O carcinoma pulmonar de pequenas células (CPPC) persiste como um tumor agressivo e de prognóstico reservado. Artigo de Blackall, F et al publicado na edição de setembro no Lancet Oncology discute a contribuição da chamada biópsia líquida, a análise de células tumorais circulantes ou DNA tumoral livre circulante, no CPPC. E na realidade brasileira, é aplicável? Quem responde é o patologista Cristovam Scapulatempo (foto), gerente de inovações em Anatomia Patológica e Patologia Molecular da Diagnósticos da América S/A.
Intimamente associado ao tabagismo, o carcinoma pulmonar de pequenas células apresenta alta carga de mutação. Assim, a heterogeneidade intratumoral e intertumoral é um obstáculo não apenas para o sucesso do tratamento, mas também ajuda a explicar porque o panorama genômico do CPPC revela poucos alvos acionáveis.
“Múltiplos estudos clínicos foram mal-sucedidos, não mostraram resultados de sobrevida nem apontaram biomarcadores para selecionar pacientes e monitorar respostas a novas terapias-alvo”, sustenta a publicação.
Os autores revisaram a literatura disponível na PubMed até maio de 2018, usando o termo em inglês para “células tumorais circulantes”, “carcinoma pulmonar de pequenas células”, “biópsias líquidas”, “terapia dirigida por biomarcadores”,“ctDNA” ou “carga mutacional”. Diante do limitado número de publicações em CPPN, estudos relevantes apresentados na ASCO 2018 também foram incluídos.
A conclusão indica que mais trabalhos são necessários para padronizar fatores pré-analíticos e definir fluxos para a implementação da biópsia líquida na rotina clínica, mas reconhece que os benefícios potenciais também são claros. “É mais provável que o uso da biópsia líquida como alternativa menos invasiva permita selecionar um biomarcador para orientar o tratamento e monitorar as respostas dos pacientes”, destaca a revisão. “Indiscutivelmente, a biópsia líquida tem maior potencial para mudar a paisagem terapêutica do CPPC”, concluem os autores.
E na realidade brasileira, é aplicável?
“Na realidade brasileira a biópsia líquida para avaliação de alterações moleculares no CPPC pode ser uma realidade para poucos, haja visto que no mundo ainda são poucas empresas que realizam esse exame utilizando um grande painel de genes que avalia a presença de mutações, variações no número de cópias e fusões gênicas. No Brasil, ainda não são realizados esse tipo de exame utilizando grandes painéis, sendo esses testes enviados para outros países, principalmente para os Estados Unidos”, observa Scapulatempo.
Segundo o patologista, é sabido que no CPPC as alterações genômicas mais comumente encontradas são as mutações que levam a inativação dos genes supressores TP53, amplificações da família MYC, mutações em genes envolvidos no remodelamento da cromatina, receptores de tirosina quinase e nos genes da família NOTCH. “Embora tantos alvos terapêuticos em potencial podem ser diagnosticados no CPPC, ainda aplicamos muito pouco da terapia personalizada para o tratamento desses tumores, porque os benefícios de resposta com essas terapias ainda são muito pobres”, diz.
O uso da imunoterapia no tratamento do CPPC vem ganhando espaço mostrando aumento da sobrevida, com taxa de resposta de cerca de 33% para o pembrolizumabe (usado somente em tumores PD-L1 positivos) e de cerca de 43% para a associação de nivolumabe e Ipilimumabe. “No estudo de subgrupo do estudo CHECKMATE-032, a taxa de resposta foi muito superior nos tumores com alta carga mutacional (High TMB), sendo a resposta objetiva de 46% nos pacientes com alta carga mutacional, e de 16% e 22% para os pacientes cujos tumores tinham carga mutacional moderada e baixa, respectivamente”.
Scapulatempo avalia que, com base no estudo CHECKMATE-032, talvez um grande biomarcador que pode ser utilizado rotineiramente para a indicação de imunoterapia é a avaliação da carga mutacional (TMB), que já pode ser realizada em biópsias líquidas, infelizmente com grandes limitações de acesso devido ao custo. “A avaliação das células tumorais circulantes (CTCs) vem sendo utilizada como um marcador prognóstico da doença com cut offs variados de acordo com os estudos, mas que talvez só teria aplicabilidade nos casos de carcinoma de pequenas células diagnosticados em estádio precoce (até 3 cm, sem metástase ganglionar) para decidir se a radioterapoia holocraniana seria realizada ou não”, afirma.
O especialista explica que o CPPC é um tumor muito agressivo, com índice de proliferação muito alto, o que faz com que a quantidade de DNA tumoral livre (cfDNA) seja frequentemente detectado através da biópsia líquida, assim como as células tumorais circulantes, ambas servindo como um marcador de volume de doença para o seguimento do paciente.
“Em breve o mercado terá boas notícias com relação ao acesso à biópsia líquida. Com o aumento da demanda haverá queda nos custos, que associado à transferência de tecnologia para laboratórios nacionais também culminará com redução do prazo da liberação dos laudos”, conclui.
Referências:
1-Blackhall, F., Frese, K. K., Simpson, K., Kilgour, E., Brady, G., & Dive, C. (2018). Will liquid biopsies improve outcomes for patients with small-cell lung cancer? The Lancet Oncology, 19(9), e470–e481. doi:10.1016/s1470-2045(18)30455-8.
2- Gadgeel SM, Ventimiglia J, Kalemkerian GP, et al. Phase II study of maintenance pembrolizumab (pembro) in extensive stage small cell lung cancer (ES-SCLC) patients (pts). Journal of Clinical Oncology. 2017;35:8504-8504.
3- Antonia SJ, Lopez-Martin JA, Bendell J, et al. Nivolumab alone and nivolumab plus ipilimumab in recurrent small-cell lung cancer (CheckMate 032): a multicentre, open-label, phase 1/2 trial. Lancet Oncol. 2016;17:883-895.
4- Hellmann MD, Ott PA, Zugazagoitia J, et al. Nivolumab (nivo) ± ipilimumab (ipi) in advanced small-cell lung cancer (SCLC): First report of a randomized expansion cohort from CheckMate 032. Journal of Clinical Oncology. 2017;35:8503-8503.