Vários parâmetros têm sido reconhecidos como preditores de toxicidade cardíaca em mulheres que receberam antracíclicos ou anticorpos monoclonais no tratamento do câncer de mama. Estudo brasileiro avaliou a Alteração Contrátil Segmentar Ventricular Esquerda (LVSWMA, da sigla em inglês) como parâmetro para a presença de cardiotoxicidade e concluiu que este novo indicador pode ser útil para a estratificação de risco. A cardiologista Ariane Vieira Scarlatelli Macedo (foto), co-autora do estudo, comenta os resultados.
Os pesquisadores avaliaram uma coorte prospectiva de pacientes diagnosticadas com câncer de mama e em tratamento com quimioterápicos potencialmente cardiotóxicos, incluindo doxorrubicina e trastuzumabe. Ecocardiogramas transtorácicos foram realizados em horários padrão antes, durante e após o tratamento para avaliar a presença de cardiotoxicidade, incluindo ecocardiografia com strain speckle tracking. A cardiotoxicidade foi definida por uma diminuição de 10% na fração de ejeção do ventrículo esquerdo, em pelo menos um ecocardiograma. Modelos de regressão logística multivariada foram utilizados para verificar os preditores relacionados à ocorrência de cardiotoxicidade a longo prazo.
Resultados
Os resultados mostram que dos 112 pacientes selecionados (idade média de 51,3 ± 12,9 anos), 18 participantes (16,1%) apresentavam cardiotoxicidade. Na análise multivariada, aqueles com LVWMA (OR = 6,25 [IC 95%: 1,03; 37,95; p <0,05), dimensão sistólica do VE (1,34 [IC 95%: 1,01; 1,79], p <0,05) e strain global longitudinal por speckle tracking (1,48 [IC 95%: 1,02; 2,12], p <0,05) foram fortemente associados à cardiotoxicidade.
“Em conclusão, mostramos que LVWMA foi forte preditor de cardiotoxicidade e pode ser útil na estratificação de risco desses pacientes”, registram os autores.
Referência: Arq Bras Cardiol. 2019 Jan;112(1):50-56. doi: 10.5935/abc.20180220. Epub 2018 Dec 13.
Alteração Contrátil Segmentar Ventricular Esquerda como preditor de cardiotoxicidade
Por Ariane Vieira Scarlatelli Macedo
A redução na fração de ejeção de ventrículo esquerdo (FEVE) e o surgimento de sintomas de insuficiência cardíaca (IC) ocorre tardiamente na história natural dos pacientes com cardiotoxicidade por antracíclicos. A redução da FEVE pode não ser evidente até que tenha ocorrido uma grande perda de massa miocárdica.
A ecocardiografia transtorácica (eco) é uma ferramenta útil para monitorar a função cardíaca durante a quimioterapia (QT), devido à sua ampla disponibilidade e ótima acurácia. Apesar do reconhecimento de que vários parâmetros ecocardiográficos, como o strain e strain rate (que avaliam a mecânica miocárdica) poderiam sinalizar uma lesão miocárdica inicial, a utilização destes índices como preditores independentes de cardiotoxicidade relacionado a QT não é consenso.
A idéia deste estudo veio de uma observação na nossa prática nos consultórios de cardio-oncologia em que identificamos alguns pacientes cujos ecos mostravam alterações novas na motilidade segmentar do VE (principalmente na região septal) após alguns ciclos de antraciclina, mantendo a fração de ejeção preservada e assintomáticos. Observamos também que alguns destes pacientes, que apresentaram alterações de motilidade no ecocardiograma, evoluíam, posteriormente, para cardiotoxicidade com disfunção sistólica de VE. Baseado nestas observações práticas desenhamos esta coorte prospectiva com objetivo de verificar a associação entre a ocorrência da alteração contrátil segmentar ventricular esquerda e o desenvolvimento de cardiotoxicidade em pacientes com câncer de mama.
Nossos resultados demonstraram que a presença de distúrbios de contração segmentar esquerda e a diminuição do strain longitudinal global foram preditores independentes de disfunção ventricular esquerda associada a QT. Estudos histopatológicos anteriores realizados a partir de biópsias endomiocárdicas demonstraram um envolvimento inicialmente focal e disperso de miócitos, circundados por células normais em pacientes tratados com antraciclinas.1
À medida que a toxicidade evolui, a frequência dessas alterações aumenta, levando a danos miocárdicos significativos e, posteriormente, a fibrose miocárdica. Assim, a disfunção contrátil segmentar pode preceder o envolvimento intenso e difuso do coração visto nos pacientes com disfunção sistólica grave. Nossos dados também reforçam a utilidade da medida do strain longitudinal global como um parâmetro preditor de desenvolvimento posterior de cardiotoxicidade.
O desafio futuro é identificar se o uso de agentes cardioprotetores em pacientes que apresentam alterações nos parâmetros de deformidade miocárdica sem queda de fração de ejeção, irá prevenir o desenvolvimento futuro de disfunção ventricular. O estudo SUCCOR (Strain sUrveillance of Chemotherapy for improving Cardiovascular Outcomes); ANZ Clinical Trials ACTRN12614000341628) está avaliando a eficácia desta estratégia e em breve teremos seus resultados publicados.
Nossos dados reforçam também a importância do acompanhamento cardiológico durante o tratamento do câncer. A identificação dos pacientes de maior risco para desenvolver cardiotoxicidade, por parâmetros clínicos, ecocardiográficos e por biomarcadores, permitirá uma estratificação do risco individual. Ao direcionarmos a monitorização cardiológica baseada no risco calculado, poderemos otimizar os recursos de saúde e se preciso implementar estratégias de cardioproteção. Assim atingiremos o objetivo primordial da cardio-oncologia: permitir que os pacientes recebam o melhor tratamento oncológico planejado sem que a cardiotoxicidade seja um obstáculo no caminho para o controle ou cura do câncer.
Referência:
1 - Singal P,Deally C,Weinberg L. Subcellular effects of Adriamycin in theheart: A concise review. J Mol Cell Cardiol. 1987;19(8):817-28.