Em 2012, 5,5% de todos os novos casos de câncer e 5,8% de todas as mortes pela doença no mundo são atribuíveis ao consumo de álcool. Os dados são da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, em comunicado publicado no Journal of Clinical Oncology. O oncologista Antonio Carlos Buzaid (foto), diretor-geral do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, e membro do Comitê Gestor do Centro de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein, comenta a declaração da ASCO.
O comunicado sustenta que 70% dos americanos não reconhecem o consumo de álcool como fator de risco para a doença, de acordo com o National Cancer Opinion Survey, realizado pela ASCO no início do ano entre 4.016 norte-americanos adultos.
"As pessoas geralmente não associam o consumo de álcool com o aumento do risco de desenvolver câncer", disse o presidente da ASCO, Bruce Johnson. "No entanto, essa relação foi firmemente estabelecida e fornece orientação à comunidade médica sobre como ajudar seus pacientes a reduzir o risco da doença".
Além de aumentar a conscientização sobre o vínculo entre álcool e câncer - e, portanto, a oportunidade de reduzir o risco da doença -, a declaração também ofereceu recomendações baseadas em evidências para reduzir o consumo excessivo de álcool. Entre as propostas estão sugestões sobre rastreamento alcóolico e intervenções em contextos clínicos, além da recomendação de limitar dias e horários de venda de bebidas alcoólicas, aumentar impostos e preços, melhorar a aplicação das leis que proíbem a venda de álcool a menores de idade, além de restringir a exposição dos jovens à publicidade de bebidas.
Reconhecimento
Apesar de amplamente avaliada em estudos epidemiológicos de casos-controle e coortes, a importância do consumo de álcool como fator contribuinte para a carga geral de câncer é muitas vezes subestimada. Relatório do World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research (AICR) classificou de convincente a evidência da relação entre consumo de álcool e câncer de cavidade oral, faringe, laringe, esôfago, mama e colorretal (nos homens). O álcool foi considerado causa provável de maior risco de câncer de fígado e câncer colorretal (em mulheres), e revisão atualizada também corroborou a relação entre consumo de álcool e câncer de fígado. Para o câncer de esôfago, a associação com o consumo de álcool é em grande parte específica do carcinoma de células escamosas. Existe também a suspeita de que o consumo de doses elevadas de álcool aumenta o risco de câncer de pâncreas e câncer gástrico.
A declaração da ASCO lembra que os maiores riscos estão relacionados ao consumo de doses elevadas. No entanto, entende que em alguns casos o risco persiste mesmo em baixos níveis de consumo.
“Embora o álcool seja claramente cancerígeno, seu uso moderado pode reduzir a mortalidade global, principalmente a cardiovascular. Isto faz com que uma recomendação taxativa sobre a ingesta de álcool seja mais difícil de ser realizada”, entende o oncologista Antonio Carlos Buzaid.
Buzaid lembra que houve um crescente consenso indicando que o consumo moderado de álcool está associado a menor risco de mortalidade e que essa associação é, possivelmente, causal. No entanto, artigo de revisão recente levantou críticas severas a esse consenso, argumentando que a maioria das pesquisas anteriores nesta área cometeu sérios erros de classificação.
Estudo de Fuller TD2 reexaminou a questão usando dados prospectivos de mais de 124 mil pessoas entrevistadas nos inquéritos nacionais de saúde nos EUA, de 1997 a 2000. Os dados foram correlacionados com os inquéritos de mortalidade até 2002. A conclusão do autor mostra que, em comparação com os não-bebedores, aqueles que consumiram quantidades moderadas de álcool tiveram menor mortalidade por todas as causas e menor mortalidade por doença cardiovascular.
Pesquisa
A declaração estimula ainda novas pesquisas para ampliar a compreensão sobre a relação entre consumo de álcool e risco de câncer. “Embora seja um fator de risco bem estabelecido para o desenvolvimento de certos tipos de câncer, muito pouco se sabe sobre como o uso atual de álcool afeta o tratamento do câncer. Assim, existe a necessidade de mais pesquisas em relação ao álcool, assim como existe a necessidade de uma definição melhor de seu efeito de forma concomitante com o tratamento oncológico, incluindo quimioterapia, imunoterapia, radioterapia e cirurgia,”, afirmam os autores.
Referências:
1 - Alcohol and Cancer: A Statement of the American Society of Clinical Oncology - Noelle K. LoConte, Abenaa M. Brewster, Judith S. Kaur, Janette K. Merrill, and Anthony J. Alberg - DOI: 10.1200/JCO.2017.76.1155 Journal of Clinical Oncology - published online before print November 7, 2017
2 – Fuller TD. Moderate alcohol consumption and the risk of mortality. Demography. 2011;48:1105–1125. doi: 10.1007/s13524-011-0035-2