O ensaio clínico NRG Oncology/RTOG 0815, que comparou a radioterapia escalonada (RT) isolada ou em combinação com supressão androgênica de curto prazo (ADT) para pacientes com câncer de próstata de risco intermediário mostrou que a combinação não teve impacto na sobrevida global dessa população de pacientes. Os resultados foram apresentados durante a Sessão Plenária do encontro Anual da American Society for Radiation Oncology (ASTRO) 2021. Quem analisa os resultados é o médico especialista em radioterapia Robson Ferrigno (foto), coordenador dos Serviços de Radioterapia do Hospital BP Paulista.
“Embora não tenhamos demonstrado benefício de sobrevida global para a adição de supressão de andrógeno à radioterapia com dose escalonada, as descobertas de que a adição de ADT reduziu as taxas de falha bioquímica e metástases à distância destacam a necessidade de estudos futuros, especialmente nas áreas de imagens e identificação de biomarcadores, para identificar de forma otimizada subgrupos de pacientes com câncer de próstata de risco intermediário que têm maior probabilidade de se beneficiar desta intervenção”, afirmou Daniel J. Krauss, do William Beaumont Hospital e autor principal do ensaio NRG-RTOG 0815. “A próxima geração de estudos de radioterapia do câncer de próstata é projetada para incorporar a caracterização do biomarcador molecular diretamente na estrutura de randomização do protocolo, uma etapa crítica que deve ampliar as chances de identificar com precisão os pacientes que se beneficiarão da intensificação do tratamento”, analisou o especialista.
O ensaio de Fase III NRG-RTOG 0815 inscreveu e randomizou 1.538 pacientes, dos quais 1.492 eram elegíveis, sendo 750 para o tratamento com radioterapia escalonada (braço 1) e 742 randomizados para a mesma radioterapia mais 6 meses de ADT (braço 2). Os pacientes foram estratificados por fatores de risco, comorbidades e modalidade de radioterapia antes da randomização. As opções de radioterapia incluíram radioterapia por feixe externo (EBRT) isoladamente até a dose total de 79,2 Gy, ou EBRT (45 Gy) em toda a pelve para inclusão de linfonodos pélvicos, combinada com reforço de dose (boost) com braquiterapia de alta ou baixa taxa de dose em toda a próstata.
Os resultados apresentados por Krauss e colegas não indicaram ganho de sobrevida global no braço de combinação, mas mostraram benefício clinicamente significativo em endpoints secundários, incluindo taxas de metástases à distância, mortes devido ao câncer de próstata e falha de PSA.
Em um acompanhamento médio de 6,2 anos, os pesquisadores descrevem que as estimativas de sobrevida global em 5 anos foram de 90% para o braço 1 e de 91% no braço 2 [HR 0,85 (95 % CI 0,65-1,11); p = 0,22]. Um total de 193 pacientes apresentaram falha de PSA, sendo 125 no braço 1 e 68 no braço 2 [HR 0,52 (0,39-0,70); p <0,001] e 35 pacientes desenvolveram metástases à distância: 28 no braço 1 e 7 no braço 2 [HR 0,25 (0,11-0,57); p <0,001]. Onze mortes foram atribuídas ao câncer de próstata: 10 no braço 1 e 1 no braço 2 [HR 0,10 (0,01-0,80); p = 0,007].
Em relação ao perfil de segurança, 103 pacientes experimentaram eventos adversos grau ≥3 ou superior: 17 (2,3%) no braço 1 e 86 (11,9%) no braço 2 (p <0,001). A incidência cumulativa de eventos adversos tardios de grau ≥ 3 em 10 anos foi semelhante nos dois braços: 16,2% no braço 1 e 17,5% no braço 2 (p = 0,27).
O estudo tem financiamento do National Cancer Institute (NCI), do National Institutes of Health dos Estados Unidos.
Estudo consolida estratégia
Por Robson Ferrigno, médico especialista em radioterapia, coordenador dos Serviços de Radioterapia do Hospital BP Paulista
Os estudos de escalonamento de dose de radioterapia para o tratamento primário do câncer de próstata mostraram melhora do desfecho sobrevida livre de recorrência bioquímica, porém, nenhum deles mostrou impacto na sobrevida global.
Paralelamente, surgiram os estudos de adição de bloqueio androgênico à radioterapia para o tratamento de pacientes com câncer de próstata de riscos alto e intermediário e, esses, mostraram melhora no controle local e a distância de doença com essa associação. No entanto, nesses primeiros estudos, a radioterapia foi utilizada com doses não escalonadas, em torno de 64 a 70 Gy, ao invés de 74 a 80 Gy. Diante desse contexto, a principal questão que surgiu é se haveria benefício do bloqueio androgênico quando utilizamos dose escalonada. Será que o bloqueio hormonal atrasou a progressão de doença nos pacientes que receberam dose mais baixa de radioterapia?
O estudo NRG Oncology NRG-RTOG 0815 responde essa questão mostrando que mesmo com dose escalonada, ainda há benefício da associação de bloqueio androgênico por seis meses nos pacientes com câncer de próstata de risco intermediário, tanto para controle bioquímico como para sobrevida câncer específica e sobrevida livre de metástases a distância.
O desfecho sobrevida global nem sempre é possível de ser atingido porque na maioria das vezes o câncer de próstata de risco intermediário tem comportamento indolente e pode ser resgatado com outros tratamentos local ou sistêmico, fazendo que o paciente acabe morrendo de outras causas não relacionadas ao câncer.
Esse estudo não representa uma mudança de prática, mas é muito importante porque consolida a estratégia que a maioria das Instituições no Brasil e no mundo já utilizam na prática para o tratamento do câncer de próstata de risco intermediário (dose alta de radioterapia + bloqueio androgênico por seis meses) desde que os estudos de escalonamento de dose e associação de bloqueio androgênico foram publicados para esse grupo de pacientes.
Referência: Krauss DJ, Karrison TG, Martinez AA, Morton G, Yan D, Bruner DW, Movsas B, Elshaikh M, Citrin D, Hershatter B, Michalski JM, Efstathiou JA, Currey A, Kavadi VS, Cury FL, Lock M, Raben Rodgers J, Sandler HM. (2021, October). Dose Escalated Radiotherapy Alone or in Combination with Short-Term Androgen Suppression for Intermediate Risk Prostate Cancer: Outcomes from the NRG Oncology/RTOG 0815 Randomized Trial.