AR-V7 positivo, sendo provavelmente um dos primeiros biomarcadores com potencial de ser incorporado à prática clínica em futuro próximo.10
Câncer renal
No tratamento do câncer de rim, merece destaque uma promissora estratégia no cenário da doença metastática: a combinação de imunoterapia com anti-angiogênico. O estudo de fase III IMmotion 151 randomizou 915 pacientes com carcinoma de células claras e/ou histologia sarcomatóide sem tratamento prévio entre a combinação de atezolizumabe + bevacizumabe versus sunitinibe. Um dos objetivos primários do estudo, a sobrevida livre de progressão nos pacientes PD-L1 positivo, foi favorável ao esquema de combinação (11,2 versus 7,7 meses; HR=0,74; IC de 95%: 0.57-0.96; p=0,02). A taxa de resposta (objetivo secundário) também favoreceu a combinação (43% versus 35%). O perfil de toxicidade foi semelhante entre os tratamentos. Os dados de sobrevida global em toda a população do estudo, outro objetivo primário, ainda estavam imaturos e devem ser apresentados na próxima atualização do estudo.
Outro estudo, de fase 1b, com braço único, avaliou a dose da combinação de pembrolizumabe + axitinibe em 52 pacientes com carcinoma de células claras metastático sem tratamento prévio e evidenciou taxa de resposta (objetivo secundário do estudo) de 73%. Essa mesma combinação está sendo avaliada em estudo randomizado de fase 3, o KEYNOTE-426, e os dados da primeira análise interina devem ser apresentados em 2019.
Confirmando a eficácia dessa estratégia de tratamento, o estudo JAVELIN Renal 101 foi apresentado no congresso europeu de oncologia (ESMO 2018). Nesse estudo fase III, 886 pacientes com carcinoma de células claras metastático sem tratamento prévio foram randomizados entre a combinação avelumabe + axitinibe versus sunitinibe. Independente da expressão de PD-L1, a sobrevida livre de progressão (13,8 versus 8,4 meses; HR=0,69; IC de 95%: 0,56-0,84; p=0,0001) e a taxa de resposta (51,4 versus 25,7%) foram melhores com a combinação.
No cenário adjuvante, mais um estudo com resultado negativo. Trata-se do fase III ATLAS que randomizou 724 pacientes, a maioria com carcinoma de células claras e com doença de alto risco, entre axitinibe versus placebo, ambos por 1 a 3 anos. O objetivo primário foi sobrevida livre de doença (SLD). Na primeira análise interina não foi evidenciada diferença na SLD (HR=0,87; IC de 95%: 0,66-1,14; p=0,32), sendo recomendada a suspensão do estudo.
Carcinoma urotelial
Apesar da aprovação recente pelo FDA de cinco novas drogas inibidoras de checkpoint imunológico para tratamento do carcinoma urotelial metastático da bexiga e do trato urinário, o câncer de bexiga continua a ser uma das neoplasias mais difíceis de tratar e persiste o desafio de melhorar os resultados oncológicos, seja na doença avançada ou na doença músculo-invasiva.
A quimioterapia neoadjuvante na doença músculo-invasiva é padrão de tratamento e pode aumentar a sobrevida. Entretanto, poucos pacientes são candidatos a este tratamento altamente tóxico. Assim, o anti PD-L1 atezolizumabe foi estudado neste cenário neoadjuvante e os resultados do estudo de fase II ABACUS foram apresentados na ASCO 2018 (1). Foram tratados 74 pacientes com doença músculo-invasiva (T2-4N0M0), candidatos à cistectomia radical e não elegíveis para cisplatina. Os pacientes receberam dois ciclos de atezolizumabe (1200 mg a cada 3 semanas) e seguiram para cirurgia. O desfecho primário foi a resposta patológica completa (RPC), que foi atingida em 29% (95% CI: 18% a 42%) de toda população e elevada para 40% (95% CI: 21% to 61%) nos pacientes PD-L1 positivos. Outro estudo de fase II (PURE-01) (3) utilizou três ciclos de pembrolizumabe na dose de 200 mg a cada 3 semanas antes da cistectomia radical. Dos 50 pacientes tratados, 21 apresentaram RPC, que aumentou para 54,3% nos pacientes com hiperexpressão de PD-L1.
No cenário da doença metastática, após falha a platina, uma coorte do estudo CheckMate 032 avaliou a combinação de ipilimumabe (3 mg/kg) e nivolumabe (1 mg/kg). A taxa de resposta objetiva foi de 38% (95% CI 28-49). Estes pacientes apresentaram toxicidades Grau 3-4 de 39%, compensada por taxa de resposta maior que na coorte de monoterapia com nivolumabe (26% 95% CI 16-37).
A grande novidade, porém, foi o estudo fase II com erdafitinib (ERDA) (4), uma molécula inibidora do FGFR com atividade em pacientes com mutações no FGFR (10-20% dos pacientes metastáticos). Dados preliminares de eficácia e segurança mostram que a taxa de resposta foi de animadores 42%, incluindo respostas completas (3%). O tratamento foi bem tolerado e estudo fase 3 foi iniciado. A outra droga não imunoterápica, é um conjugado anticorpo-quimioterapia, chamado enfortumab vedotin (VE). O conjugado liga-se a nectina 4, altamente expressa em tumores uroteliais e entrega um quimioterápico dentro destas células atigindo os microtubulos. Foram tratados pacientes inelegíveis a platina com pelo menos um esquema prévio de quimioterapia(5). A dose era aplicada nos D1,8 e 15 a cada 28 dias Foram tratados 112 pacientes e a taxa de resposta foi de 33%, incluindo também respostas completas. Os dados de segurança foram aceitáveis, sendo fadiga o evento mais comumente relatado
Referências Bibliográficas
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