Onconews - Radioterapia e sobrevida no carcinoma ductal in situ

Hanriot Net OK 1A radioterapia adjuvante está associada à redução da mortalidade por câncer de mama em pacientes tratados por carcinoma ductal in situ? Um estudo observacional de mais de 140 mil mulheres publicado no JAMA Network Open demonstrou que a combinação de radioterapia e mastectomia foi associada a um pequeno benefício na redução do risco de morte por câncer de mama em comparação com a lumpectomia ou mastectomia isoladas1. “Este é provavelmente um dos maiores estudos de coorte sobre mortalidade no carcinoma ductal in situ já publicado e traz novamente reflexões, antes de conclusões”, avalia o rádio-oncologista Rodrigo Hanriot, coordenador do serviço de Radioterapia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

O carcinoma ductal in situ geralmente é identificado através de mamografias em mulheres assintomáticas. Em cerca de 15% dos casos de CDIS tratados com cirurgia conservadora da mama a paciente apresentará uma recorrência invasiva na mesma mama em 15 anos. Em cerca de 6% dos casos, as mulheres com CDIS irão desenvolver um câncer de mama invasivo contralateral em 15 anos, e em cerca de 3% dos casos as mulheres com CDIS irão a óbito por câncer de mama em 15 anos. O risco de morte por câncer de mama aumenta muito após uma recidiva invasiva; no entanto, cerca de 50% das mulheres que morrem de câncer de mama após o carcinoma ductal in situ não apresentam registro de recidiva invasiva.

As pacientes com carcinoma ductal in situ são tratadas com radioterapia para reduzir o risco de recidiva invasiva local após cirurgia conservadora. No entanto, a associação da radioterapia com a sobrevida do câncer de mama em pacientes com CDIS ainda não foi claramente estabelecida.

Métodos e resultados

O estudo de coorte analisou 140366 mulheres que tiveram o primeiro CDIS primário diagnosticado entre 1998 e 2014 incluídas no Surveillance, Epidemiology, and End Results 18 registries database. Foram consideradas informações sobre idade e ano de diagnóstico, etnia, renda familiar, tamanho do tumor, grau de tumor, status do receptor de estrogênio, todos os tratamentos (cirurgia e radiação) e desfechos em 15 anos (recorrência local invasiva e morte por câncer de mama). O trabalhou comparou os resultados das pacientes submetidas a lumpectomia com radioterapia versus lumpectomia isolada, lumpectomia versus mastectomia e lumpectomia com radioterapia versus mastectomia. A coorte era em sua maioria caucasiana (109712 mulheres; 78,2%), com mediana de idade de 58,8 anos.

Entre as 140.366 pacientes, 35.070 (25%) foram tratadas apenas com lumpectomia, 65.301 (46,5%) foram tratadas com lumpectomia e radioterapia, e 39.995 (28,5%) tratadas apenas com mastectomia.

A taxa de mortalidade atuarial em 15 anos para o câncer de mama foi de 2,33% para pacientes tratados apenas com lumpectomia, 1,74% para pacientes tratados com lumpectomia e radiação e 2,26% para pacientes tratados com mastectomia.

O hazard ratio ajustado para óbito foi de 0,77 (95% IC, 0,67-0,88) para lumpectomia e radioterapia versus lumpectomia isolada (29,465 pares equiparados por propensão), 0,91 (95% IC, 0,78-1,05) para mastectomia isolada versus lumpectomia isolada (20,832 pares equiparados por propensão) e 0,75 (95% IC, 0,65-0,87) para lumpectomia e radioterapia versus mastectomia (29.865 pares equiparados por propensão).

Os autores concluíram que a radioterapia adjuvante está associada a um benefício pequeno, mas significativo, de sobrevida ao câncer de mama em pacientes com carcinoma ductal in situ em comparação com a lumpectomia isolada ou apenas mastectomia. “Os resultados sugerem que o benefício de sobrevida da radiação provavelmente não é devido ao controle local, mas sim a efeitos sistêmicos”, disseram os pesquisadores.

