Adicionar radioterapia estereotática (SBRT) à terapia sistêmica com sorafenibe para pacientes com câncer de fígado avançado pode estender a sobrevida global e retardar a progressão do tumor sem comprometer a qualidade de vida dos pacientes. Os resultados do estudo de Fase 3 NRG Oncology/RTOG 1112 (NCT01730937) foram apresentados no encontro anual da American Society for Radiation Oncology (ASTRO) e indicam que a radioterapia deve ser uma opção de tratamento padrão para pacientes com câncer de fígado que não elegíveis para ressecção e outras terapias locorregionais padrão. Bernardo Salvajoli (foto), médico especialista em radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco), comenta os resultados.
O câncer de fígado é a terceira principal causa de morte por câncer em todo o mundo. As taxas de incidência de carcinoma hepatocelular (CHC), o tipo mais comum de câncer de fígado, nos Estados Unidos mais que triplicaram desde 1980, e as taxas de mortalidade também aumentaram apesar da crescente disponibilidade de rastreamento e avanços no tratamento de doenças que aumentam o risco de câncer de fígado.
A terapia sistêmica é o tratamento padrão para pacientes com CHC que não são elegíveis para ressecção cirúrgica ou outras terapias invasivas, mas um número crescente de estudos sugere um benefício da radioterapia para esses pacientes. O estudo apresentado no ASTRO 2022 é o primeiro estudo norte-americano randomizado a focar especificamente no papel da radioterapia ablativa para o tratamento desses pacientes.
Os pacientes elegíveis tinham carcinoma hepatocelular recém-diagnosticado ou recorrente, inelegível para ressecção, transplante, ablação ou TACE, com performance status Zubrod (PS) 0-2, Child-Pugh A, Barcelona Clinic Liver Cancer Stage (BCLC) intermediário (B) ou avançado (C), ≤ 5 CHCs, soma de HCCs hepáticos ≤ 20 cm e soma de metástases extra-hepáticas ≤ 3 cm.
Os pacientes foram randomizados 1:1 para sorafenibe 400 mg duas vezes ao dia (BID) vs. SBRT (27,5-50Gy em 5 frações, com dose individualizada com base na dose média no fígado e outras restrições de dose) seguido por sorafenibe 200 mg BID e depois aumentado para 400 mg BID após 28 dias, se apropriado. O endpoint primário foi a sobrevida global; sobrevida livre de progressão (SLP), tempo para progressão (TTP) e eventos adversos (AEs - CTCAev4) foram desfechos secundários.
O tamanho da amostra planejada foi de 292 pacientes (238 eventos SG, HR = 0,72, poder de 80%, alfa unilateral = 0,05). O recrutamento foi encerrado precocemente, principalmente devido a uma mudança no padrão de tratamento sistêmico do CHC. Antes de 2016, sorafenibe era o único tratamento de primeira linha aprovado pela FDA para a doença, mas desde então, terapias-alvo e inibidores de checkpoint imune foram incorporados ao padrão de atendimento.
As estatísticas foram alteradas para relatar dados em 1° de julho de 2022, projetando 155 eventos de SG fornecendo 65% de poder para a hipótese original, com o mesmo alfa.
A sobrevida global e sobrevida livre de progressão foram estimadas por Kaplan-Meier e os braços comparados usando o teste log-rank. Modelos de riscos proporcionais de Cox foram usados para analisar o efeito do tratamento. O TTP foi estimado com incidência cumulativa e os braços comparados usando o teste de Gray. Os endpoints secundários foram testados com 2-sided alpha=0.05.
Resultados
Dos 193 pacientes recrutados entre abril de 2013 e março de 2021 em 23 institutições de tratamento, 177 pacientes elegíveis foram randomizados para sorafenibe isolado (n=92) vs. SBRT e sorafenibe (n=85). A mediana de idade foi de 66 anos (27-84); 41% tinham hepatite C e 19% tinham hepatite B ou B/C. A maioria apresentava doença estádio BCLC C (82%), com invasão macrovascular (74%), e 4% tinham metástases. A mediana de acompanhamento para todos os pacientes vivos foi de 13,2 e 33,7 meses, respectivamente. Com 153 eventos de sobrevida global, a mediana de SG melhorou de 12,3 meses (90% CI 10,6, 14,3) com sorafenibe isolado para 15,8 meses (90% CI 11,4-19,2) com SBRT + sorafenibe (HR=0,77, 1-sided p=0.0554).
