Após intensa onda de fusões, aquisições e investimentos, modelo de negócios do mercado privado passa por transformações. O aumento da oferta e a criação de grandes grupos devem ter impacto positivo, mas ainda é cedo para saber se irão contribuir para diminuir o custo do tratamento.
Consolidação. Esta parece ser a palavra de ordem do setor privado da oncologia em 2015. Após um período de intenso investimento, a oncologia passa por um momento de consolidação das fusões e aquisições estabelecidas nos últimos anos.
Otávio Clark, CEO da consultoria Evidências, da Kantar Health, acredita que a perspectiva é otimista. “O Brasil possui o segundo maior mercado privado de saúde do mundo, com mais de 50 milhões de pessoas. Existe um potencial enorme aqui no Brasil na oncologia. É uma área muito nova ainda”, afirma. Uma das coisas que o analista observa nessa consolidação do mercado é a profissionalização, com aumento do nível técnico. “Nós temos dois grupos principais que estão em processo de consolidação no Brasil: a Rede D’Or--São Luiz e a Oncoclínicas, de Minas Gerais. São grupos que hoje talvez sejam responsáveis pelo atendimento de 25% a 30% de todo o mercado privado do Brasil, e isso ainda vai trazer mudanças”, prevê.
Para Clark, o modelo deve amparar o desenvolvimento de guidelines e de pesquisas com dados do mundo real.
“Você passa a ter informações extremamente interessantes com o registro desses pacientes. Isso só vai ser possível com essa consolidação do mercado. É uma tendência sem volta”, afirma.
Esse ganho de escala nos grupos e o aumento de oferta podem, sim, ter impacto positivo. Por outro lado, existe uma outra força que vem da incorporação crescente de tecnologia e impacta os custos da assistência oncológica. A expectativa é de que a competição melhore a disponibilidade de serviços para o paciente, mas ainda é cedo para saber para qual lado a balança vai pesar.
Viabilidade
O número de pacientes, sem dúvida, é crescente, mas será que tanto investimento dará o retorno que se espera? “Em São Paulo talvez a gente tenha tido muitas instituições apostando em oncologia ao mesmo tempo, é difícil saber se todos terão volume para justificar os investimentos que foram feitos”, analisa Gilberto Lopes, diretor científico do HCor-Onco e da rede Oncoclínicas.
Segundo o especialista, as fontes pagadoras vão ter cada vez mais dificuldades com o custo dos medicamentos, o que talvez sinalize uma mudança desse cenário no futuro.
Ele cita como tendência o modelo que nos Estados Unidos é chamado de Pathways, na comparação dos tratamentos disponíveis avaliando eficácia, efeitos colaterais e custo. “Esse é o cenário na oncologia norte-americana que estamos começando a adaptar de maneira sistemática”, diz.
Para Rodrigo Lima, CEO da Oncologia D'Or, a receita de gestão é zelar pela viabilidade do negócio. “Isso não é diferente do que aconteceu em outros mercados. O objetivo é entregar uma qualidade melhor para os pacientes, até porque a capacidade de investimento é maior. Essa é a tônica quando se pensa no processo de consolidação”.
A visão, no entanto, não é compartilhada por todos os players. "As pesquisas envolvem somas imensas, a cada dia as drogas estão mais tecnológicas, e este custo não deve diminuir, Quem vai pagar por isso?”, questiona Waldyr Laguna Jr., diretor executivo da Salus Oncologia. A pergunta, infelizmente, continua sem reposta.
Ampliação da capacidade
“Deve ser um ano com crescimento mais limitado do que os anteriores, onde superamos taxas anuais de 20%, mas ainda estimamos uma evolução”, afirma Paulo Hoff, diretor de oncologia do Hospital Sírio-libanês, em São Paulo. Desde 2010, o hospital destinou cerca de R$ 50 milhões ao seu instituto de câncer. Em novembro, inaugura sua segunda unidade em Brasília, o que deve dobrar a capacidade de atendimento do hospital na cidade. E mesmo em ritmo um pouco mais lento, os investimentos continuam. “Estamos comprando máquinas mais modernas de radioterapia, e com o aumento da área para os próximos dois anos temos a estimativa de dobrar o número de posições de tratamento quimioterápico e mais que dobrar o número de consultórios de oncologia dentro do hospital”, afirma Hoff.
O Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), outra referência na área de oncologia, também tem apostado na ampliação. Na unidade principal, no bairro do Morumbi, em São Paulo, foram aplicados cerca de R$ 80 milhões nos últimos três anos e mais R$ 5 milhões estão previstos em 2015 para aumentar em 35% o número de leitos. Outra estratégia do HIAE prevê R$ 4 milhões para a radioterapia na unidade de Perdizes, mas o maior volume de investimento vai para a reabertura do antigo Hospital Santa Marina, que recebe R$ 26 milhões, boa parte dedicados a Oncologia. “Além disso, no próximo ano o HIAE iniciará as atividades de uma Faculdade de Medicina, com destaque para os setor de oncologia e hematologia”, diz Nelson Hamerschlak, coordenador médico do Centro de Oncologia e Hematologia Família Dayan - Daycoval do HIAE.