Segundo Hanriot, a avaliação unicamente dos dados do artigo mostra uma redução real de morte de 23% para adição da radioterapia a lumpectomia quando comparado somente a lumpectomia e 25% para lumpectomia e radioterapia em comparação com mastectomia, ambas com valor de p significativo, sem diferença entre lumpectomia e mastectomia isoladas. “Entretanto, o ganho absoluto foi pequeno, respectivamente 0,27% e 0,28% para mortalidade global, com maior diferença nas mulheres de alto risco (menores de 50 anos de idade – 1,59%; raça negra – 0,87%; receptores de estrógeno negativo – 0,57%)”, afirma.

O radio-oncologista observa que estudos anteriores já demonstraram o importante papel da radioterapia após lumpectomia tanto em meta-análises quanto em estudos prospectivos aleatorizados. “A redução do risco de recidiva, tanto como in situ quanto invasivo, é de cerca de 50%. Mas nenhum longo seguimento que comparou mortalidade estava disponível”, diz.

Em editorial2 publicado na edição, Mira Goldberg e Timothy Whelando Departamento de Oncologia da McMaster University, no Canadá, observam que os resultados apoiam a omissão da radioterapia após a lumpectomia em pacientes de baixo risco. “O risco de mortalidade por câncer de mama em pacientes com carcinoma ductal in situ foi muito baixo, e o potencial benefício absoluto da radioterapia foi pequeno. A redução do risco absoluto foi de 0,27%, sendo necessário tratar 370 mulheres para salvar uma vida. Os dados suportam a omissão da radioterapia, dado o custo e a inconveniência do tratamento diário por 5 a 6 semanas, os efeitos adversos agudos como dor mamária e fadiga, e potenciais efeitos tóxicos a longo prazo de problemas cardíacos e segundo câncer”, afirmaram.

Para Hanriot, o editorial que considerou a possibilidade de omissão global de radioterapia no carcinoma ducal in situ operado, baseado em estudo do tipo coorte, deve ser interpretado com cautela. “Raramente mudamos nossa prática unicamente baseada em estudos deste tipo. As atuais evidências de controle local são suficientes para garantir a recomendação de radioterapia complementar (EBCTCG e ECOG-ACRIN)3,4”, diz.

No entanto, o especialista avalia que o trabalho abre o questionamento, fundamental em estudos deste tipo (“geradores de hipóteses”), sobre quais são as mulheres que realmente vão se beneficiar da radioterapia adjuvante. “Em tempos de otimização de recursos com tratamentos cada vez menos invasivos, emprego progressivo de regimes curtos ou hipofracionados de radioterapia e menos recursos financeiros destinados a saúde, selecionar quem precisa ser tratado passa a ser imperativo. E este estudo sugere que estas mulheres existem e que precisam ser identificadas pois não se beneficiarão de tratamento adicional”, conclui.

Referências:

1 - Giannakeas V, Sopik V, Narod SA. Association of radiotherapy with survival in women treated for ductal carcinoma in situ with lumpectomy or mastectomy. JAMA Network Open. 2018;1(4):e181100. doi:10.1001/jamanetworkopen.2018.1100.

2 - Goldberg M, Whelan TJ. Systemic effects of radiotherapy in ductal carcinoma in situ. JAMA Network Open. 2018;1(4):e181102. doi:10.1001/jamanetworkopen.2018.1102.

3 - Correa C, McGale  P, Taylor  C,  et al; Early Breast Cancer Trialists’ Collaborative Group (EBCTCG).  Overview of the randomized trials of radiotherapy in ductal carcinoma in situ of the breast.  J Natl Cancer Inst Monogr. 2010;2010(41):162-177

4 - Solin LJ, Gray R, Hughes LL, Wood WC et al. Surgical Excision Without Radiation for Ductal Carcinoma in Situ of the Breast: 12-Year Results From the ECOG-ACRIN E5194 Study. J Clin Oncol 2015;33(33)3938-44