Os recentes avanços no tratamento do melanoma metastático levaram a resultados sem precedentes, com maiores taxas de sobrevida e maior resposta objetiva. Agora, o arsenal terapêutico ganhou o reforço de drogas-alvo que inibem a via BRAF/MEK (vemurafenib,dabrafenib e trametinib), assim como evoluíram as opções de imunoterapia, da interleucina-2 (IL-2) aos modernos inibidores de checkpoint (ipilimumab, nivolumab e pembrolizumab).
Ampliar o leque de opções trouxe vantagens evidentes, mas também desafios. Definir o planejamento terapêutico no melanoma metastático ficou ainda mais complexo. Os especialistas recomendam que para eleger o melhor esquema é preciso definir a extensão da doença, avaliar o envolvimento do sistema nervoso central e de metástases viscerais, assim como considerar fatores relacionados a cada agente terapêutico, como a taxa de resposta clínica e o impacto na sobrevida a médio e longo prazo. Mas, mesmo diante do entusiasmo com tanta novidade, médicos e pacientes brasileiros ainda enfrentam restrições. “A grande maioria destes ativos ainda não tem registro e aprovação para uso rotineiro no Brasil e existe grande dúvida de como e quando isso acontecerá”, diz Alberto J. A. Wainstein, diretor científico do Grupo Brasileiro de Melanoma (GBM).
Para o especialista, o cenário se deve principalmente a questões relacionadas ao custo e não à eficiência ou aos resultados clínicos. “Entendemos que todas as implicações são importantes para o registro e disponibilização de medicamentos em qualquer país, mas nos preocupa como as autoridades regulatórias brasileiras misturam dados científicos de resultados clínicos com dados de custo-efetividade para desqualificar ou mesmo negar registros de novos medicamentos. Resultados científicos e clínicos são universais e devem ser reconhecidos sempre”, defende Wainstein. “Outra questão é se opaís tem ou não capacidade financeira de disponibilizar este acesso”, argumenta.
Alvos terapêuticos
A descoberta de que as mutações BRAF estão presentes em mais da metade de todos os casos de melanoma (Davies et al,2002) levou ao desenvolvimento de drogas-alvo que ajudaram a reformular o panorama da doença.
A mutação BRAF é mais comumente vista no codão V600 (V600E e V600K) e diferentes agentes desenvolvidos para alvejar esse alvo foram aprovados pelas principais agências reguladoras internacionais.
Atualmente, o regime de combinação de dabrafenib (Tafinlar®) mais o inibidor de MEK trametinib (Mekinist®) tornou-se estratégia de tratamento padrão no melanoma metastático ou irressecável (Robert et al, 2015). Os dois agentes da GSK foram aprovados pelo FDA em maio de 2013. O duplo bloqueio (inibidor de BRAF + inibidor de MEK) se apresenta como estratégia terapêutica superior com base em recentes ensaios de fase III que subsidiaram o FDA na indicação de dabrafenib e trametinib como esquema de combinação aprovado em pacientes de melanoma com mutação BRAF.
“Infelizmente, apesar da grande demanda de pacientes e necessidades médicas, ainda não temos registrados e disponíveis no Brasil nenhum inibidor do MEK. Isso torna muito limitado o acesso de pacientes a estas medicações e o uso de combinações. Apesar de importantes, este acesso está restrito a pacientes que podem pagar e importar estes medicamentos o que é uma grande minoria na população brasileira”, diz Wainstein.
Imunoterapia
Além das drogas-alvo, avanços importantes foram feitos em estratégias de imunoterapia. Até 2011, a interleucina 2 (IL-2) era o tratamento de escolha para pacientes com melanoma metastático, a despeito das modestas taxas de resposta objetiva, que ocorrem em menos de 20% dos pacientes tratados, e do perfil de toxicidade, que exige a administração de IL-2 em ambiente hospitalar.
