Onconews - Canabinoides no glioblastoma multiforme

bruno henrique paula 2020 bxO oncologista Bruno de Paula (foto), clinical fellow na Universidade de Cambridge, é coautor de editorial publicado na British Journal of Cancer1 que discute estudo de nabiximois em spray oromucoso em combinação com temozolomida de dose intensa em pacientes com glioblastoma multiforme recorrente. “Este é o primeiro estudo a avaliar a segurança de nabiximois em combinação com temozolomida de dose intensa, realizado em uma população de pacientes desafiadora”, destaca a publicação.

A cannabis e seus derivados estão sendo cada vez mais utilizados por pacientes com câncer, incluindo pacientes com glioblastoma multiforme (GBM), doença maligna primária cerebral mais comum e agressiva. “A recorrência é quase inevitável após o tratamento primário padrão com ressecção cirúrgica seguida de quimiorradioterapia ± temozolomida. As opções para GBM recorrente são limitadas e incluem quimioterapia com lomustina, temozolomida, reirradiação e ressecção cirúrgica”, esclarecem os autores. “Apesar de dados pré-clínicos promissores sugerirem potenciais efeitos anticâncer para canabinoides em GBM, faltam dados clínicos e de segurança”, acrescentam.

Nesta edição do British Journal of Cancer, Twelves et al.2 apresentam os resultados de estudo de Fase 1b que avalia a tolerabilidade e segurança (endpoint primário) e farmacocinética e eficácia preliminar (endpoints secundários) de nabiximois em spray oromucoso e temozolomida de dose intensa (DIT) em 27 pacientes com primeira recorrência de GBM após radioterapia e temozolomida como tratamento de primeira linha.

A parte 1 do estudo foi aberta (n = 6) e a parte 2 foi randomizada (1:1 para nabiximois; n = 12 / placebo, n = 9) e duplo-cego. A temozolomida foi administrada em 85 mg/m2 por dia (dias 1-21 de cada ciclo de 28 dias, com um máximo de 13 ciclos), começando uma semana antes da adição de nabiximois/placebo, administrado de forma individualizada (iniciando com um spray por dia e aumentando até 3-12 pulverizações/dia, dependendo da tolerabilidade, uma estratégia de dosagem baseada em um estudo anterior em dor crônica12).

Três pacientes (50%) na parte 1 e três pacientes (17,6%) na parte 2 descontinuaram a participação no estudo devido a eventos adversos relacionados ao tratamento (TRAEs). Quatro pacientes completaram o tratamento do estudo, todos na parte 2 (sendo três no braço placebo). A dose média de nabiximois foi de 6 pulverizações/dia (parte 1) e 7,5 pulverizações/dia (parte 2), e a duração média da exposição aos nabiximois foi de 16 semanas (parte 1) e 24,9 semanas (parte 2; cf. 10 pulverizações/dia e 23,6 semanas para placebo).

Os endpoints de eficácia pré-definidos foram sobrevida livre de progressão em 6 meses (PFS6) e sobrevida global (SG) em 1 ano para ambas as partes do estudo. PFS6 para pacientes na parte 1 foi de 16,7% (com um status de PFS desconhecido). PFS6 para pacientes na parte 2 foi de 33,3% para ambos os braços do estudo (com um status de PFS desconhecido para cada braço). A sobrevida global em 1 ano para os pacientes na parte 1 foi de 50% e na parte 2 foi de 83,3% para o grupo de nabiximois e 44,4% para aqueles que receberam placebo.

Os autores demonstraram que a administração de nabiximois usando um esquema individualizado é viável, embora a incidência de eventos adversos relacionados ao tratamento tenha sido maior do que a observada anteriormente, o que pode ter acontecido devido à incerteza em relação aos eventos adversos relacionados à doença e ao tratamento, duração do tratamento, temozolomida concomitante, ou perfil de toxicidade de nabiximois para pacientes com GBM (ou uma combinação dos dois).

“A população inscrita era mais jovem, com melhor performance status em comparação com a maioria dos pacientes com GBM recorrente, e a generalização dos achados de toxicidade para outros pacientes é hoje em dia prematura, a partir deste pequeno estudo. Um número significativo de pacientes interrompeu o tratamento, sugerindo que esta não é uma combinação de tratamento facilmente tolerada, mesmo neste grupo altamente selecionado, embora isso deva ser moderado com o potencial benefício terapêutico nesta população”, destaca o editorial.

Segundo os autores, os achados de eficácia neste estudo são intrigantes, mas devem ser interpretados com muita cautela, principalmente devido ao pequeno número de pacientes incluídos. “Esta população tinha excelentes características de prognóstico em comparação com a população geral de pacientes com GBM recorrente: eram mais jovens (idade média de 50,2 anos para a parte 1 e 57,8 anos para a parte 2), mais aptos (com um KPS mediano de 90% para todos os grupos, com mais pacientes com KPS> / = 90% no braço de nabiximol da parte 2), e com um tempo mediano significativamente maior de recorrência após o tratamento primário - 20,2, 22,9 e 19,6 meses a partir do diagnóstico inicial para pacientes na parte 1, parte 2 (nabiximois) e parte 2 (placebo), respectivamente”, esclarecem.

A publicação ressalta que a ausência de prognóstico e informações de biomarcadores disponíveis no estudo (por exemplo, IDH1/2 mutacional [biomarcador prognóstico] e status de metilação MGMT [preditivo da eficácia da temozolomida]) significa que a avaliação para potenciais enriquecimentos/desequilíbrios do braço da parte 2 não foi possível, e as informações sobre o tratamento não foram coletadas após a descontinuação/conclusão do medicamento em estudo.

“Independentemente de quaisquer diferenças potenciais entre os braços na parte 2, a sobrevida global na população deste ensaio permanece impressionante, embora seja difícil conceber como isso pode ser modulado somente por nabiximois ou DIT, dada a ausência de um sinal de melhora na SLP e levando em consideração os vieses do estudo acima mencionados. No entanto, essas descobertas justificam a exploração da combinação de temozolomida e nabiximois em um estudo maior”, observam os autores. “É crucial que os esforços de pesquisa clínica sejam combinados com pesquisas translacionais sólidas para tentar identificar potenciais biomarcadores preditivos da eficácia dos canabinoides”, defendem.

“Os resultados do ensaio clínico publicado pelo grupo de pesquisadores liderado pela Professora Susan Shortm, da University of Leeds, são interessantes, mas devem ser interpretados considerando suas limitações. Reconhecemos que os autores abriram uma promissora linha de pesquisa para tumores de sistema nervoso central, o que é ansiosamente aguardado tendo em vista as limitadas opções terapêuticas. Entretanto, este estudo infelizmente não fornece evidências suficientemente sólidas para que possamos recomendar o uso de canabinoides objetivando atividade anti-tumoral na prática clínica, o que requer estudos mais robustos e confirmatórios (fases II e III)”, conclui De Paula.

Referências:

1 - Doherty, G.J., de Paula, B.H.R. Cannabinoids in glioblastoma multiforme—hype or hope?. Br J Cancer (2021). https://doi.org/10.1038/s41416-021-01265-5

2 - Twelves, C., Sabel, M., Checketts, D. et al. A phase 1b randomised, placebo-controlled trial of nabiximols cannabinoid oromucosal spray with temozolomide in patients with recurrent glioblastoma. Br J Cancer (2021). https://doi.org/10.1038/s41416-021-01259-3