Com base nas projeções anuais, a Organização Mundial da Saúde estima que mais de 1 milhão de pessoas morrerão de câncer de fígado em 2030. Estudo de revisão de Augusto Villanueva publicado na New England Medical Journal resume as principais alterações genéticas no carcinoma hepatocelular, suas características epidemiológicas e abordagens baseadas em evidência para o manejo da doença. “O artigo destaca a rápida mudança de cenário do tratamento do carcinoma hepatocelular avançado”, observa o oncologista Duílio Rocha Filho (foto), chefe do Serviço de Oncologia Clínica do Hospital Universitário Walter Cantídio (UFC-CE) e membro da diretoria do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG).
O carcinoma hepatocelular é globalmente a quarta causa de morte por câncer. Nos Estados Unidos, a taxa de morte por câncer de fígado aumentou 43%, com 10,3 mortes por 100.000 habitantes entre 2000 e 2016. A maioria dos casos ocorre em pacientes com doença hepática subjacente, principalmente como resultado da infecção pelo vírus da hepatite B ou C (VHB ou VHC) ou abuso de álcool.
A vacinação universal contra o VHB e a ampla implementação de agentes antivirais de ação direta contra o VHC provavelmente modificaram a paisagem etiológica do carcinoma hepatocelular. No entanto, o aumento da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), que, juntamente com síndrome metabólica e obesidade amplificam o risco, em breve se tornará uma das principais causas de câncer de fígado nos países ocidentais.
Nesta revisão, Villanueva lembra que as terapias sistêmicas para pacientes com câncer hepático avançado estão mudando rapidamente. Nos últimos 2 anos, o autor destaca que quatro novos agentes mostraram eficácia clínica em estudos de fase 3. “Entre 2008 e 2017, o sorafenibe permaneceu como único medicamento contra a doença com impacto em sobrevida comprovado. Nos últimos dois anos, estudos de fase III mostraram que lenvatinibe, regorafenibe, cabozantinibe e ramucirumabe também reduzem o risco de morte de pacientes com carcinoma hepatocelular”, afirma Duílio.
“Além disso, estudos não controlados concluíram que nivolumabe e pembrolizumabe também são agentes ativos contra a neoplasia. Pesquisas em andamento têm investigado o papel de novas estratégias, como inibidores de checkpoint associados ou não a antiangiogênicos, e podem ampliar mais o arsenal terapêutico um em futuro breve”, acrescenta.
Como estabelecer a melhor sequência de tratamento?
Duílio explica que há duas opções de terapia em primeira linha: o sorafenibe e o lenvatinibe. Os dois agentes têm impacto similar em sobrevida e são igualmente aceitáveis no manejo inicial da doença avançada. “As drogas têm perfil de toxicidade diferentes, o que pode ajudar a individualizar o tratamento. O sorafenibe está mais associado a síndrome mão-pé, alopécia e rash, ao passo que o lenvatinibe tem maior incidência de hipertensão, proteinúria e disfonia”, esclarece.
O especialista observa que alguns especialistas entendem que a maior taxa de resposta e o maior tempo para progressão com o uso de lenvatinibe fazem da droga a opção preferencial em pacientes com maior volume de doença ou com sintomas atribuídos ao tumor. “O sorafenibe parece ser especialmente ativo em doentes com vírus C, mas o estudo REFLECT, que comparou sorafenibe e lenvatinibe, não identificou que o subgrupo com hepatite C tivesse maior benefício com uma das drogas em particular”, ressalta.
Após progressão à primeira linha, há várias opções disponíveis para pacientes que se mantêm com bom performance status e função hepática adequada. Nesse cenário, regorafenibe, cabozantinibe, ramucirumabe (em pacientes com alfafetoproteína superior a 400 ng/mL), nivolumabe e pembrolizumabe são alternativas reconhecidas pelo FDA. “Não há estudos comparativos que sugiram superioridade de um agente em particular, e as decisões terapêuticas passam pela disponibilidade e pelo perfil de eventos adversos da droga. A toxicidade mais facilmente manejável e a taxa de resposta de 15% a 20% fazem da imunoterapia uma boa opção nesse grupo de doentes. Por outro lado, apenas os agentes antiangiogênicos mostraram aumentar a sobrevida em estudos randomizados”, esclarece.
Outra inovação é a Radioterapia Interna Seletiva (SIRT), também conhecida como radioembolização, abordagem que tem ganhado escala em pacientes com tumores BCLC estádio B. Segundo Duílio, comparada com a quimioembolização convencional (TACE), a SIRT é uma estratégia com toxicidade relativamente baixa, com potencial para tratar pacientes com volume de doença significativo em sessão única e maior segurança em pacientes com trombose de veia porta. “Contudo, o alto custo do procedimento, a disponibilidade restrita e a ausência de benefício comprovado em relação à TACE limitam seu uso de forma mais ampla”.
Outras áreas permanecem sem intervenções efetivas, como a quimioprevenção em pacientes com cirrose e terapias adjuvantes após ressecção cirúrgica ou ablação. Há diversos estudos de fase III avaliando o papel de estratégias adjuvantes após a ressecção do carcinoma hepatocelular, como imunoterápicos, agentes antivirais e diferentes modalidades de embolização transarterial. “Dados epidemiológicos têm identificado candidatos a serem explorados na quimioprevenção do hepatocarcinoma, como estatinas, antidiabéticos e agentes-alvo. Ademais, a melhor predição de risco individual de desenvolvimento do tumor a partir de parâmetros clínicos e moleculares pode contribuir para uma abordagem personalizada da prevenção e do rastreamento da doença”, conclui o especialista.
Referências: N Engl J Med 2019;380:1450-62. DOI: 10.1056/NEJMra1713263