O tratamento com dexrazoxano reduziu o risco de insuficiência cardíaca e eventos cardíacos em pacientes com câncer de mama submetidos à quimioterapia com antraciclina com ou sem trastuzumabe e não afetou significativamente os resultados oncológicos. É o que conclui estudo de revisão sistemática e metanálise publicado por Ariane Vieira Scarlatelli Macedo (foto) e colegas na edição inaugural do Journal of American College of Cardiology CardioOncology, periódico de acesso aberto do American College of Cardiology. No entanto, os autores alertam para a baixa qualidade das evidências disponíveis. “Mais estudos randomizados são necessários antes da implementação dessa terapia na prática clínica”, apontam.
O tratamento do câncer de mama com antraciclinas e trastuzumabe está associado a um risco aumentado de cardiotoxicidade. Entre as várias estratégias para reduzir o risco, o dexrazoxano é uma opção para prevenção primária de cardiotoxicidade, mas raramente é utilizado na prática clínica.
Neste estudo, os pesquisadores revisaram sistematicamente a base de dados online de janeiro de 1990 a 1º de março de 2019. Foram incluídos sete estudos randomizados e dois trabalhos retrospectivos, com um total de 2.177 pacientes. O dexrazoxano reduziu o risco de insuficiência cardíaca clínica (RR: 0,19; IC95%: 0,09 a 0,40; p <0,001) e eventos cardíacos (RR: 0,36; IC95%: 0,27 a 0,49; p <0,001), independentemente da exposição prévia à antraciclinas. A taxa de resposta oncológica parcial ou completa, sobrevida global e sobrevida livre de progressão não foram afetadas pelo dexrazoxano.
Cardioproteção efetiva
Por Ariane Vieira Scarlatelli Macedo
Nossos resultados apoiam o uso do dexrazoxano como um agente cardioprotetor eficaz para pacientes com câncer de mama que recebem quimioterapia à base de antraciclina. Apesar de revisões anteriores apontarem para a cardioprotecao efetiva do dexrazoxano em pacientes oncológicos, nosso estudo focou exclusivamente na população de câncer de mama. No entanto, estudos adicionais são necessários porque a qualidade da maioria das evidências é muito baixa para fornecer recomendações definitivas. Utilizamos a ferramenta "risco de viés" da Cochrane para avaliar a qualidade metodológica dos ensaios clínicos randomizados incluídos em nossas análises.
Descobrimos que nenhum estudo randomizado foi considerado como baixo risco de viés em todos os domínios de vieses. Os domínios com mais estudos classificados como de alto risco de viés foram 'viés de desempenho' devido ao conhecimento das intervenções alocadas por participantes e funcionários durante os estudos e 'viés de atrito' devido à quantidade, natureza ou tratamento de dados incompletos dos resultados.
Futuros ensaios clínicos randomizados de alta qualidade devem ser realizados para avaliar o dexrazoxano em pacientes com câncer de mama evitando toda fonte potencial de viés. Embora nosso estudo sugira que o dexrazoxano tem um papel como agente cardioprotetor para mulheres submetidas ao tratamento de câncer de mama à base de antraciclina, não está totalmente claro quais pacientes obtêm o maior benefício conforme ressaltado por Christine E. Simmons, médica oncologista da Faculty of Medicine, University of British Columbia, Vancouver, Canada em editorial que acompanha o artigo.
Os estudos incluídos em nossa metanálise usaram uma ampla gama de doses de antraciclinas, bem como uma ampla variedade de estágios da doença. Não foi possível eliminar o risco cardiovascular de linha de base para os indivíduos incluídos neste estudo, o que também poderia ser um fator importante na previsão daqueles que teriam o maior benefício com o cardioprotetor.
Simmons sugere que esforços futuros para estudar e esclarecer os benefícios potenciais do dexrazoxano para pacientes com câncer de mama irão requer planejamento e colaboração cuidadosos. Ela ressalta que seria extremamente útil o desenvolvimento de um escore em que pudéssemos obter um nomograma com razões de probabilidade confiáveis para prever o risco futuro de cardiotoxicidade da antraciclina em pacientes com câncer de mama.
"Como em muitas estratégias preventivas na medicina, a inércia de adotar um novo tratamento é vítima das motivações concorrentes de oncologistas, pacientes e cardiologistas no momento da consulta inicial", escreveu ela. Sabemos que existem riscos, mas eles parecem muito distantes no momento em que uma doença imediata com risco de vida é enfrentada. Por enquanto, há algum mal em adotar seu uso mais amplamente? Nossa meta-análise sugere que não.
Referência: Efficacy of Dexrazoxane in Preventing Anthracycline Cardiotoxicity in Breast Cancer - Ariane V.S. Macedo, Ludhmila A. Hajjar, Alexander R. Lyon, Bruno R. Nascimento, Alessandro Putzu, Lorenzo Rossi, Rafael B. Costa, Giovanni Landoni, Angélica Nogueira-Rodrigues, Antonio L.P. Ribeiro - J Am Coll Cardiol CardioOnc. 2019 Sep, 1 (1) 68-79. - https://cardiooncology.onlinejacc.org/content/1/1/68