Onconews - Agrotóxicos e câncer, conhecemos a realidade?

Agrotoxico 2 NET OKEm 2017, estudo de pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer (Inca) reforçou o alerta sobre os riscos da contaminação por agrotóxicos e o desenvolvimento de diversos tipos de câncer na população brasileira. O estudo1 revelou que os dois agrotóxicos mais utilizados na lavoura nacional, o glifosato e o 2,4-D, têm relação direta com o linfoma não Hodgkin e recomendou diretrizes regulatórias urgentes, com legislações mais restritivas para coibir os perigos da contaminação. Agora, novo alerta vem do urologista uruguaio Diego Abreu Clavijo, do Latin American Renal Cancer Group (LARC), durante conferência promovida pelo International Kidney Cancer Coalition, realizada de 12 a 14 de abril, no México.

“A América Latina assistiu a uma mudança nos seus modelos agrícolas para fomentar a produção, com incentivo muito grande aos transgênicos. Como resultado, nos últimos anos o Brasil superou a marca norte-americana e importou 1 bilhão de toneladas de agrotóxicos”, sustenta Clavijo, que argumentou em defesa de um amplo esforço de pesquisa para avaliar a real extensão do uso de agrotóxicos e seu impacto na incidência do câncer na América Latina.

No Brasil, o assunto desperta interesse ainda maior em meio à decisão da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal de votar a favor do Projeto de Lei que desobriga a indústria de alimentos a identificar a presença de transgênicos em seus produtos (PLC 34/2015). A decisão foi anunciada 17 de abril e propõe remover o símbolo com a letra T, que hoje deve constar das embalagens com produtos geneticamente modificados2. O relator do projeto, o senador Cininho Santos (PR-MT) entende que o símbolo usado no Brasil “pode confundir tanto consumidores quanto setores importadores”.

A decisão do Senado reacende o debate sobre agrotóxicos, que sabidamente tem no cultivo dos transgênicos seu principal carro-chefe. Em documento publicado em 2015 (Impactos dos Agrotóxicos na Saúde)3, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) denunciou o esforço da indústria de agrotóxicos de maquiar suas práticas, não apenas quando adota a designação de ‘defensivos agrícolas’, mas também quando estabelece padrões de limite máximo de resíduos (LMR) ou de ingestão diária aceitável (IDA).

A flexibilidade regulatória também foi apontada no documento. “O que dizer da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a elevação em cinquenta vezes dos LMR de glifosato na soja (ANVISA, 2005) e em dez vezes no milho, viabilizando dessa forma o plantio comercial de variedades transgênicas resistentes a este princípio ativo comprovadamente carcinogênico que integra a composição do herbicida mais empregado nas lavouras brasileiras? (AS-PTA, 2010)”, indagou a Abrasco. “O que dizer ainda do fato de 22 dos cinquenta princípios ativos mais empregados no Brasil estarem banidos em outros países?”, questiona o documento.

Diferentes estudos nacionais e internacionais já se dispuseram a conhecer o problema dos agrotóxicos. “Na União Europeia, artigo de 2017 dimensionou em 47% a contaminação de frutas e verduras, enquanto no Brasil a contaminação por agrotóxicos chegou a 70% e no Uruguai alcançou 97%”, ilustra o urologista uruguaio. É o que basta para reconhecer a importância de um olhar mais atento. “Hoje, 186 substâncias que são proibidas na comunidade europeia estão sendo amplamente usadas no México. Será que estamos considerando esse cenário quando discutimos os fatores de risco para câncer renal, por exemplo? Ninguém fala de agrotóxicos”, critica Clavijo. “Precisamos equilibrar a necessidade da produção agrícola na América Latina sem que esses países sofram com um efeito tão deletério”, resumiu o especialista durante o 8°IKCC, no México.

Na base de evidências que correlaciona câncer renal com o uso de agrotóxicos, o pesquisador do LARC citou a meta-análise chinesa de Xiet et al (Oncotarget, 2016)4, comprovando que a exposição a pesticidas está positivamente associada com um risco elevado para o câncer renal (RR = 1,10, intervalo de confiança de 95% 1,01–1,19).

Com incidência crescente e etiologia ainda incerta, o câncer renal também foi positivamente associado com a exposição ocupacional a agrotóxicos em estudo realizado na Universidade de Parma. O estudo italiano mostrou que trabalhadores expostos ao uso de pesticidas e solventes orgânicos por 10 anos ou mais tiveram risco aumentado para câncer renal (OR 2.0 (95% CI: 0.8-4.7) e OR 2.7 (95% CI: 1.3-5.5). Outro estudo europeu publicou achados semelhantes, em análise que considerou sete áreas da República Checa, Polônia, Romênia e Rússia, confirmando a correlação entre câncer renal e exposição a agrotóxicos.

Dados da Organização Mundial de Saúde estimam que 15% de todas as enfermidades são consequência da contaminação, inclusive por substâncias cancerígenas. Segundo a OMS, a cada ano são registradas 70 mil intoxicações agudas e crônicas na população dos países em desenvolvimento.

Desde 2008, o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo. Mais da metade das substâncias presentes nos produtos químicos adotados nas lavouras brasileiras são proibidas em países da Europa e Estados Unidos, sustenta o Dossiê Abrasco, acrescentando que cerca de 70% dos alimentos in natura consumidos no País estão contaminados por algum tipo de agrotóxico.

Referências:

1- Costa VIDB, Mello MSDC, Friedrich K. Exposição ambiental e ocupacional a agrotóxicos e o linfoma não Hodgkin. Saúde em Debate. 2017;41(112):49-62.

2 - https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2018/04/comissao-de-meio-ambiente-aprova-fim-de-informacoes-sobre-transgenicos-em-rotulos

3 - Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde / Organização de Fernando Ferreira Carneiro, Lia Giraldo da Silva Augusto, Raquel Maria Rigotto, Karen Friedrich e André Campos Búrigo. - Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015 

4 - Onco Targets Ther. 2016; 9: 3893–3900.Published online 2016 Jun 28. doi: 10.2147/OTT.S104334. 2016; 9: 3893–3900.Published online 2016 Jun 28. doi: 10.2147/OTT.S104334

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