Análise que considerou tendências temporais da correlação entre status socioeconômico e qualidade de vida após o diagnóstico de câncer de mama inicial mostra a importância de enfatizar os determinantes sociais da saúde em um planejamento abrangente do tratamento oncológico. O trabalho tem participação brasileira, da pesquisadora Maria Alice Franzoi (foto), atualmente Fellow em tumores da mama no Institut Jules Bordet, Bélgica, e mostra que desigualdades preexistentes se aprofundam após o diagnóstico e tratamento.

O status socioeconômico influencia os resultados de sobrevida de pacientes com câncer de mama inicial, mas poucas pesquisas investigam desigualdades sociais e qualidade de vida (QV). Este estudo examina as desigualdades socioeconômicas na QV após o diagnóstico de câncer de mama inicial e suas tendências temporais.

A análise considerou dados da coorte multicêntrica prospectiva francesa CANTO (NCT01993498), que incluiu mulheres com câncer de mama inicial (CMI) inscritas entre 2012 e 2018. A QV foi avaliada usando questionário validado da Organização Europeia para Pesquisa e Tratamento do Câncer (QLQ-C30) com a pontuação no momento do diagnóstico e 1 e 2 anos após o diagnóstico.

Para avaliar o status socioeconômico (SSE), os pesquisadores consideraram três indicadores: dificuldades financeiras autorrelatadas, renda familiar e nível educacional. Primeiro, a análise compreendeu a pontuação do QLQ-C30 por grupo de SSE. Em seguida, as desigualdades sociais na pontuação do QLQ-C30 e suas tendências temporais foram quantificadas usando o índice de declive de desigualdade (SII) baseado em regressão, representando a mudança absoluta no resultado ao longo dos extremos do gradiente socioeconômico. As análises foram ajustadas para idade ao diagnóstico, Índice de Comorbidade de Charlson, estágio da doença e tipo de tratamento local e sistêmico.

Os resultados foram relatados no Journal of Clinical Oncology (JCO) e mostram que entre os 5.915 pacientes incluídos com dados sobre QoL no diagnóstico e no acompanhamento de 2 anos, as desigualdades sociais na pontuação do QLQ-C30 na linha de base foram estatisticamente significativas para todos os indicadores de SSE (dificuldades financeiras = –7,6 [–8,9; –6,2], renda = –4,0 [–5,2; –2,8]), educação = –1,9 [–3,1; –0,7]). Os autores descrevem que essas desigualdades aumentaram significativamente (interação P < 0,05) no ano 1 e no ano 2 pós-diagnóstico, independentemente da saúde pré-diagnóstico, características do tumor e tratamento. Resultados semelhantes foram observados em subgrupos definidos pelo status da menopausa e tipo de tratamento sistêmico adjuvante.

“A magnitude das desigualdades preexistentes na QV aumentou ao longo do tempo após o diagnóstico de câncer de mama inicial, enfatizando a importância de considerar os determinantes sociais da saúde durante o planejamento abrangente do tratamento do câncer”, concluem os autores.

Avanços no diagnóstico e tratamento do câncer de mama inicial durante as últimas décadas transformaram significativamente os resultados dos pacientes e contribuíram para excelentes resultados a longo prazo. Consequentemente, o número absoluto de sobreviventes do câncer de mama aumentou muito, evidenciando a importância de um olhar ampliado para esses pacientes, considerando, além das taxas de sobrevida, também a qualidade de vida.

“Neste estudo de coorte, observamos desigualdades sociais na QV após um diagnóstico de câncer de mama inicial, conforme medido pelo escore QLQ-C30. Usando uma grande amostra em nível individual, confirmamos que as desigualdades no tratamento do câncer se estendem à QV dos sobreviventes, com mulheres com menor SSE sendo afetadas de forma desigual pelo diagnóstico e tratamento”, descreve a publicação.” Além disso, as desigualdades observadas e sua dinâmica, além da idade e comorbidades, foram independentes de outras variáveis ​​clinicopatológicas e relacionadas ao tratamento”, analisa.

A íntegra do estudo está disponível no JCO em acesso aberto.

Referência:

José Luis Sandoval et al., Magnitude and Temporal Variations of Socioeconomic Inequalities in the Quality of Life After Early Breast Cancer: Results from the multicentric French CANTO Cohort. JCO 0, JCO.23.02099
DOI:10.1200/JCO.23.02099