Linfoma folicular, linfoma de Hodgkin e mieloma múltiplo foram algumas das neoplasias hematológicas com estudos interessantes apresentados na ASCO 2017, que também contou com trabalhos com CAR T-cells entre os destaques. Jacques Tabacof (foto), coordenador geral de oncologia e hematologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e médico do Centro Paulista de Oncologia, do Grupo Oncoclínicas, analisa o panorama atual da oncohematologia.
O estudo de fase III BRIGHT (abstr 7500)1, apresentado na sessão oral de linfoma, trouxe resultados do follow up de 5 anos da comparação de eficácia e segurança da bendamustina mais rituximabe (BR) versus rituximabe mais ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona (R-CHOP) ou rituximab com ciclofosfamida, vincristina e prednisona (R -CVP) em doentes com linfoma indolente.
“A sobrevida livre de progressão aos 5 anos foi melhor para o grupo que fez a bendamustina, sendo que a sobrevida global foi exatamente igual. Separando pelo subtipo de linfomas indolentes, há uma tendência de impacto um pouco maior no subtipo histológico de linfoma do manto para bendamustina. Mas, do ponto de vista de sobrevida global não há diferenças entre os protocolos de tratamento”, afirma Jacques Tabacof.
O especialista observa que foram identificados alguns efeitos adversos mais importantes em pacientes que fizeram uso da bendamustina, principalmente cardiovasculares e segunda neoplasia. “É preciso atenção ao começar a utilizar a bendamustina, que deve ser aprovada em breve no Brasil, pois ela oferece um pouco mais de toxicidade”, diz.
Apresentado na plenária da ASCO em 2012, o estudo de fase III STIL teve um grande impacto, determinando a bendamustina + rituximabe (B-R) como o protocolo mais utilizado em linfoma folicular em todo mundo. Nesta última edição do congresso de Chicago foi apresentada uma atualização do estudo (abstr 7501)2 avaliando o tempo para o próximo tratamento. Os resultados mostraram taxas estimadas de sobrevida em 10 anos de 71% para B-R e 66% para CHOP-R. O tempo para o próximo tratamento (TTNT) foi significativamente prolongado com B-R em comparação com CHOP-R (HR 0,52, 95% IC 0,38 - 0,69, p <0,001). O TTNT médio ainda não foi atingido no grupo B-R (95% IC 124,9 - n.y.r) vs. 56 meses no grupo CHOP-R (95% CI 39,1 - 82,0). “Esse foi um endpoint clinicamente importante. O estudo mostrou 70% dos pacientes vivos em dez anos, e não houve o achado de toxicidade de segunda neoplasia como no estudo BRIGHT”, observa Tabacof.
Outro estudo em linfoma folicular, o trabalho italiano FOLL053 foi publicado em 2013 no Journal of Clinical Oncology (JCO). O estudo comparou R-CVP vs R-CHOP vs R-FM (fludarabina e mitoxantrona) e mostrou que o R-CVP é inferior ao R-CHOP. “No entanto, uma atualização de follow up de 8 anos apresentada em junho no International Conference on Malignant Lymphoma (ICML), em Lugano, Suíça, e demonstrou que a sobrevida global em 8 anos é exatamente igual”.
GALLIUM
Apresentado em Sessão Plenária na ASH 2016, o estudo GALLIUM4 foi uma comparação head to head entre obinutuzumabe, um anti CD-20 de segunda geração, asscioado à quimioterapia vs rituximabe e quimioterapia. A quimioterapia poderia ser CHOP, CVP e bendamustina, seguida de manutenção com o mesmo anticorpo. Os resultados mostram uma sobrevida livre de progressão bem favorável ao novo anticorpo, com um hazard ratio de 0,66. “No Congresso de Lugano foi apresentada uma atualização5 desse estudo. O hazard ratio favoreceu o anticorpo novo, mas foram observados eventos adversos de grau 5 (óbito) no braço da bendamustina. Em uma doença com uma sobrevida tão longa, temos que ser cautelosos com a incorporação desses novos medicamentos, tanto a bendamustina quanto o obinutuzumabe”, afirma.
Recentemente um estudo de Stanford6 demonstrou que a sobrevida do linfoma folicular atualmente é superior a 18 anos. Em Lugano um trabalho de duas cortes, uma americana e uma francesa, mostrou sobrevida aos 10 anos de 80%.
Prognóstico desfavorável
Um aspecto importante é a identificação de um grupo de pacientes com linfoma folicular com um prognóstico muito desfavorável, geralmente com progressão de doença nos primeiros dois anos. “Apesar da sobrevida mediana ser muito longa, cerca de 18 anos, existe um subgrupo de pacientes que progride rapidamente e tem prognóstico desfavorável. Esse é um subgrupo especial no qual temos que focar no tratamento do linfoma folicular”, explica Tabacof.
Publicado no JCO, o LymphoCare Study POD247, identificou que pacientes com progressão em dois anos têm uma sobrevida de apenas 50%. Em apresentação na ASCO, um trabalho do CIBMTR (Abstract 7508)8, um registro internacional de transplante de medula óssea, selecionou pacientes com linfoma folicular transplantados que receberam quimioterapia de indução com rituximabe e tiveram recidiva em menos de dois anos. O trabalho mostrou que a sobrevida em 5 anos, no transplante autólogo e no transplante relacionado, foi por volta de 70%. No transplante não relacionado a sobrevida foi 50%, devido a toxicidade inerente ao procedimento.
