Um grande estudo prospectivo apresentado por pesquisadores do Princess Margaret Cancer Centre, em Toronto, foi um dos destaques da ICHNO 2015, a Conferência Internacional sobre abordagens inovadoras na oncologia em cabeça e pescoço, realizada em Nice, na França, de 12 a 14 de fevereiro. Luiz Paulo Kowalski, diretor do núcleo de Cabeça e Pescoço do AC Camargo Cancer Center, comenta o estudo com exclusividade para o Onconews.
O grupo canadense apresentou uma nova proposta de estadiamento para tumores de orofaringe HPV positivos e reforçou o corpo de evidências que demonstra prognóstico superior para este subgrupo, mesmo na doença metastática. Os resultados foram publicados na edição on-line de 9 de fevereiro do Journal of Clinical Oncology.
O trabalho liderado por Brian O'Sullivan e Sophie Huang mostrou que entre os pacientes HPV positivos com disseminação à distância (oligometástases), um quarto manteve-se vivo e livre de doença em três anos, contra 15% dos pacientes com a doença HPV-negativo. "Nosso estudo mostra que o atual modelo de estadiamento não é adequado para o câncer de garganta causado por HPV, que se comporta de forma diferente de um tumor causado por tabagismo ou álcool", disse Huang. "Uma das razões pelas quais os pacientes com doença metastática não recebem tratamento agressivo é a equivocada percepção de que se trata de um estágio incurável da doença.
Esperamos que estes resultados possam motivar estratégias de gestão para esses pacientes, o que vai produzir uma melhora significativa na qualidade de vida e também reduzir o custo para os sistemas de saúde", acrescentou a pesquisadora.
O novo sistema de estadiamento do grupo canadense apresenta uma nova proposta de classificação desenvolvida para a União Internacional de Controle do Câncer (UICC).
“Não é um estudo surpreendente porque vários trabalhos anteriores já mostravam que esses tumores HPV positivos tinham melhor prognóstico, com respostas muito superiores àqueles casos associados ao tabagismo e ao etilismo”, explica Luiz Paulo Kowalski, diretor do núcleo de Cabeça e Pescoço do AC Camargo Cancer Center. “Esses pacientes HPV positivo estadio IV ja são tratados com diferentes esquemas de quimioterapia, com bons resultados. A importância do estudo canadense vem como uma evidência a mais, em um contexto onde é crescente a incidência do HPV nos tumores de cabeça e pescoço”, entende Kowalski.
Em plena transição epidemiológica, o Brasil vê multiplicar o número de casos de câncer associados ao papilomavírus humano.
O especialista lembra que poucas décadas atrás, cerca de 40% a 45% dos brasileiros adultos fumavam e grande parte dos tumores de cabeça e pescoço estavam associados ao tabagismo. Com a campanha antitabaco, isso mudou e hoje cerca de 18% dos brasileiros são fumantes, mas a incidência do câncer de cabeça e pescoço não caiu como se esperava. “Ao contrário, o número de casos aumenta e temos visto pacientes mais jovens, o que é resultado de um novo agente causador. Hoje o HPV é o maior responsável pelo câncer de cabeça e pescoço e a orofaringe é o grande território. Alguns anos atrás, apenas 2% dos tumores de cabeça e pescoço em pacientes jovens eram associados ao HPV e temos estudo recente mostrando que agora 32% dos casos são causados pelo papilomavírus humano”.
Métodos e resultados
A infecção pelo HPV como causa do câncer de orofaringe tem transformado a história natural do câncer de cabeça e pescoço para muitos pacientes, com resultados mais favoráveis quando identificada e tratada precocemente.
Huang e colegas do Princess Margaret Cancer Center revisaram resultados dos pacientes com câncer de orofaringe tratados com radioterapia ou quimioirradiação no período de 2000 a 2011 e identificaram todos os pacientes com status de HPV positivo confirmado. Os pesquisadores também identificaram todos os casos de metástases à distância, que foram caracterizados com base na histologia como “indolentes” ou “explosivas” (mais de 10 lesões no prazo de três meses após o diagnóstico). Oligometástases foram definidas como cinco ou menos lesões em um mesmo órgão. Para os pesquisadores, a “cura” foi definida como mais de dois anos sem evidência de doença.
Os dados de 1.238 casos de câncer de orofaringe mostram presença do HPV em 934 pacientes (75%) casos. No subgrupo com status de HPV confirmado foram identificados 142 casos de metástases à distância - 88 tumores HPV-positivos e 54 tumores HPV-negativos. As metástases à distância foram detectadas após um período de acompanhamento médio de 1,3 ano no subgrupo HPV-positivo e de seis meses nos pacientes HPV-negativos (P <0,001).
As metástases à distância com status confirmado HPV-positivo surgiram em dois ou mais órgãos em 47 casos (53%), contra 11 (20%) do subgrupo HPV-negativo (p <0,001). Metástases à distância do tipo “explosivo” ocorreram em 26 de 46 pacientes HPV-positivos (55%), contra nenhum dos pacientes HPV-negativo. O pulmão foi o sítio mais comum de propagação nos pacientes HPV-positivos e negativos (78% versus 89%).
Os investigadores encontraram oligometástases em 24 de 41 pacientes HPV-positivos (58%), em comparação com 11 de 43 dos pacientes HPV-negativos (26%).
O dobro de pacientes com tumores HPV-positivos recebeu tratamento específico para metástases à distância (53, 60% versus 17, 31%), incluindo a cirurgia (16 versus quatro casos), radioterapia (40 contra oito), e quimioterapia (19 contra seis). Substancialmente, mais pacientes com tumores HPV-negativos não receberam tratamento para metástases à distância (37, 69% versus 35, 40%).
O subgrupo HPV-positivo teve uma sobrevida significativamente maior em três anos (P <0,01).
Onze pacientes com metástases à distância permaneceram vivos e sem evidência de doença após dois anos – critério que corresponde à definição pré-especificada de "cura" - e permanecem vivos após 7,7 anos de follow-up. Dez dos 11 pacientes tinham câncer de orofaringe HPV-positivo.
"Precisamos de um sistema de estadiamento que reflita com mais precisão o prognóstico de um paciente com câncer causado por HPV, que é altamente curável. Um novo modelo de estadiamento vai ajudar a selecionar pacientes com prognósticos promissores daqueles com prognósticos negativos, para projetar estratégias de tratamento mais adequadas para cada grupo”, concluiu a pesquisadora.
Referências:
Refining American Joint Committee on Cancer/Union for International Cancer Control TNM Stage and Prognostic Groups for Human Papillomavirus–Related Oropharyngeal Carcinomas
Shao Hui Huang, Wei Xu, John Waldron, Lillian Siu, Xiaowei Shen, Li Tong,Jolie Ringash, Andrew Bayley, John Kim,Andrew Hope, John Cho,Meredith Giuliani, Aaron Hansen, Jonathan Irish, Ralph Gilbert, Patrick Gullane,Bayardo Perez-Ordonez, Ilan Weinreb, Fei-Fei Liu e Brian O'Sullivan
http://jco.ascopubs.org/content/early/2015/02/03/JCO.2014.58.6412.abstract?sid=db794aa1-0f29-43b7-b642-9b34cbfe94b8
JCO published online on February 9, 2015; DOI:10.1200/JCO.2014.58.6412.