O Hospital São José/Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes também espera crescimento para 2015. Um novo prédio deve aumentar o número de consultas e infusões, além do movimento cirúrgico e de exames laboratoriais e de imagem. Com investimento de aproximadamente R$ 90 milhões, o prédio terá 9 mil m2, distribuídos em 10 andares voltados à assistência oncológica, com consultórios, leitos de internação, ambulatórios para quimioterapia e um andar dedicado exclusivamente a transplantes de medula óssea. Uma das novidades é o centro de medicina integrativa (Wellness Center), com acupuntura, massagem, orientação nutricional e psicológica, dentre outros.
“Teremos uma unidade de Pronto Atendimento de alto padrão, com um fluxo específico e espaços dedicados para o acolhimento dos nossos pacientes oncológicos. Nosso PA estará preparado também para prestar atendimento a outras especialidades médicas de alta complexidade”, explica Ricardo Hutter, superintendente executivo do Hospital São José. Com os investimentos, o hospital passa a contar com novos equipamentos de diagnósticos por imagem, além de uma parque completo para procedimentos de radioterapia, que contará com um acelerador linear de última geração. A previsão do início da operação é para o 2º semestre de 2015.
Capilaridade das redes
A consolidação do mercado se dá, em grande parte, com a aquisição de clínicas espalhadas pelo país, ou através da implantação de unidades em diferentes estados do serviço de origem.
A oncologia D’Or é um bom exemplo. O grupo hoje é uma multiempresa, com 32 clínicas em Brasília, São Paulo (capital e interior), Recife, Tocantins, Fortaleza e Rio de Janeiro, além de um centro integrado no Rio de Janeiro.
Com as inaugurações deste ano, a rede amplia presença no Rio de Janeiro, depois de dedicar mais de R$ 5 milhões à unidade de Botafogo. Também fortalece posição em Brasília e São Paulo, unidade que já consumiu R$ 6 milhões.
“Nós investimos muito em capacitação de colaboradores e para manter a capacidade de criar protocolos e processos que sejam integrados”, explica Rodrigo Lima. Para 2015, os planos são consolidar os negócios e investir em alta tecnologia, com a aquisição de três aceleradores lineares para a radioterapia, que devem consumir cerca de R$15 milhões. Mas o apetite por aquisições se mantém, ainda que mais moderado.
A bem sucedida proposta de centros integrados, a exemplo do Hospital Quinta D’Or, deve ser estendida a outras capitais. “Nacionalmente, sem contar as possíveis aquisições e fusões, são cerca de R$20 a R$30 milhões de investimento”, explica.
Outro nome reconhecido na oncologia carioca, o grupo Clínicas Oncológicas Integradas (COI) possui três unidades na cidade, e nos próximos meses deve aumentar sua penetração no mercado com a inauguração de duas novas unidades de oncologia ambulatorial. Com esse reforço na infra-estrutura, a COI deve ampliar a capacidade da área de quimioterapia em cerca de 60% e mais que dobrar a capacidade de atendimentos na radioterapia. “A maior parte do investimento, de R$50 milhões, ocorreu em 2014”, esclarece Cláudio Marote, vice-presidente de expansão da COI.
Em fevereiro, o grupo fez a aquisição da clínica Cetho, e agora avalia a possibilidade de outras aquisições. “Nosso projeto de longo prazo prevê a expansão para outras regiões. Queremos aumentar nossa participação fora do Rio de Janeiro”, avisa.
Apesar de ter se mostrado um bom negócio, existem controvérsias ao modelo de capilaridade. George Schahin, presidente do Instituto de Oncologia Santa Paula (IOSP), não partilha da ideia, porque na realidade é uma consolidação de clínicas. “O futuro da oncologia é estar dentro do hospital, e trabalhar o cirurgião oncológico, o radioterapeuta, o oncologista clínico, em conjunto, não isoladamente em clínicas de quimioterapia”, diz. O IOSP foi inaugurado em junho do ano passado com investimento de R$25 milhões e um modelo de gestão técnica do Hospital Sírio Libanês, e até o final do próximo ano deve investir apenas na contratação de recursos humanos para atender a demanda de serviços.
Na contramão
O Instituto Paulista de Cancerologia (IPC) vai na contramão das novas drogas e tecnologias de alto custo e tem apostado na criação de hospices. “O doente de câncer na fase terminal, com expectativa de vida menor que seis meses, não tem necessidade de utilizar recursos que são extremamente caros e que não o beneficiam. A saúde, a oncologia em especial, tem que passar por uma discussão muito ampla e sem hipocrisia”, diz Guilherme Mendes Filho, diretor do grupo.
Em função disso, a estratégia do Instituto foi montar hospices, instituições que buscam realizar o cuidado paliativo e proporcionar a melhor qualidade de vida possível nas condições do paciente. O grupo conta com três unidades da Clínica Saint-Marie em São Paulo, cada uma com um aspecto diferente. Apesar de não atender apenas pacientes de câncer, grande parte dos doentes internados sofre da doença.
Os custos se concentram, em grande parte, na administração de pessoal, uma vez que sob o ponto de vista de tecnologia o investimento é pouco. “Hoje as clínicas tem um custo médio diário para o paciente de aproximadamente metade a dois terços do custo médio diário do mesmo paciente em qualquer hospital”, diz.