Onconews - Acupuntura e controle de sintomas do tratamento com inibidores de aromatase

ricardo caponero 232 200 NET OK 2A acupuntura reduz a dor articular relacionada aos inibidores de aromatase em mulheres na pós-menopausa com câncer de mama em estágio inicial? Artigo1 de Jennifer Abbasi, editora do JAMA, discute estudo publicado no periódico que tentou responder essa pergunta e levanta questionamentos sobre a significância clínica dos resultados. “O artigo é de suma importância por demonstrar, de forma randomizada e prospectiva, que a acupuntura pode ser um método complementar, integrado ao tratamento, que reduz de forma estatisticamente significativa as dores articulares decorrentes do uso de inibidores da aromatase”, avalia o oncologista Ricardo Caponero (foto), coordenador do Centro Avançado de Terapia de Suporte e Medicina Integrativa do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Um dos pilares do tratamento do câncer de mama, os inibidores da aromatase (AIs) são conhecidos pelos eventos adversos causados às pacientes que recebem a terapia hormonal, entre eles a rigidez e dor nas articulações semelhantes à artrite. As drogas - anastrozol, exemestano e letrozol - são prescritas por 5 a 10 anos em mulheres na pós-menopausa com câncer de mama hormônio-sensível, mas a dor limitante muitas vezes leva a descontinuação do tratamento, o que aumenta o risco de recorrência e morte pela doença.

Publicado no JAMA em julho, estudo de Hershman e colegas buscou avaliar a eficácia da acupuntura no alívio da dor musculoesquelética crônica nessas pacientes. O estudo envolveu 226 mulheres pós-menopáusicas em 11 centros acadêmicos ou clínicos que fazem parte do National Cancer Institute’s Clinical Trials Network. As participantes tinham câncer de mama em estágio inicial, estavam recebendo tratamento com inibidores de aromatase e tinham uma pontuação de pelo menos 3 pontos no Brief Pain Inventory Worst Pain (BPI-WP - escore de pontuação de 0-10; escores mais altos indicam dor mais severa).

As pacientes foram randomizadas 2: 1: 1 para acupuntura real (n = 110), acupuntura simulada (n = 59) ou grupo controle (lista de espera, n = 57). Os protocolos de acupuntura real e simulada consistiram em 12 sessões de acupuntura durante 6 semanas (2 sessões por semana), seguidas por 1 sessão semanal durante 6 semanas. O grupo controle não recebeu nenhuma intervenção. Todas as pacientes foram acompanhadas por mais 12 semanas.

O endpoint primário foi o resultado em 6 semanas no escore BPI-WP. Entre as 226 pacientes randomizadas (mediana de idade 60,7 anos; 88% caucasianas; mediana de escore BPI-WP no baseline 6,6 [1,5]). Duzentas e seis pacientes (91,1%) completaram o estudo. Do início do estudo até a 6ª semana, a mediana da pontuação BPI-WP observada diminuiu em 2,05 pontos (dor reduzida) no grupo de acupuntura real, 1,07 pontos no grupo de acupuntura simulada, e 0,99 pontos no grupo controle. A diferença ajustada para a acupuntura real vs acupuntura simulada foi de 0,92 pontos (95% IC, 0,20-1,65; P = 0,01) e para a acupuntura real vs grupo controle foi de 0,96 pontos (95% CI, 0,24-1,67; P = 0,01).

Os autores concluíram que entre mulheres na pós-menopausa com câncer de mama em estágio inicial e artralgias relacionadas a inibidores de aromatase, a acupuntura real comparada à acupuntura simulada ou controle de lista de espera resultou em uma redução na dor articular em 6 semanas, embora a melhora observada tenha sido de importância clínica incerta.

