A radioterapia de alta dose ajuda a prolongar a sobrevida livre de progressão em pacientes com câncer de pulmão avançado quando a terapia sistêmica não interrompeu totalmente o crescimento ou disseminação das metástases. Os resultados do primeiro ensaio clínico randomizado a investigar a eficácia da radioterapia estereotática (SBRT) no tratamento câncer de mama e pulmão metastático oligoprogressivo foram selecionados para apresentação em Sessão Plenária no ASTRO 2021. Os resultados são tema da análise do médico especialista em radioterapia Daniel Przybysz (foto).
O câncer pode ser considerado oligoprogressivo quando há uma resposta mista à terapia sistêmica, em que alguns locais metastáticos se tornam resistentes aos medicamentos e continuam a crescer, enquanto outros tumores são suprimidos pela terapia sistêmica e permanecem estáveis. O padrão atual de tratamento para esses pacientes é mudar a quimioterapia ou terapia-alvo, o que pode causar efeitos adversos adicionais. Adicionar a terapia local, como o SBRT, permite que os pacientes continuem com a terapia atual, visando apenas as lesões resistentes aos medicamentos.
"Para pacientes cujos cânceres parecem ser oligoprogressivos, a radiação estereotática para os locais em progressão pode ajudá-los a obter mais tempo de sua terapia atual", disse C. Jillian Tsai, diretor de pesquisa em radio-oncologia para doenças metastáticas no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, e principal autor do estudo. “Esses pacientes costumam passar por várias linhas de terapia sistêmica antes da SBRT, e nosso estudo mostra que eles não precisam ficar sem opções. Podemos usar o SBRT para tratar seletivamente os locais que estão progredindo”, acrescentou.
O estudo avaliou o impacto da radioterapia corporal estereotática (SBRT) em locais de oligoprogressão em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas metastático (CPCNP) e câncer de mama com 1-5 lesões progressivas passíveis de SBRT e que receberam ≥ 1 linha de terapia sistêmica. Não houve limite superior de lesões não progressivas.
Os fatores de estratificação incluíram o número de locais progressivos (1 vs. 2-5), terapia sistêmica anterior (imunoterapia vs. outro), tumor primário (CPCNP vs. mama) e status do marcador tumoral (mutação driver e status do receptor hormonal).
Os pacientes foram randomizados 1: 1 entre SBRT para todos os locais progressivos mais o padrão de cuidado paliativo (SOC) vs. SOC paliativo isolado. A terapia sistêmica foi a critério do médico. O endpoint primário foi a sobrevida livre de progressão (SLP).
Resultados
Entre janeiro de 2019 e maio de 2021, 102 pacientes foram randomizados - 58 pacientes com CPCNP (30 no braço SBRT) e 44 pacientes com câncer de mama (22 em cada braço). A mediana foi de 67 anos de idade, a maioria (75%) tinha> 1 local de oligoprogressão e 47% tinham> 5 lesões metastáticas no total. Cinquenta e cinco (54%) pacientes receberam imunoterapia. A maioria dos pacientes com CPCNP (86%) não abrigava uma mutação driver acionável e 32% dos tumores de mama eram triplo-negativo. Fatores do baseline foram equilibrados entre os braços.
Em um acompanhamento médio de 51 semanas, 71 pacientes progrediram e 30 morreram. A mediana de SLP foi de 22 semanas no braço SBRT vs. 10 semanas no braço SOC paliativo (p = 0,005), impulsionado inteiramente pelo benefício de SLP da SBRT nos pacientes com CPCNP (44 semanas com SBRT vs. 9 semanas com SOC; p = 0,004). Nenhuma diferença na mediana de SLP foi observada na coorte de câncer de mama (18 semanas com SBRT vs. 17 semanas com SOC; p = 0,5).
