Onconews - ASCO enfatiza necessidade de equidade global em ensaios clínicos de câncer

A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) emitiu uma declaração1 enfatizando a necessidade urgente de equidade global nos ensaios clínicos. “Ao melhorar o acesso global aos ensaios clínicos e a aumentar a representação na pesquisa em câncer, não só melhoraremos os resultados em todo o mundo, mas também defenderemos os princípios de imparcialidade e justiça nos cuidados em saúde”, defendem os autores em artigo publicado no JCO Global Oncology. A oncologista Rachel Riechelmann (foto), diretora do Departamento de Oncologia do A.C. Camargo Cancer Center, comenta o trabalho.

A publicação detalha várias formas pelas quais a comunidade oncológica global pode trabalhar em conjunto para tornar os ensaios clínicos mais acessíveis a populações mais diversas de pacientes, numa gama mais ampla de cenários. Também destaca como as respostas globais anteriores podem servir de modelo para a forma como os países podem trabalhar em conjunto, citando como exemplo a condução da epidemia do HIV, que contou com a união da comunidade internacional para aumentar os recursos, o financiamento e as colaborações em investigação, resultando em avanços notáveis.

“A aplicação de princípios semelhantes e a atribuição de recursos à pesquisa em câncer poderia transformar o panorama dos ensaios clínicos e, por sua vez, melhorar a prestação de cuidados oncológicos, os resultados e o acesso em nível global”, observaram os autores.

A declaração descreve a razão pela qual as profundas disparidades nos resultados dos pacientes continuam a persistir apesar dos avanços significativos nos tratamentos do câncer, em parte devido à falta de acesso a ensaios clínicos apropriados. Estas disparidades são particularmente evidentes nas populações de risco nos países de baixa e média renda, que sofrem de uma falta desproporcional de representação de ensaios clínicos, apesar da carga mais elevada de mortes relacionadas com a doença em comparação com os países de renda alta.

"Aumentar a participação global em ensaios clínicos é crucial para nos ajudar a compreender melhor as nuances do tratamento do câncer em diferentes populações, para que possamos continuar em direção ao objetivo da medicina personalizada e de estratégias de tratamento ideais", observam os autores. “Melhorar a representatividade também pode contribuir para abordar o impacto dos determinantes sociais da saúde nos resultados da doença”, acrescentam.

Entre as recomendações listadas, a declaração faz um apelo às agências governamentais para que aproveitem as melhores práticas em todo o mundo para melhorar o financiamento e as políticas reguladoras. A declaração também destaca a necessidade dos financiadores e as instituições de saúde aumentarem o investimento e o apoio para os investigadores locais através de tempo destinado para a pesquisa, redução de obrigações clínicas e reconhecimento.

Em relação aos potenciais patrocinadores de ensaios, a ASCO recomenda o trabalho conjunto com pesquisadores locais para avaliar a viabilidade da colaboração, incluindo registro, regulamentos éticos e potenciais barreiras ao acesso a novas inovações. “Deve ser dada especial atenção à proteção dos direitos dos pacientes em ensaios de fase inicial, utilizando programas de orientação estruturados e deliberação transparente entre as partes interessadas”, diz o documento.

A publicação reconhece ainda que a infraestrutura necessária para a realização de ensaios pode não existir em países de baixa e média renda e, por isso, os estudos devem ser conduzidos de uma forma que seja específica ao contexto e relevante para os recursos dos países envolvidos.

“Este é um apelo à ação. O progresso rumo a um melhor tratamento e à melhoria da qualidade de vida de todos os pacientes com câncer depende da colaboração global. Sem representatividade plena na pesquisa clínica por parte de pacientes e médicos em diversas comunidades, o progresso será atrasado – e a carga do câncer continuará a recair desproporcionalmente sobre aqueles que são menos capazes de superar o desafio”, destaca a publicação.

A oncologista Rachel Riechelmann observa que a globalização da pesquisa não apenas é muito importante para melhorar a validade externa dos estudos, avaliar toxicidade, segurança e até eficácia desses tratamentos de forma global, em populações sub-representadas como as populações latino-americana e africana, como também a participação de pesquisadores de várias regiões do mundo melhora a qualidade da pesquisa ao trazer perguntas e questões locais que são relevantes.

“Atualmente, o que a gente pratica na oncologia, na medicina como um todo, vem de estudos que estão restritos a alguns países, e que muitas vezes não se aplicam. Não só a pergunta do estudo não se aplica a outras partes do mundo, como também os resultados podem mudar de acordo com a população”, afirma.

A oncologista acrescenta que em uma análise2 que contou com sua participação, apesar da participação de boa parte dos pacientes da América do Norte e da Europa ocidental, isso não foi proporcional ao número de investigadores que participam dos estudos. “Você tem muitos pacientes de regiões menos desenvolvidas, mas não necessariamente o investigador participou da publicação, do desenho e da elaboração da metodologia do estudo. A sub-representatividade de pesquisadores de muitas regiões do mundo é um fato. A globalização da pesquisa tem que acontecer, incluindo pacientes de várias regiões, mas também a participação e incentivos para que pesquisadores de muitos países fora do grande eixo, do mundo desenvolvido, possam participar”, conclui Riechelmann.

Referências:

1 - Sana A. Al Sukhun et al., Global Equity in Clinical Trials: An ASCO Policy Statement. JCO Glob Oncol 10, e2400015(2024). DOI: 10.1200/GO.24.00015

2 - Rubagumya F, Fundytus A, Keith-Brown S, Hopman WM, Gyawali B, Mukherji D, Hammad N, Pramesh CS, Aggarwal A, Eniu A, Sengar M, Riechelmann RSR, Sullivan R, Booth CM. Allocation of authorship and patient enrollment among global clinical trials in oncology. Cancer. 2023 Jun 29. doi: 10.1002/cncr.34919. Epub ahead of print. PMID: 37382190.