Limiares para definir um biomarcador positivo em um ensaio clínico não são padronizados, assim como não há padronização sobre o que constitui um biomarcador positivo. A crítica foi tema de artigo de Salgado et al. no Lancet Oncology (How current assay approval policies are leading to unintended imprecision medicine) e coloca em perspectiva a reprodutibilidade e sensibilidade de testes diagnósticos e sua complexa relação com riscos, custos e benefícios impostos a sistemas de saúde públicos e privados. A geneticista molecular Gabriela Felix (foto) sintetiza a seguir alguns dos entraves que ainda dificultam a validação e padronização de testes diagnósticos com qualidade.
Por Gabriela Felix, geneticista molecular, coordenadora do Departamento de Biologia Molecular no Laboratório Studart & Studart e pesquisadora assistente do LabImuno da Universidade Federal da Bahia
Recentemente, comentário editorial publicado na Lancet Oncology mostra a ponta do iceberg do diagnóstico de precisão na era da medicina de precisão: os diagnósticos imprecisos.
No artigo, os autores pontuam a necessidade do compartilhamento dos dados dos ensaios clínicos no desenvolvimento de exames de diagnósticos precisos. Com o modelo de sharing data, a possibilidade de processos de validação e padronização de testes diagnósticos com qualidade adequada e de menor custo contribuiria com a difusão de medicina de precisão para todos, já que os testes diagnósticos desenvolvidos junto com a droga-alvo tendem a ser mais caros.
Os autores também chamam atenção para a diferença considerável (para não dizer gritante) da sensibilidade dos assays utilizados e o impacto no diagnóstico e detecção precisa do paciente que poderia se beneficiar com a terapia apropriada. Eles citam o exemplo da diferença de sensibilidade dos testes Ventana PD-L1 (SP142) assay (Ventana Medical Systems, Tucson, AZ, USA) e PD-L1 IHC 22C3 pharmDx assay (Agilent Technologies, Carpinteria, CA, USA) no IMpassion130 trial em neoplasia maligna da mama, 46% vs 80% respectivamente. Salgado et al 2020 estimam que esse padrão de disparidade deve ser ainda maior quando se consideram padrões de coloração, tipo histológico, cut-offs etc. No entanto, ressaltam a importância da sharing data dos ensaios clínicos para validação dos exames e otimização dos custos na detecção daqueles que podem se beneficiar dos medicamentos.
As preocupações levantadas por Salgado et al. situam o papel da atualização de especialistas e os critérios de agências regulatórias. É importante destacar que existe sim um trabalho educacional dos coordenadores de diagnósticos das indústrias farmacêuticas com os médicos e os laboratórios. Contudo, a atuação das agências de saúde é fundamental nesse meio-de-campo, para garantir principalmente: (1) a segurança na execução correta dos testes diagnósticos, (2) a prática da medicina de precisão com qualidade no âmbito privado e público de forma igualitária.
Referência: Published Online October 21, 2020 https://doi.org/10.1016/ S1470-2045(20)30592-1