No modelo multivariável de Cox, incluindo fatores de estratificação, idade, sexo, linhas de terapia sistêmica e mudança de terapia sistêmica, o benefício de SLP da SBRT permaneceu substancial na coorte de câncer de pulmão (Hazard Ratio: 0,38; IC 95%: 0,18-77; p = 0,007). Eventos adversos de grau ≥2 ocorreram em 8 pacientes no braço de SBRT, incluindo 1 pneumonite de grau 3.
“Nesta análise provisória pré-planejada do primeiro e maior ensaio clínico randomizado de radioterapia para CPCNP e câncer de mama metastático oligoprogressivo, demonstramos o benefício da SBRT para locais de oligoprogressão na sobrevida livre de progressão geral, atendendo ao desfecho primário. O mecanismo dos benefícios diferenciais entre as coortes de pulmão e mama merece uma avaliação mais aprofundada”, concluíram os autores.
Estudo reforça benefício da adição de SBRT no tratamento do câncer oligoprogressivo
Por Daniel Przybysz, médico especialista em radioterapia
Uma das grandes revoluções na oncologia nos últimos anos foi a gênesis e aceitação do conceito de doença oligometastatica. Não mais aceitar a progressão metastática como um ponto final em termos de esperanças e tratamentos para o paciente oncológico trouxe à tona um novo mundo dentro de nossa especialidade.
E mais uma vez, o racional (bio)lógico venceu. Tratar os sítios - por menores que sejam - de progressão neoplásica vem sendo alvo de inúmeros ensaios clínicos randomizados, seja com tratamento cirúrgico, sistêmico e/ou local. O racional recai sobre a ideia de aniquilar sítios menores de doença, que em potencial são fornecedores de carga tumoral ao longo da história natural de progressão cancerosa.
O estudo realizado por Tsai et. Al. e apresentado no Congresso Americano de Radio-Oncologia (ASTRO) deste ano traz um valioso arsenal de dados no que tange nossos pacientes oligometastáticos. Embora de design muito parecido com outros já publicados, o trial aventa, em uma distribuição 1:1, se a adição da SBRT ao tratamento padrão (standard of care) para pacientes em oligo-progressão traz benefícios. Sucintamente, a ideia é: se eu tratar também colônias neoplásicas menores, consigo diminuir o estrago final da doença?
Os resultados são lógicos. O benefício da adição de um tratamento direcionado e preciso como a SBRT é claro. Embora a população estudada neste ensaio seja heterogênea, contendo pacientes estádio IV com diagnóstico de câncer de pulmão não-pequenas células ou mama, com 1 ou mais sítios de progressão, o racional do estudo mantém-se homogêneo. Quando estratificamos as diversidades entre os grupos, algumas sobressaem: número de lesões, tipos de tratamentos já recebidos ou em uso e carga tumoral (tumor burden). Em anáalise de subgrupos e Cox-multivariadas, os benefícios a favor do uso de radioterapia estereotática extra-corpórea (SBRT) adicionalmente ao tratamento padrão é claro. Obstante alguns diferenciais (maior benefício para pacientes com câncer de pulmão não-pequenas células), o ganho de sobrevida torna-se evidente.
Por fim, algumas limitações do estudo nos deixam questionamentos. Ficaríamos felizes em ver uma análise de qualidade de vida futura nestes pacientes. Afinal, estamos vivendo mais e melhor, ou apenas mais? Outra grande pergunta fica por conta da análise técnica dos tratamentos de SBRT realizados: são todos de boa qualidade dosimétrica e entregues de forma adequada? Estas são apenas algumas das dúvidas e hipóteses que o estudo nos estimula a perguntar.
Felizmente, vemos na ASTRO deste ano mais uma vez a tecnologia correndo atrás de qualidade e melhor cuidados para nossos pacientes com câncer. Estudos como o trazidos pelo grupo do MDACC nos deixam animados como médicos e profissionais da saúde da área da oncologia.
Referência: LBA-3 Consolidative Use of Radiotherapy to Block (CURB) Oligoprogression ― Interim Analysis of the First Randomized Study of Stereotactic Body Radiotherapy in Patients With Oligoprogressive Metastatic Cancers of the Lung and Breast - C. J. Tsai et al