Enquanto as taxas de cura alcançam hoje 65% entre os tipos de câncer mais prevalentes, nos tumores raros o índice cai para 47%, o que mostra uma realidade que desafia médicos e pacientes na construção de um cenário com resultados mais encorajadores.
Nesse contexto, a educação médica continuada e a maior atenção à pesquisa clínica estão entre os apelos de organizações de advocacy e profissionais da saúde, que reconhecem a importância de ampliar a conscientização sobre os tumores menos incidentes.
O GIST, tumor estromal gastrointestinal, é um neoplasia mesenquimal que afeta geralmente o estômago ou o intestino delgado. O acometimento do peritônio, do esôfago e do cólon retal é menos frequente, mas o GIST pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal. Estudo de revisão publicado na edição 382 do Lancet enfoca a heterogeneidade dos GISTs, neoplasia que se origina a partir das células intersticiais de Cajal e da expressão da proteína c-KIT ou PDGFRA (The Lancet, vol 382, nº 9896).
Considerado um câncer raro, o GIST constitui menos de 1% de todos os tumores gastrointestinais. A ressecção cirúrgica completa continua como tratamento padrão e o mesilato de imatinibe permanece como standard empregado na primeira linha de tratamento. Para pacientes com intolerância, resistência ao imatinibe ou GIST selvagem (wild type), o sunitinibe (Sutent®, da Pfizer) é a indicação de segunda linha, enquanto o inibidor de múltiplas quinases regorafenibe (Stivarga®, da Bayer) recebeu recomendação do FDA para pacientes que progrediram aos tratamentos anteriores, mas ainda não obteve registro no Brasil.
A real incidência do GIST ao redor do mundo ainda é pouco conhecida e grande parte dos casos é diagnosticada acidentalmente, durante exames e procedimentos cirúrgicos. Pacientes com tumores maiores podem apresentar queixa de sintomas dispépticos vagos, sangramento visível ou oculto e presença de massa abdominal.
Mais visibilidade
Sarcomas raros como o GIST não são os únicos tumores que demandam maior visibilidade na agenda de pesquisa, nas políticas públicas e entre os profissionais da saúde.
“Os coriocarcinomas também são tumores de baixa incidência e são pouco conhecidos até mesmo entre oncologistas clínicos e ginecologistas”, alerta Sue Yazaki Sun, da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O diagnóstico de coriocarcinoma na grande maioria das vezes é fechado a partir da história clínica. De acordo com a especialista, metade dos casos acontece em mulheres com antecedentes de mola hidatiforme, mas a outra metade é representada por pacientes com histórico de gravidez normal com antecedentes de perda gestacional. “Para esse grupo é importante acompanhar a dosagem periódica dos níveis de gonadotrofina coriônica por pelo menos seis meses, até que se tenha um exame negativo para afirmar que essa paciente não desenvolveu o coriocarcinoma ou outro tipo de neoplasia trofoblástica, como uma mola invasora, por exemplo”, esclarece Sue.
Incentivo à pesquisa
O oncologista italiano Paolo Casali, hoje à frente do Rare Cancer Europe (RCE), lembra que no contexto das doenças raras, pacientes com tipos raros de câncer enfrentam problemas particulares, que às vezes se prolongam do diagnóstico ao tratamento. Na Europa, quatro milhões de pessoas por ano são diagnosticadas com algum câncer raro - 20% de todos os novos casos de câncer na população europeia, diz a RCE.
“Em conjunto, não são tumores tão incomuns, o que indica a importância de um esforço coordenado nacional e global na pesquisa clínica dessas enfermidades”, argumenta Phillip Scheinberg, oncohematologista do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes (COAEM), em São Paulo. Scheinberg atuou por 11 anos como pesquisador do National Institute of Health dos Estados Unidos, em Maryland, e defende que também aqui é preciso incentivar a pesquisa clínica em doenças raras dentro do panorama epidemiológico brasileiro.
Outra proposta é a criação de redes de assistência, através de centros de referência especializados em tumores menos incidentes. Em muitos casos, o paciente de um câncer raro percorre um longo caminho, que costuma começar com uma sucessão de erros diagnósticos, sem falar de intervenções e tratamentos desnecessários.
Fica claro que maiores esforços são necessários para melhorar os resultados para os pacientes. Sem mecanismos especificamente concebidos para abordar a prevenção, diagnóstico e tratamento dos tipos de câncer menos comuns, fica difícil impactar as taxas de sobrevida, alertam os especialistas.
A Rare Cancer Europe fala em 198 tipos raros de câncer identificados até agora.