Na última década, grande evolução acompanhou o tratamento do melanoma, em particular com a chegada da imunoterapia anti CTLA-4 e anti PD-1, representada por inibidores seletivos, os inibidores de checkpoint ipilimumamb (Yervoy®, da Bristol-Myers Squibb), pembrolizumab (Keytruda®, da Merck), e nivolumab (Opdivo®, da Bristol-Myers Squibb), que demonstraram benefício clínico independentemente do status de BRAF, com toxicidade consideravelmente menor que a IL-2.
O desafio agora é determinar qual abordagem é mais adequada para cada paciente com mutação BRAF.
Inibidores de BRAF
Estudos com vemurafenib (Zelboraf®, da Roche) foram os primeiros a demonstrar respostas objetivas.
Chapman et al, 2011, e Hauschild et al, 2012, coordenaram os dois ensaios de fase III que compararam vemurafenib (960 mg por via oral duas vezes por dia) e dabrafenib (150 mg por via oral duas vezes por dia) com dacarbazina. Os resultados confirmaram os benefícios da combinação. A sobrevida global foi de 84% no grupo vemurafenib e de 64% no braço tratado com dacarbazina. Na análise de Chapman e colegas, o uso de vemurafenib foi associado com uma redução relativa de 63% no risco de morte e de 74% no risco de progressão da doença, em comparação com a dacarbazina (P <0,001). As taxas de resposta foram de 48% para vemurafenib e de 5% para dacarbazina.
“Atualmente, os protocolos que avaliam e avaliaram as combinações de inibidores do BRAF em associação com inibidores da MEK mostram melhores respostas terapêuticas, bem como um perfil de toxicidade muito menor, tornando a combinação o tratamento padrão frente a drogas alvo moleculares isoladas”, explica Wainstein.
Hauschild e colaboradores avaliaram 733 pacientes com melanoma avançado. Desse universo, 250 foram aleatoriamente designados para receber ou dabrafenib (187 pacientes) ou dacarbazina (63 pacientes). O estudo demonstrou ganho de sobrevida livre de progressão com dabrafenib (5,1 mês) na comparação com dacarbazina (2,7 meses).
Outro a avaliar o uso de vemurafenib foi o ensaio BRIM-3 (McArthur et al, 2014), que novamente confirmou a superioridade do novo agente: 57% dos pacientes tratados com vemurafenib tiveram resposta objetiva, contra apenas 9% dos pacientes que receberam dacarbazina. A mediana de sobrevida global (SG) também foi superior com vemurafenib em comparação com dacarbazina (13,6 meses versus 9,6 meses), assim como a sobrevida livre de progressão (6,9 meses vs 1,6 mes). A taxa de risco (HR) foi de 0,70 (P = 0,0008) para vemurafenib em comparação com dacarbazina. Na análise de subgrupo, as taxas de resposta e a mediana de SG foram maiores para os pacientes com doença M1a e M1b, indicando que pacientes com acometimento metastático cutâneo ou linfonodal exclusivo têm maior benefício, enquanto a taxa de resposta e o aumento de sobrevida no braço tratado com dacarbazina foram mais evidentes em pacientes com fatores de mau prognóstico, como elevados níveis de lactato desidrogenase (LDH) e / ou metástase visceral (M1c).
“A bioquimioterapia é um esquema terapêutico que mostrou resultados concretos e sustentados em pacientes com melanoma metastático. Atualmente perdeu importância frente às novas imunoterapias e drogas alvo-moleculares. Entretanto, ainda existem casos em que poderia ser indicada”, observa o GBM.
Dados atualizados do estudo de fase 3 BREAK-3 mostraram resultados semelhantes para dabrafenib, com taxa de resposta objetiva de 50%, mediana de SLP de 6,9 meses, e mediana de SG de 18,2 meses.
Ambos, vemurafenib e dabrafenib, demonstraram atividade em metástases cerebrais, que ocorrem em mais de um terço dos pacientes com melanoma avançado. O estudo de fase II com dabrafenib (BREAK-MB) apresentou taxa de resposta de 39,2% em metástases intracranianas em pacientes sem tratamento prévio e em 30,8% dos pacientes previamente tratados com cirurgia ou radioterapia. A mediana de duração de resposta foi de 4,7 meses e 6,6 meses, respectivamente, com mediana de sobrevida global de 7,7 meses e 7,3 meses.