Discussão

Apesar de projetado para detectar como indicador de significância clínica uma diferença média de 2 pontos na pior dor entre os grupos, os autores acreditam que as descobertas são clinicamente importantes. “Uma diferença de 0,7 a 1 ponto entre os grupos é clinicamente significativa na maioria dos estudos sobre dor. Em nosso trabalho, a diferença média entre os grupos de acupuntura real e simulada foi de 0,92 pontos em 6 semanas, e a diferença entre a acupuntura real e o grupo controle de 0,96 pontos no mesmo período, o que atende o limite para diferenças entre os grupos utilizados em outros estudos”, observam.

Em uma análise post hoc do estudo de Hershman, 58% das mulheres que receberam acupuntura real tiveram uma redução de pelo menos 2 pontos em sua dor em 6 semanas em comparação com 33,3% no grupo de acupuntura simulada e 31,4% no grupo controle (lista de espera).

Também houve melhorias nos desfechos secundários pré-especificados, incluindo intensidade da dor e rigidez em 6 semanas no grupo de acupuntura real. Em 6 meses, após o final dos tratamentos, a mediana de pior dor ainda era de 0,59 pontos e 1,23 pontos mais baixa no grupo de acupuntura real em comparação com a simulação e a lista de espera, respectivamente.

"No sentido formal, este estudo não atingiu o seu endpoint primário", disse Deborah Schrag, oncologista do Dana-Farber Cancer Institute, em Boston, e editora-associada do JAMA que avaliou o trabalho. “No entanto, houve uma redução clara e consistente nos sintomas dessas mulheres", acrescentou.

O estudo levanta o debate sobre como interpretar as conclusões de um estudo quando o endpoint primário é negativo, mas muitos dos endpoints secundários são positivos e sugerem um efeito da intervenção.

"Um dos desafios que afeta muitos estudos de acupuntura é que eles estão sujeitos a efeitos placebo, e é difícil determinar se os resultados são de fato fruto do tratamento ou apenas do ato de realizar alguma intervenção. No entanto, no estudo em questão os pesquisadores conduziram um teste cego, fornecendo conhecimentos importantes para as mulheres e seus médicos. Se a intervenção for muito tóxica ou dispendiosa, pode haver menos entusiasmo, mas a acupuntura está amplamente disponível e é bastante segura”, afirmou Schrag.

Segundo Hershman, apesar da conclusão do estudo afirmar que os resultados são de importância clínica incerta, o trabalho é muito significativo. “A magnitude da melhoria na dor foi maior no grupo de acupuntura real, o que demonstra que é preciso considerar a utilização da acupuntura no controle da dor nesse subgrupo de pacientes”.

Caponero ressalta que não se pretende resolver completamente a dor, já que a causa não pode ser removida, nem utilizar a acupuntura como tratamento único e isolado no tratamento desse tipo de dor. “No entanto, o estudo mostra a contribuição que a acupuntura pode dar, sendo um tratamento efetivo, de baixo custo e com mínimos eventos adversos. A diferença foi significativa tanto entre placebo e acupuntura, como com o não tratamento. A eficácia do placebo em relação ao não tratamento também demonstra o papel dos aspectos psicológicos envolvidos”, observa.

“Apesar da magnitude da melhora da dor ser pequena, hoje sabemos que mais importante que a intensidade da dor, é a repercussão dela na vida cotidiana, o que não está relatado no estudo. Também podemos ressaltar os amplos intervalos de confiança, o que demonstra a grande variabilidade individual nos efeitos, o que dificulta a generalização dos resultados”, conclui.

Referências: 

1 - Can Acupuncture Keep Women on Their Breast Cancer Drugs? -  Jennifer Abbasi - JAMA. Published online August 8, 2018. doi:10.1001/jama.2018.11068

2 - Effect of Acupuncture vs Sham Acupuncture or Waitlist Control on Joint Pain Related to Aromatase Inhibitors Among Women With Early-Stage Breast Cancer - A Randomized Clinical Trial - JAMA. 2018;320(2):167-176. doi:10.1001/jama.2018.8907