Instituto de Física da USP de São Carlos, em parceria com o Hospital de Câncer de Barretos, desenvolve biossensor para facilitar o diagnóstico precoce do câncer de pâncreas. Expectativa é permitir que o médico faça a leitura imediata dos dados, no leito do paciente ou no consultório.
Um estudo desenvolvido pelo Grupo de Polímeros Prof. Bernhard Gross, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, em colaboração com o Hospital de Câncer de Barretos, pretende facilitar a utilização de biomarcadores para o diagnóstico do câncer de pâncreas em estágios iniciais.
Um dos tumores sólidos mais letais, o câncer de pâncreas ainda carece de métodos eficazes para a detecção da doença em fases mais precoces. As recentes pesquisas em biópsias líquidas têm apontado possíveis caminhos. Atualmente, o CA19-9 é o único biomarcador aprovado pelo FDA para o diagnóstico na fase inicial, com 80% de especificidade. Artigo publicado em julho de 2015 na Nature1apresentou outro marcador, o Glypican-1, que mostrou100% de especificidade.
Os pesquisadores construíram um protótipo de biossensor utilizando uma combinação no mínimo curiosa: polissacarídeos da casca de camarão, proteínas da semente do feijão-de-porco e uma camada ativa de anticorpos.
Os experimentos são iniciais e foram realizados em linhagens celulares comerciais, específicas de câncer de pâncreas, que continham o biomarcadorCA19–9. “As amostras foram analisadas e comparadas com o método utilizado atualmente, onde é preciso colher o sangue do paciente e enviar para análise em laboratórios. A consistência dos dados de ambos os métodos foi quase perfeita”, comemora Matias Melendez, pesquisador do Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular (CPOM) do Hospital de Câncer de Barretos.
Os resultados foram publicados na revista ACS Applied Materials & Interfaces2.
Como funciona
O biossensor utiliza um elemento biológico de reconhecimento, como uma enzima, um anticorpo ou um antígeno, para medir e avaliar a presença de determinadas substâncias. O dispositivo é composto por camadas de filmes nanométricos que contêm quitosana (substância retirada da casca de camarão), a concanavalina A, uma lectina presente nas sementes de feijão-de-porco, além de uma camada ativa de anticorpos capazes de reconhecer o antígeno CA19-9 em pequenas quantidades de amostras. “Em geral, o biossensor é uma medida elétrica, ou eletroquímica, que avalia a diferença do sinal antes e após a absorção. Se a amostra tiver o antígeno específico, ele vai se ligar ao anticorpo”, explica o professor Osvaldo Novais de Oliveira Jr, orientador do estudo.
A pesquisa identificou os mecanismos de detecção do câncer de pâncreas por meio da espectroscopia de infravermelho, que permite analisar apenas a superfície do biossensor. Os dados obtidos com biossensores são visualizados e analisados pelo software PEx-Sensors, criado em colaboração com o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos. O sistema permite que os dados sejam facilmente interpretáveis por médicos e pacientes.
Principais vantagens
O diferencial do novo método está na possibilidade de miniaturização do sistema de detecção e no uso de materiais biodegradáveis de baixo custo, características que podem tornar o dispositivo uma alternativa prática e eficaz para ser empregada no consultório médico ou até em residências, sem necessidade de laboratórios sofisticados de análises clínicas. “Queremos chegar em um dispositivo compacto, portátil, que os próprios pacientes possam medir, assim como o glicosímetro utilizado hoje por pacientes diabéticos”, explica Andrey Soares, doutorando do IFSC que desenvolveu o estudo.
Outra vantagem é que a estratégia pode ser utilizada para qualquer outro tipo de câncer ou em qualquer outra patologia com um marcador seletivo.
Próximas etapas
O passo seguinte é avaliar o biossensor em amostras de sangue de pacientes, projeto que recebeu em abril a aprovação do Comitê de Ética. “Vamos trabalhar com cerca de 20 amostras, com diferentes concentrações de CA19-9”, diz Andrey, que já antecipa o objetivo de produzir agora um biossensor com o biomarcador Glypican-1.
Os pesquisadores também querem comprovar que a produção do dispositivo pode ser economicamente viável. “É preciso ter baixo custo, alguém que esteja disposto a pagar pelo desenvolvimento da inovação, aprovação nos órgãos regulatórios e, posteriormente, alguém que produza em escala industrial. São muitos passos que infelizmente estão além das nossas competências”, conclui.
Referências: 1 - Glypican-1 identifies cancer exosomes and detects early pancreatic cancer – Nature 523, 177–182 (09 July 2015) - doi:10.1038/nature14581
2 - Controlled Film Architectures to Detect a Biomarker for Pancreatic Cancer Using Impedance Spectroscopy - ACS Appl. Mater. Interfaces, 2015, 7 (46), pp 25930–25937 – doi: 10.1021/acsami.5b08666