A radioterapia axilar pode substituir a dissecção dos linfonodos axilares em pacientes com câncer de mama inicial e linfonodo sentinela positivo? Resultados de longo prazo do estudo AMAROS mostram que após 10 anos de seguimento, tanto a radioterapia axilar (RTA) quanto a dissecção de linfonodos axilares demonstraram excelente controle locorregional e taxas de sobrevida, com menor morbidade após a RTA. Robson Ferrigno (foto), coordenador dos Serviços de Radioterapia do Hospital BP Paulista, analisa os resultados.
Neste estudo aberto multicêntrico de fase III de não inferioridade, foram incluídos 4.806 pacientes submetidos à biópsia de linfonodo sentinela (LS), dos quais 1.425 tinham LS positivos e foram randomizados para ALDN (n = 744) ou RTA (n = 681).
Por análise de intenção de tratar, a incidência cumulativa de recidiva axilar em 10 anos foi de 0,93% (95% CI, 0,18 a 1,68; sete eventos) após ALND e de 1,82% (95% CI, 0,74 a 2,94; 11 eventos) após RTA (risco ratio [HR], 1,71; IC 95%, 0,67 a 4,39). Os autores descrevem que não houve diferenças em sobrevida global (HR, 1,17; 95% CI, 0,89 a 1,52) ou sobrevida livre de doença (HR, 1,19; 95% CI, 0,97 a 1,46) entre os braços de tratamento. A análise exploratória mostrou incidência cumulativa de segundo câncer primário em 10 anos de 12,1% (95% CI, 9,6 a 14,9) após RTA e de 8,3% (95% CI, 6,3 a 10,7) após ALND.
Em relação à qualidade de vida, a ALND foi associada a maior taxa de linfedema em análises atualizadas de 5 anos (24,5% v 11,9%; P < 0,001). As escalas de qualidade de vida não diferiram por tratamento ao longo de 5 anos.
Em conclusão, a análise de 10 anos confirma baixa recorrência axilar após RTA e ALND sem diferença em sobrevida global, sobrevida livre de doença e taxas de controle locorregional. Os autores destacam que diante da menor morbidade, RTA é preferível à ALND para pacientes com câncer de mama cT1-2 SN-positivo, enquanto a dissecção axilar deve ser limitada a pacientes com doença nodal macroscópica.
“A atualização do estudo AMAROS, com seguimento mediano de 10 anos, confirmou os achados da sua primeira publicação no periódico Lancet Oncology em 20142, ou seja, sem diferença entre radioterapia ou cirurgia da região axilar no controle loco-regional, na sobrevida livre de doença, na sobrevida livre de metástases e na sobrevida global, com a vantagem de a radioterapia promover menor taxa de edema do braço”, afirma Ferrigno.
O especialista ressalta que que o estudo AMAROS não é o primeiro estudo prospectivo e randomizado da literatura a encontrar esses achados. “Outros dois estudos bem mais antigos e anteriores a era do linfonodo sentinela, o NSABP 043 e o estudo francês4 também mostraram resultados de controle local e sobrevida semelhantes entre pacientes que foram submetidas à radioterapia da axila e as que foram tratadas com esvaziamento axilar. Portanto, está claro, e com nível de evidência 1, que a radioterapia da axila pode substituir o esvaziamento axilar sem comprometer os resultados de controle loco-regional e a distância do câncer de mama se não houver linfonodo macroscopicamente comprometido na axila. Nessas situações, a radioterapia não é tão eficaz quanto a cirurgia para o controle de doença”, avalia.
Ferrigno observa que a grande discussão da atualidade é se é possível extrapolar esses dados para o contexto do tratamento sistêmico neoadjuvante. Ou seja, o esvaziamento axilar pode ser substituído pela radioterapia das drenagens linfáticas em pacientes tratadas com terapêutica sistêmica antes da cirurgia e cujo exame anátomo patológico mostrou presença de linfonodo sentinela positivo? “Para responder a essa questão estamos aguardando a publicação do estudo ALLIANCE que randomizou essas pacientes entre esvaziamento axilar seguida de radioterapia sem incluir os níveis dissecados e radioterapia de todos os níveis da axila sem complemento cirúrgico da axila. Os resultados do estudo ALLIANCE saberemos no futuro. No entanto, face aos resultados dos estudos AMAROS, NSABP 04 e do estudo francês, aliado ao fato de que a radioterapia é sempre realizada após a cirurgia (adjuvante), é pouco provável que haja diferença no controle de doença subclínica da axila se o tratamento sistêmico foi antes ou depois da cirurgia. A conferir”, conclui.
Referências:
1 - Bartels SAL, Donker M, Poncet C, Sauvé N, Straver ME, van de Velde CJH, Mansel RE, Blanken C, Orzalesi L, Klinkenbijl JHG, van der Mijle HCJ, Nieuwenhuijzen GAP, Veltkamp SC, van Dalen T, Marinelli A, Rijna H, Snoj M, Bundred NJ, Merkus JWS, Belkacemi Y, Petignat P, Schinagl DAX, Coens C, van Tienhoven G, van Duijnhoven F, Rutgers EJT. Radiotherapy or Surgery of the Axilla After a Positive Sentinel Node in Breast Cancer: 10-Year Results of the Randomized Controlled EORTC 10981-22023 AMAROS Trial. J Clin Oncol. 2022 Nov 16:JCO2201565. doi: 10.1200/JCO.22.01565. Epub ahead of print.
2 - Donker M, et al. Radiotherapy or surgery of the axilla after positive sentinel node in breast caner (EORTC 10981-22023 AMAROS): a randomized, multicentre, open-label, phase 3 non-inferiority trial. Lancet Oncol 2014.
3 - Fisher B, et al. Twenty-five-year follow-up of a randomized trial comparing radical mastectomy, total mastectomy and total mastectomy followed by irradiation. N Eng J Med 2002.
4 - Louis Sylvestre C, et al. Axillary treatment in the management of operable breast cancer: dissection or radiotherapy? Results of a randomized study with 15 years of follow-up. J Clin Oncol 2004.