Cepas não-toxigênicas de Bacteroides fragilis enriquecidas por genes associados à biossíntese de lipopolissacarídeos podem induzir inflamação da mucosa do cólon e desempenhar papel importante no desenvolvimento do câncer de colon. É o que corroboram dados de estudo publicado por Kordahi et al na Cell Host & Microbe, caracterizando o papel de cepas não-toxigênicas em pólipos adenomatosos tubulares (TAP) pré-malignos e em pólipos serrilhados sesseis (SSP). “O conjunto de novos conhecimentos contribui para confirmar a interrelação entre dieta, microbiota intestinal e maior risco de carcinogênese colônica”, observa Dan Waitzberg (foto), professor associado do departamento de gastroenterologia da FMUSP e diretor científico da Bioma4me.
Nesta análise, Kordahi e colegas examinaram a histologia, a microbiota da mucosa e as assinaturas moleculares de amostras de biópsia de 40 pacientes (faixa etária, 40-75) submetidos a colonoscopias de rotina. “Aqui, encontramos assinaturas microbianas distintas entre pacientes com e sem pólipos e entre subtipos de pólipos usando técnicas de sequenciamento e cultura. Encontramos uma correlação entre Bacteroides fragilis e o nível de citocinas inflamatórias na mucosa adjacente ao pólipo. Análises adicionais revelaram que B. fragilis de pacientes com pólipos são bft-negativos, ativam NF-κB por meio do receptor Toll-like 4, induzem uma resposta pró-inflamatória e são enriquecidos em genes associados à biossíntese de lipopolissacarídeos. Este estudo fornece uma visão fundamental sobre o microambiente microbiano do pólipo pré-neoplásico, destacando diferenças genômicas e proteômicas específicas, bem como diferenças na composição do microbioma”, reportam os autores.
Estudos de citocinas revelaram concentrações mais altas de uma citocina pró-inflamatória (IL-12p40) nos tecidos TAP e SSP e concentrações mais altas de uma citocina antiinflamatória (IL-10) em tecidos livres de pólipos. O tecido de pacientes com TAP e SSP foi enriquecido para B. fragilis em comparação com o tecido de pacientes sem polipose. Experimentos in vitro mostraram que NTBF isolados de pólipos induziram significativamente mais citocinas pró-inflamatórias do que NTBF de tecido sem polipose. Finalmente, o NTBF de pacientes com pólipos ativou o receptor TLR4 e expressou a glicosiltransferase, uma enzima envolvida na biossíntese de lipopolissacarídeos. Os autores descrevem que o gene da glicosiltransferase estava presente no NTBF de 88% dos pacientes com TAP, 100% dos pacientes com SSP e 11% dos pacientes sem polipose.
Análise de George Sakoulas na NEJM Journal Watch coloca em contexto os achados de Hordahi e colegas. “Esta série de experimentos em amostras de tecido do cólon apoia uma forte ligação entre NTBF e ativação de TLR4 via lipopolissacarídeo em pacientes com TAP pré-maligno e SSP. Junto com a genética do hospedeiro e exposições ambientais a teratógenos através da dieta e outros meios, as propriedades de B. fragilis no microbioma podem desempenhar papel importante no desenvolvimento do câncer de cólon”, avalia, acrescentando que mais estudos são necessários para examinar o que determina o estabelecimento de cepas pró-inflamatórias de B. fragilis no microbioma intestinal.
Segundo Waitzberg, a relação entre bactérias da microbiota intestinal e desenvolvimento de câncer de cólon tem sido confirmada por vários estudos nos últimos anos. “Como exemplo, Fusobacterium nucleatum tem sido encontrado em maior quantidade junto aos tumores malignos. No presente estudo, Kordahi e colaboradores valendo-se de técnicas muito elegantes, mostram que Bacteroides fragilis – bactéria gram negativa, anaeróbia, comensal no intestino e cólon humano – quando geneticamente capaz de produzir lipopolissacarídeos, induz ambiente pró-inflamatório que pode contribuir para a formação de pólipos colônicos”, esclarece.
O especialista acrescenta que, em outra vertente, recentemente pesquisadores de Harvard observaram em estudo epidemiológico que a ingestão de dieta rica em alimentos contendo enxofre, que favorece o aparecimento de bactérias sulfurosas na microbiota intestinal se associou a maior risco, ao longo do tempo, de desenvolvimento de câncer do cólon. “O conjunto desses novos conhecimentos contribui para confirmar a interrelação entre dieta, microbiota intestinal e maior risco de carcinogênese colônica”, conclui.
Referências: Kordahi MC et al. Genomic and functional characterization of a mucosal symbiont involved in early-stage colorectal cancer. Cell Host Microbe 2021 Oct 13; 29:1589. (https://doi.org/10.1016/j.chom.2021.08.013)
George Sakoulas. Pro-Inflammatory Commensal Bacteria Linked to Colorectal Cancer. NEJM Journal Watch Oct 13, 2021