Com o objetivo de divulgar recomendações atualizadas para informar os profissionais de saúde sobre as melhores opções de tratamento disponíveis, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) revisou as recomendações para o manejo e cuidados de pacientes com câncer do colo do útero recorrente ou metastático. As diretrizes são estratificadas por recursos e foram publicadas 4 de março no JCO Global Oncology, em artigo de Chuang et al. Maria Del Pilar Estevez Diz (foto), oncologista Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, da Rede D’Or – Onco Star e do Hospital São Luiz do Itaim, analisa as recomendações.
Para atualizar as recomendações, o painel de especialistas revisou as diretrizes publicadas em 2016, assim como realizou nova pesquisa bibliográfica para identificar ensaios clínicos de fase III com terapia sistêmica nesta população de pacientes.
Nenhum estudo randomizado adicional foi identificado, mas os especialistas da diretriz de 2016 foram novamente convocados para revisar as evidências do estudo KEYNOTE-826 e atualizar as recomendações para pacientes com câncer do colo do útero recorrente ou metastático em contextos com máxima disponibilidade de recursos.
Neste ensaio randomizado, duplo-cego de fase III (KEYNOTE-826), que envolveu 617 pacientes, a primeira análise interina apresentou resultados de pembrolizumabe mais paclitaxel/quimioterapia de platina com ou sem bevacizumabe em comparação com placebo mais quimioterapia com ou sem bevacizumabe em pacientes com câncer do colo do útero metastático não expostos à quimioterapia prévia. O seguimento mediano foi de 22 meses e 89% de pacientes de cada braço de análise tinham expressão de PD-L1 ≥ 1.
A sobrevida livre de progressão (SLP) foi significativamente maior no grupo tratado com o anti PD-1, com 10,4 (IC 95%, 9,1 a 12,1) versus 8,2 (IC 95%, 6,4 a 8,4) meses em favor do grupo pembrolizumabe, com razão de risco (HR) de 0,65 (IC 95%, 0,53 a 0,79; P <0,001).
A sobrevida global (SG) foi igualmente maior no grupo pembrolizumabe, com 24,4 versus 16,3-16,5 meses (HR 0,67 [IC 95%, 0,54 a 0,84; P < 0,001]). Em pacientes com PD-L1 ≥ 1, SLP e SG foram ainda maiores (SLP [HR 0,62 (IC 95%, 0,50 a 0,77; P <0,001)]).
Em relação ao perfil de segurança, eventos adversos (EA) grau≥ 3 foram relatados por ≥ 20% dos pacientes do braço de intervenção. Os EAs Gr ≥ 3 mais comuns foram anemia (30,3% v 26,9%) e neutropenia (12,4% v 9,7%). Os EAs potencialmente imunomediados foram maiores com pembrolizumabe (11,4% [Gr ≥ 3] v 2,9% [Gr 3-4]).
Diante desses resultados, a diretriz atualizada (2022) considera pembrolizumabe e quimioterapia com ou sem bevacizumabe para pacientes com carcinoma cervical persistente, recorrente ou metastático (± radioterapia individualizada e/ou cuidados paliativos) em cenários com máxima disponibilidade de recursos (Tipo: baseada em evidências, os benefícios superam os danos; Qualidade da evidência: alta; Força da recomendação: forte).
Embora os resultados apoiem o uso em todos os pacientes com base na análise de intenção de tratar (ITT), os pesquisadores mostraram maior eficácia da adição de pembrolizumabe nos participantes PD-L1 ≥ 1%. Análises de subgrupo para SLP e SG sugerem que o benefício pode ser menor para pacientes com PD-L1 < 1% (HR 0,94).
O painel não encontrou problemas significativos com a qualidade de vida dos pacientes que receberam pembrolizumabe. No entanto, os especialistas admitem que a atualização de 2022 está longe de representar a realidade da maioria dos pacientes.
“O Painel reconhece que este regime não está disponível rotineiramente em ambientes com recursos limitados e, nesses casos, permanecem as orientações de 2016”, destaca a diretriz.
Pilar observa que o painel da ASCO, reconhecendo as disparidades entre regiões e países, recomendou em 2016 a incorporação de bevacizumabe ao tratamento clínico dessas pacientes para o cenário de recursos plenos. “Nesta atualização, a recomendação de incorporação do pembrolizumabe para essas pacientes se dá no mesmo cenário, ou seja, recursos plenos. Países com recursos limitados, dentre os quais o Brasil, enfrentam uma situação perversa, pois são os países com maior incidência da neoplasia e muitas pacientes em estádios avançados, por dificuldades enfrentadas nas estratégias de prevenção primária e secundária e acesso ao diagnóstico. Por outro lado, o tratamento tem um custo elevado, com grande impacto financeiro”, diz.
“Entretanto, os resultados são expressivos e a discussão de estratégias de incorporação do pembrolizumabe para as pacientes câncer do colo do útero persistente, recorrente ou metastático é necessária, particularmente na população com CPS PD-L1 > 1”, avalia.
“As estratégias de prevenção devem ser fortalecidas, a redução da incidência e da mortalidade será possível a médio prazo com a combinação da vacinação contra o HPV, o fortalecimento de programas de rastreamento eficientes e o tratamento adequado das pacientes diagnosticadas”, conclui Pilar.
Referência: Chuang LT, Temin S, Berek JS; Management and Care of Patients with Invasive Cervical Cancer Resource-Stratified Guideline Expert Panel. Management and Care of Patients With Invasive Cervical Cancer: ASCO Resource-Stratified Guideline Rapid Recommendation Update. JCO Glob Oncol. 2022 Mar;8:e2200027. doi: 10.1200/GO.22.00027. PMID: 35245079.