O cenário do câncer de próstata resistente a castração vive um dos mais dinâmicos momentos da oncologia. Aqui, não são ainda os inibidores de checkpoint que têm feito a diferença, mas uma nova geração de agentes capazes de vencer a recorrência bioquímica e a progressão radiográfica, ampliando a sobrevida e a qualidade de vida de pacientes em um contexto até pouco tempo fora de alcance terapêutico.
No Brasil, abiraterona (ZYTIGA®) e enzalutamida (XTAND®) estão entre as opções de tratamento à disposição de médicos e pacientes no CPRC, tanto no cenário pré, como pós-quimioterapia.
“Embora os mecanismos de ação não sejam idênticos, porque um é bloqueador de receptor androgênico e o outro bloqueia andrógenos residuais e tumorais, nitidamente vamos ter uma competição entre as duas drogas do ponto de vista mercadológico”, diz o urologista Marcus Vinícius Sadi, Professor Adjunto e Livre Docente de Urologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A disputa começou há tempos, partindo de um único racional: o reconhecimento de que, para além da produção de androgênios pela glândula adrenal e testículos, várias enzimas envolvidas na síntese de testosterona e di-hidrotestosterona são altamente expressas no tecido tumoral. Foi assim que novas pesquisas resultaram em modernos agentes terapêuticos e começaram a redesenhar o futuro do câncer de próstata resistente à castração.
A questão central é que escolher a melhor opção e definir o uso sequencial das novas terapias continua como um desafio para a prática clínica. “Há óbvia necessidade de biomarcadores e de estudos clínicos que possam estratificar adequadamente os pacientes para a melhor estratégia de sequenciamento de drogas nesta fase da doença”, avalia Sadi.
As evidências avançam. No início de março, o congresso da Associação Europeia de Oncologia apresentou novos dados de eficácia da abiraterona, a partir da análise pos–hoc do estudo de fase III COU-AA-302, que demonstrou vantagens de 11,8 meses na sobrevida global na comparação de abiraterona + prednisona versus placebo + prednisona (53.6 meses vs 41.8 meses; HR = 0.61 [95% CI, 0.43-0.87]; p = 0.0055).
“Em que pese o fato deste tipo de análise não ser pré-planejada e, portanto, sujeita a críticas de "olhar para os dados após o experimento ser concluído", esta sobrevida de 53,6 meses é a maior já reportada neste subgrupo de pacientes, mostrando uma diferença quase três vezes maior”, analisa Igor Morbeck, oncologista clínico do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, e membro do Grupo Brasileiro de Tumores Urológicos.
O oncologista Fernando Maluf, do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes e do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, também comenta os dados da abiraterona recém apresentados no congresso europeu. “A atualização do estudo é interessante porque a sobrevida quase que triplicou em relação ao primeiro dado há um ano. A diferença agora é da ordem de 12 meses com p= 0,005, com redução do risco de morte de 39%”, destaca.
A enzalutamida também apresenta dados robustos de eficácia e segurança. Em nota à imprensa repercutindo a recente decisão da Anvisa de ampliar a indicação da enzalutamida para o tratamento de pacientes pré-quimioterapia, a Astellas lembrou os bons resultados do estudo PREVAIL (BEER et al, 2014), evidência que embasou o registro no cenário pré-docetaxel. O uso de enzalutamida reduziu em 81% o risco de progressão radiográfica (HR = 0,19; p < 0,0001) e em 29% o risco de morte na comparação com placebo (HR = 0,71; p < 0,0001). Dados do PREVAIL mostraram ainda que o tratamento com enzalutamida também postergou o tempo até o início da quimioterapia e o tempo até o primeiro evento ósseo quando comparado ao placebo.
“O PREVAIL foi um trabalho importante, mas comparou enzalutamida com placebo e não com o tratamento habitual. Se um paciente está em bloqueio androgênico no câncer de próstata metastático, o estudo mais interessante é a comparação da enzalutamida com o antiandrogênico convencional, como bicalutamida”, esclarece Sadi.
Dois estudos em andamento avaliam essa comparação. Um é o fase II TERRAIN, que demonstrou aumento estatisticamente significativo na sobrevida livre de progressão (15,7 versus 5,8 meses) para enzalutamida na comparação com bicalutamida (HR = 0,44; 95% intervalo de confiança, 0,34-0,57; p <0.0001). Outro é o fase II STRIVE (Safety and Efficacy Study of Enzalutamide Versus Bicalutamide in Men With Prostate Cancer). O estudo incluiu 396 pacientes com câncer de próstata resistente a castração (257 metastáticos e 139 sem metástases). Os pacientes foram randomizados 1:1 para receber 160 mg/dia de enzalutamida (n=198) ou 50 md/dia de bicalutamida (n=198).
Em 2015, os dados do STRIVE apresentados na ASCO (Penson et al) mostraram benefício na SLP, com 19,4 meses para enzalutamida versus 5,7 meses no grupo bicalutamida. O tratamento com enzalutamida resultou em risco de progressão ou morte 76% menor que a bicalutamida em pacientes com ou sem metástases (HR, 0.24; 95% CI, 0.18 – 0.32; P <.001) e de 56% menor no grupo metastático.Os desfechos secundários também favoreceram o braço tratado com enzalutamida, com redução de 81% no risco de elevação do PSA.
Seleção de pacientes
A heterogeneidade tumoral é argumento para advogar em favor da seleção de pacientes para diferentes perfis de tratamento.
“Não acho que os dois sejam medicamentos comparáveis, porque nenhum estudo até hoje comparou os dois no câncer de próstata resistente a castração. Os dados de atualização mostram a solidez da abiraterona como opção de tratamento nesse cenário e acho também que os dados com enzalutamida são muito sólidos, ambos às custas de baixas taxas de efeitos colaterais. Além disso, tanto abiraterona quanto enzalutamida melhoraram critérios importantes, que se referem direta e indiretamente à qualidade de vida, como por exemplo o prolongamento para início de quimioterapia e prolongamento do tempo para uso de opiodes”, explica Fernando Maluf.
Alguns biomarcadores já se dispõem a predizer resposta. Estudo de Antonarakis e colegas apresentado na ASCO em 2014 mostrou o papel da variante AR-V7, uma variante do receptor de androgênio que tem sido associada ao subgrupo que não responde às terapias orais comumente empregadas no CPRC metastático.
No entanto, a seleção molecular no câncer de próstata parece ter ainda um longo caminho pela frente.