A sobrevida global foi maior para os pacientes que receberam uma combinação de SBRT e sorafenibe, em comparação com aqueles em sorafenibe sozinho (15,8 vs. 12,3 meses; p unilateral = 0,055). A diferença foi estatisticamente significativa após o controle de fatores prognósticos clínicos, como performance status e grau de invasão vascular (HR = 0,72, 95% CI 0,52-0,99, Cox bilateral p = 0,042).
A sobrevida livre de progressão melhorou com a adição de SBRT, de 5,5 meses (95% CI 3,4-6,3) com sorafenibe isolado para 9,2 meses (95% CI 7,5-11,9) com a terapia combinada (HR = 0,55, 95% CI 0,40-0,75, 2-sided p=0.0001). Os pacientes no braço de combinação também tiveram aumento no tempo para progressão (18,5 vs. 9,5 meses; HR=0,69, 95% CI 0,48-0,998, Gray's p=0,034).
Eventos adversos relacionados ao tratamento de grau 3 ou superior não foram significativamente diferentes entre os braços. 42% dos pacientes no braço sorafenibe e 47% dos pacientes no braço SBRT/sorafenibe experimentaram efeitos colaterais graves (grau 3 ou superior, p = 0,52), e houve uma morte relacionada ao tratamento, no braço de sorafenibe isolado.
Em síntese, a adição de SBRT melhorou a sobrevida global, sobrevida livre de progressão e tempo de progressão em pacientes com carcinoma hepatocelular avançado em comparação com sorafenibe isolado, sem aumento significativo nos eventos adversos.
Segundo Salvajoli, o RTOG, hoje NRG 1112, é um estudo que vinha sendo aguardado para confirmar o benefício da adição da radioterapia ablativa estereotáxica (SABR /SBRT) nos pacientes com hepatocarcinoma avançado CHILD A. “Infelizmente, o estudo demorou para conseguir incluir os pacientes e nesse intervalo aconteceram avanços na terapia sistêmica dessa população com HCC, principalmente com introdução de imunoterapia com ganho de sobrevida. Ainda assim, imunoterapia não é uma realidade para a maioria dos pacientes com esse tipo de tumor, incluindo o Brasil, e a radioterapia pode ser uma ferramenta muito útil nessa situação”, observa.
O radio-oncologista destaca que o estudo inclui uma população de doença muito avançada, com tamanho mediano do tumor de 8,6 cm, e alguns casos com tumores chegando a 17cm, além de mais de 70% da população com invasão macrovascular, sendo mais de 60% em vasos importantes. “Mesmo nesse cenário, os resultados mostram que a associação de SBRT conseguiu praticamente dobrar o controle local e o tempo de progressão, com 22% de crossover no grupo controle, com ganho de sobrevida significativo com HR de 0,77, e ainda mais importante, no subgrupo de pacientes com invasão vascular. As toxicidades significativas não foram alteradas com o tratamento adicional”, afirma.
“Após esse estudo, podemos afirmar que SABR/SBRT + Sorafenibe é o novo padrão nessa população com doença avançada não operável que não receberá imunoterapia. “Estão em andamento inúmeros ensaios clínicos randomizados do uso da radioterapia ablativa em doenças mais iniciais, para ponte de transplantes, e principalmente em combinação com imunoterapia, onde existe um potencial sinérgico entre as duas modalidades”, conclui.
Referência: LBA 01 - NRG/RTOG 1112: Randomized Phase III Study of Sorafenib vs. Stereotactic Body Radiation Therapy (SBRT) Followed by Sorafenib in Hepatocellular Carcinoma (HCC) (NCT01730937)