Inibidores de MEK
MEK 1 e 2 são proteínas quinases em atividade no interior da via MAPK que são ativadas pela mutação BRAF. Intervir nessas vias é uma instigante estratégia terapêutica e foi esse o objetivo do ensaio METRIC, que avaliou o uso de trametinib em pacientes com melanoma BRAF V600E. Trametinib é um inibidor seletivo de MEK1/2, que no estudo METRIC foi comparado com dacarbazina ou paclitaxel. O estudo demonstrou resposta objetiva em 22% dos pacientes versus 8% dos pacientes submetidos à quimioterapia. A mediana de sobrevida livre de progressão também favoreceu o braço tratado com trametinib (4,8 meses; P <0,0001), assim como a sobrevida global (P = 0,01).
A segurança e eficácia do trametinib também foram avaliadas no estudo de Faherty e colegas, desta vez em comparação com dabrafenib. “No entanto, na prática clínica, o uso de trametinibe como agente único é limitado devido aos resultados superiores observados com inibidores de BRAF nesta população de doentes”, lembra Wainstein.
Embora vemurafenib e dabrafenib sejam bem tolerados em administração contínua, toxicidades podem levar à redução da dose ou a descontinuação do uso em 28% a 38% dos pacientes. Artralgias são mais frequentemente observadas com vemurafenib e febre mais presente com o uso de dabrafenib, além de eventos como fadiga, náuseas, vômitos e dor de cabeça associados indistintamente aos dois agentes. A reação mais temida vem na forma de neoplasias secundárias, como queratoacantomas, carcinoma de células escamosas, novos melanomas primários, e em casos raros, outros tumores malignos.
Resistência
Parcela significativa dos pacientes com melanoma BRAF mutado tratados com inibidores de BRAF apresenta resistência intrínseca ou adquirida, em média de 6 a 8 meses de tratamento. No momento da progressão, a reativação da via MAPK é um achado comum. Estudo retrospectivo de Rizos e colegas mostrou que 79% dos pacientes com resistência apresentaram reativação da via MAPK, indicando benefícios com a combinação de inibidores de BRAF e MEK.
O benefício clínico desta associação foi recentemente confirmado em dois estudos de fase III comparando dabrafenib mais trametinib com qualquer agente único mais placebo, ou vemurafenib mais placebo.
Estes estudos mostraram taxas de resposta objetiva de 67% e 64%, respectivamente, assim como ganhos superiores de sobrevida global e sobrevida livre de progressão no braço tratado com a combinação.
“O mais promissor de todas estas novas opções e plataformas terapêuticas para o melanoma é que em todos os estudos sempre existe um subgrupo de pacientes que se beneficia com respostas melhores, mais longas e sustentadas. Isso confirma diversos resultados que mostram que o melanoma pode ser dividido em subgrupos de “melanomas”. O próximo passo é tentar exaustivamente caracterizar e estratificar estes subgrupos. Assim, pode-se definir a melhor opção terapêutica para cada um, de acordo com o perfil biológico, perfil molecular, expressão antigênica, metaloproteinases, interação com microambiente tumoral, eficiência em desenvolver vias moleculares alternativas e muitos outros critérios de seleção.
Por fim e mais importante, sempre deve ser lembrado que a maneira mais efetiva e barata de tratar o melanoma é o diagnóstico precoce. “Se não queremos empregar grandes estruturas e recursos nos tratamentos com doença metastática, precisamos investir na prevenção primária e principalmente secundária”, adverte Wainstein.
MOC Algoritmos - Melanoma
O surgimento de novas opções em terapia-alvo e imunoterapia ampliou o leque de opções, mas tornou mais complexo definir o planejamento de tratamento para melanoma avançado.
Para contribuir com a decisão da melhor escolha, os oncologistas Rafael Schmerling, Rodrigo Guedes, Erika Brandão e Antonio Carlos Buzaid, do Manual de Oncologia Clínica do Brasil (MOC Brasil) elaboraram o MOC Algoritmos – Melanoma, que ilustra as possibilidades de tratamento em diferentes cenários. Confira aqui.