Artigo publicado na Nature1 revela que um aplicativo criado para identificar sequências incorretas de genes encontrou falhas em mais de 60 artigos científicos, quase todos estudos em câncer. Em artigo de Nicky Phillips, a publicação descreve como uma versão inicial do aplicativo Seek & Blastn2 colocou em xeque a credibilidade científica. Para o oncologista e oncogeneticista José Claudio Casali da Rocha (foto), o trabalho de Nicky Phillips revela uma preocupação com a integridade dos dados publicados em revistas de renome internacional.
O aplicativo foi desenvolvido pela pesquisadora australiana Jennifer Byrne, do Hospital Infantil Westmead, em Sydney, em parceria com Cyril Labbé, da área de informática da Universidade de Grenoble Alpes, na França. "Seek & Blastn tenta buscar a correspondência entre o status reivindicado de uma sequência de nucleotídeos e o que a sequência realmente é", resume o artigo.” Uma incompatibilidade é sinalizada, por exemplo, quando uma sequência descrita de um gene segmentado humano não encontra correspondência no banco de dados Blastn. As sequências não segmentadas também são detectadas”, prossegue.
Phillips descreve que desde 2015 Jennifer Byrne já se concentrava em identificar erros em artigos científicos que discutiam câncer e genética. Naquele mesmo ano ela já havia identificado problemas em cinco artigos. Byrne e colegas descreveram uma experiência que inativou um gene usando uma sequência curta de nucleotídeos, para observar seus efeitos nas células tumorais. A pesquisadora australiana fazia parte da equipe que publicou os dados em 1998 e percebeu problemas em cinco artigos que relataram erroneamente a sequência de nucleotídeos. A Nature diz que dois desses papers já foram retirados, ambos da BioMed Research International, e que outros dois seriam expurgados 21 de novembro.
Segundo o periódico, depois de perceber erros como esses em outros 25 trabalhos, Byrne e Labbé criaram a ferramenta Seek & Blastn. Uma versão inicial do programa está disponível desde outubro e agora os desenvolvedores planejam melhorar a ferramenta e oferecê-la aos editores científicos.
Em relação aos mais de 60 artigos que não passaram no crivo do aplicativo, a Nature reporta textualmente a opinião de Byrne. “Muitos desses manuscritos têm outros problemas, como imagens de baixa qualidade, gráficos e textos sobrepostos, que fazem alguns dos trabalhos "surpreendentemente similares" uns aos outros, diz a pesquisadora australiana. Os documentos estão sendo revistos.
Em estudo de 2016 na Scientometrics3, Byrne e Labbé relataram problemas em 48 artigos científicos, todos escritos por autores da China.
Para o oncogeneticista José Claudio Casali da Rocha (foto), o trabalho de Nicky Phillips revela uma preocupação com a integridade dos dados publicados em revistas de renome internacional. “Os maiores erros apontados são referentes a sequências gênicas depositadas em bancos de dados genômicos públicos que, eventualmente, têm mais de uma inclusão, ou seja, existem múltiplas versões "normais" para o mesmo gene. Portanto, o uso errôneo de uma sequência de referência "não padrão" poderia levar à falsa interpretação de uma mutação genética que não existe. Assim, é exigência de controle de qualidade de resultados liberados por laboratórios clínicos e de pesquisa que se divulgue a sequência de referência para determinado gene na parte metodológica dos seus laudos”, recomenda.
Casali da Rocha lembra que um exemplo se dá com o gene BRCA1. “Durante muitos anos o BRCA1 teve sua sequência padrão recomendada pelo BIC (Breast Cancer International Core), mas hoje, com novas recomendações internacionais, mudou a numeração da posição das mutações, levantando questionamentos acerca da mutação familiar em membros de famílias que fizeram testes preditivos recentemente”, esclarece ele, confiante no sucesso do aplicativo Seekk & Blastn.
“O aplicativo Seek & Blastn é uma ferramenta de internet tipo App para que revisores de revistas e pesquisadores possam analisar suas sequências geradas por sequenciamento (p.e. de tumores) frente às sequências padrão de referência e todas suas variantes nucleotídicas e transcritos de RNA. Para os oncologistas que estão envolvidos em projetos de medicina personalizada e de precisão torna-se uma ferramenta muito útil que se adiciona ao arsenal de ferramentas de bioinformática. O que realmente esperamos disso tudo aplicado ao cuidado com o paciente oncológico é que os testes genéticos se tornem mais ágeis e rápidos e que os tempos de análises sejam cada vez menores para que possam ser incorporados à prática clínica”, conclui.
Referências: 1 - Online software spots genetic errors in cancer papers -Tool to scrutinize research papers identifies mistakes in gene sequences. Nature News, Nov 20, 2017
2 - http://scigendetection.imag.fr/TPD52/
3 - Byrne, J. A. & Labbé, C. Scientometrics 110, 1471–1493 (2017)