A bióloga Emilia Modolo Pinto (foto), pesquisadora associada do St. Jude Children's Research Hospital, é primeira autora de artigo de revisão publicado na Cancer1 que destaca as principais contribuições científicas envolvendo a mutação TP53 p.R337H nos últimos 20 anos. “No Brasil, uma história fascinante sobre p53 e predisposição ao câncer teve início no ano 2000 com a identificação da mutação TP53 p.R337H. Aprendemos muito sobre a genética e a biologia dessa mutação, muito provavelmente de origem europeia, mas que ocorre numa frequência elevada em nossa população”, afirma a pesquisadora.
O supressor tumoral p53 regula uma série de genes envolvidos no controle do ciclo celular, reparo de DNA, sobrevivência e metabolismo celular e representa um dos inibidores da tumorigênese mais bem estudados. Desde a descoberta do TP53 em 1979, mutações somáticas têm se mostrado extremamente comuns; mais de 50% dos cânceres humanos adquirem mutações no TP53, sendo mais prevalentes no câncer de pulmão de pequenas células, câncer colorretal, tumores de cabeça e pescoço e câncer epitelial de ovário. “Mais raramente, mutações de TP53 observadas na linhagem germinativa são responsáveis por uma predisposição ao câncer aumentada, onde os portadores desenvolvem um ou múltiplos tumores numa idade mais precoce, dependendo do quanto o TP53 mutado está comprometido”, ressalta Emilia.
Para ilustrar a evolução do conhecimento sobre a p.R337H, os autores realizaram uma compilação de diversos trabalhos, chamando a atenção para a descrição do número elevado de pacientes pediátricos com tumor adrenocortical por autores da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, publicada no Journal of the National Cancer Institute2 em 1969, mesmo periódico em que Frederick Li e Joseph F. Fraumeni Jr publicaram sua investigação de cânceres pediátricos e familiares para determinar a origem do rabdomiossarcoma infantil4. Mais tarde, estudos adicionais contribuíram para a que a síndrome clínica relatada por Li e Fraumeni fosse designada como síndrome do câncer familiar5 e, posteriormente, como síndrome de Li‐Fraumeni (LFS)6.
Identificar o padrão de segregação do câncer familiar foi importante para determinar a associação genética subjacente ao LFS, e a escolha de um gene candidato inativado em formas esporádicas de cânceres associados a esta síndrome levou ao TP53, que até agora permanece o único gene implicado na etiologia molecular do LFS7.
“A mutação fundadora p.R337H ocorre em cerca de 1 a cada 300 indivíduos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, e com frequência bem menor, mas documentada, em países europeus e nos EUA. Além dos tumores adrenocorticais no grupo pediátrico e adulto, a mutação p.R337H também está presente de forma importante nos tumores pediátricos de plexo coroide e tumores de mama em jovens adultos. Outros tipos tumorais também são observados e ocorrem como casos isolados ou em famílias que exibem uma história de câncer mais complexa”, observam os autores.
Estudo recente determinou que o haplótipo constitutivo e mais frequente entre os portadores da variante TP53 p.R337H também inclui a mutação nonsense (p.E134*) no supressor tumoral XAF1, que se localiza muito próximo ao gene TP538. “O XAF1 p.E134* em conjunto com o alelo TP53 p.R337H leva a um fenótipo de câncer mais agressivo comparável a portadores de variantes patogênicas de TP53, mas claramente distinto da apresentação clássica de LFS. Estudos adicionais que consideram o haplótipo constitutivo em portadores da variante p.R337H serão muito importantes, particularmente se pudermos estratificar os portadores em categorias de alto e baixo risco. Isso pode ter implicações importantes no aconselhamento, prevenção e detecção precoce, assim como em opções de tratamento”, ressalta Emilia.
Os autores destacam que embora tenha havido muitos avanços na compreensão da biologia da variante TP53 p.R337H, ainda é preciso consolidar a contribuição das variantes polimórficas que definem o haplótipo na susceptibilidade ao câncer nesta população. “A atenção contínua não apenas à biologia do câncer, mas também a fatores adicionais permissivos ao estresse oncogênico é uma prioridade, particularmente no contexto de alelos de TP53 de penetrância reduzida, como exemplificado pela p.R337H”, concluem.
O trabalho conta com a participação de Gerard Zambetti, vice-presidente e diretor de Programas Acadêmicos em Ciências Biomédicas do St. Jude Children's Research Hospital, e foi financiado pela American Lebanese Syrian Associated Charities e Cancer Center Support Grant CA21765.
Referências:
1 - What 20 years of research has taught us about the TP53 p.R337H mutation - Emilia Modolo Pinto PhD, Gerard P. Zambetti PhD - First published: 17 August 2020 - https://doi.org/10.1002/cncr.33143
2 - Marigo C, Muller H, Davies JNP. Survey of cancer in children admitted to a Brazilian charity hospital. J Natl Cancer Inst. 1969; 43: 1231‐ 1240.
3 - Li FP, Fraumeni JF Jr. Rhabdomyosarcoma in children: epidemiologic study and identification of a familial cancer syndrome. J Natl Cancer Inst. 1969; 43: 1365‐ 1373.
4 - Li FP, Fraumeni JF Jr. Soft‐tissue sarcomas, breast cancer, and other neoplasms. A familial syndrome? Ann Intern Med. 1969; 71: 747‐ 752.
5 - Pearson AD, Craft AW, Ratcliffe JM, Birch JM, Morris‐Jones P, Roberts DF. Two families with the Li‐Fraumeni cancer family syndrome. J Med Genet. 1982; 19: 362‐ 365.
6 - Li FP, Fraumeni JF Jr, Mulvihill JJ, et al. A cancer family syndrome in twenty‐four kindreds. Cancer Res. 1988; 48: 5358‐ 5362.
7 - Malkin D, Li FP, Strong LC, et al. Germline p53 mutations in a familial syndrome of breast cancer, sarcomas, and other neoplasms. Science. 1990; 250: 1233‐ 1238.
8 - Pinto E, Figueiredo B, Chen W, et al. XAF1 as a modifier of p53 function and cancer susceptibility. Sci Adv. 2020; 6:eaba3231.