“Em resumo, no linfoma folicular, a sobrevida mediana é maior que 18 anos, e diferentes combinações de tratamento oferecem pequeno ganho de sobrevida livre de progressão e tempo para o próximo tratamento, sem ganho de sobrevida global. Fica a pergunta: qual o valor clinico desse endpoint?”, questiona o especialista, que reforça a necessidade de uma atenção especial à toxicidade de bendamustina e obinutuzumabe. “Na verdade, toda essa discussão pode ficar inútil. O estudo RELEVANCE, que já foi fechado nos Estados Unidos, investiga a combinação de rituximabe + lenalidomida (R2) em comparação com rituximabe + quimioterapia. É possível que uma combinação sem quimioterapia se torne o padrão de tratamento no linfoma folicular”, afirma.
Linfoma de Hodgkin
No linfoma de Hodgkin, está se consagrando o tratamento adaptado à resposta metabólica – PET interino. O estudo RAPID9 reuniu pacientes com Linfoma de Hodgkin e mostrou que com três ciclos de ABVD com PET negativo é permitido a omissão da radioterapia; em casos de PET interino positivo, a recomendação é mais um ciclo de quimioterapia e radioterapia. “Omitindo a radioterapia a gente perde um pouco o controle total da doença, mas sem nenhum impacto em sobrevida global”, afirma Tabacof. Um estudo da EORTC (H10 Trial)10 publicado no JCO em junho também utiliza o PET interino para a programação do tratamento, e demonstra que em pacientes com perfil desfavorável, 6 ciclos de ABVD tem um melhor impacto. “O trabalho suscita a questão se 6 ciclos de ABVD e omissão da radioterapia em pacientes com fatores de risco é possível. No PET interino positivo, a ideia é escalonar, depois do ABVD, colocar BEACOPP, que é um tratamento mais tóxico, e verificar se isso pode trazer algum benefício”, diz.
Outro estudo em linfoma de Hodgkin avançado, o RATHL11 avaliou ABVD e omissão da bleomicina após o segundo ciclo em pacientes com PET negativo. “O trabalho mostrou que a omissão da bleomicina, com o objetivo de diminuir a toxicidade do tratamento, não teve impacto desfavorável no controle da doença”.
CAR T-cell
Uma das inovações mais interessantes na oncohematologia, o tratamento com CAR T-cells é realizado de maneira individualizada para cada paciente. As próprias células T do paciente são coletadas, reprogramadas geneticamente e injetadas de volta no organismo. A reprogramação envolve a inserção de um gene projetado artificialmente no genoma da célula T, o que ajuda as células reprogramadas geneticamente a encontrar e destruir células cancerosas. No estudo pivotal ZUMA-112, com axicabtagene ciloleucel (axi-cel; KTE-C19), células T autólogas modificadas (transfectadas) para expressar receptor quimérico do CD19, um paciente de 62 anos com linfoma difuso de grandes células tratado com R-CHOP, R-GDP, R-ICE E R-Lenalidomida, sem resposta a três tratamento anteriores, teve uma duração mediana de resposta sustentada por 90 dias. A taxa de resposta em linfomas bem agressivos é por volta de 80%, com resposta completa de 50%. “É realmente uma revolução que envolve terapia gênica, terapia celular e imunoterapia, tudo junto. E o antígeno pode variar, também pode criar linfócitos T ativos para tratar tumores sólidos. Em linfomas de grandes células nós temos visto bons resultados, e é provável que um desses produtos seja aprovado pelo FDA esse ano”, afirma Tabacof.
Na ASCO deste ano, os resultados de um ensaio clínico inicial (LBA3001)13 mostraram que 33 de 35 pacientes (94%) pacientes de mieloma múltiplo apresentaram remissão clínica da doença após receberem imunoterapia com células CAR T direcionadas à proteína de maturação de células B ou BCMA (LCAR-B38M CAR-T). A maioria dos pacientes teve apenas efeitos colaterais leves.
Entre os efeitos adversos típicos da terapia com CAR T-cells está a síndrome de liberação de citocinas, além de eventos neurológicos.
Mieloma múltiplo
O anti CD-38 daratumumabe, aprovado no Brasil em janeiro deste ano como tratamento de segunda linha do mieloma múltiplo em combinação com bortezomibe e dexametasona, e em quarta linha como monoterapia, tem um efeito imunomodulador que libera os linfócitos T CD8 positivos para o paciente. No estudo CASTOR14, publicado no New England Journal of Medicine (NEJM), pacientes com mieloma múltiplo recidivado ou refratário receberam bortezomibe e dexametasona (braço standard), ou daratumumabe, bortezomibe e dexametasona (DVD). “O resultado foi absurdamente favorável à incorporação do anticorpo, com um hazard ratio de 0,39 e taxa de resposta superior”.
Na ASCO 2017 foram apresentadas novas análises, com seguimento mais prolongado, dos estudos CASTOR (abstr 8036)15, que avalia daratumumabe, bortezomibe e dexametasona (DVd) vs bortezomibe e dexamethasona em pacientes com mieloma múltiplo refratário ou recidivado; e POLLUX (abstr 8025)16, que comparou daratumumab, lenalidomida e dexametasona versus lenalidomida e dexametasona em pacientes com mieloma recidivado. Os dados apresentados corroboram os bons resultados anteriores, com mais pacientes atingiram resposta completa, além de aumento na sobrevida global. Além disso, os efeitos adversos foram manejáveis, com um pouco mais de neutropenia e plaquetopenia.
Além disso, um pôster (abstr 8033)17 apresentado em Chicago mostrou que essas combinações são bem aceitas mesmo em pacientes acima de 75 anos. “O daratumumabe tem demonstrado excelentes resultados no tratamento do mieloma múltiplo, com com ótimo perfil de segurança mesmo em pacientes idosos. É um tratamento que realmente revoluciona o tratamento do mieloma múltiplo em segunda linha e provavelmente virá para a primeira linha com estudos sequenciais”, conclui.
Referências: