Os cortes anunciados em agências como CAPES e CNPq são motivo de incerteza no cenário científico e expoentes da pesquisa brasileira compartilham uma mesma preocupação: o impacto profundo na formação de recursos humanos e na produtividade científica. Afinal, qual a extensão dos cortes e como isso afeta a pesquisa em câncer?
“Na área da Oncologia, com os custos crescentes, talvez nós estejamos condenados progressivamente a entregar soluções sub-ótimas aos nossos pacientes. É um risco que nós corremos. Além disso, se nós formamos mal os professores ou formamos menos professores, menos mestres, o que vai acontecer é que o nosso potencial de executar políticas que sejam de fato vencedoras, políticas para a promoção da Saúde e prevenção de doenças como o câncer, vai progressivamente diminuir. É um caminho muito perigoso que nós estamos nos colocando agora se nós desmobilizarmos os esforços de 25 anos na capacitação de formação de pessoal de ensino superior e de pesquisadores. Eu espero que nós tenhamos condição ainda de repensar essa posição”, diz Roger Chammas, coordenador do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
Apesar das indefinições, estimativas ajudam a dimensionar o tamanho do prejuízo. “Os cortes são dramáticos. A CAPES está hoje com menos de 50% do seu orçamento sendo investido, com cortes que afetam todas as áreas de conhecimento, em praticamente todos os cursos de pós-graduações do Brasil”, ilustra João Viola, atualmente chefe da Divisão de Pesquisa Experimental e Translacional do INCA, no Rio de Janeiro. Viola também integra o Comitê de Assessoramento de Imunologia (CA-IM) do CNPq, que no início de setembro já havia se manifestado diante do corte de verbas. “Nos últimos anos, o CNPq tem sofrido sucessivos cortes de verbas, que têm como impacto a diminuição do apoio a projetos de pesquisa, redução na formação de recursos humanos e diminuição da concessão de bolsas de pesquisa. Em relação ao orçamento de 2014 já tivemos uma redução de 80% dos repasses e os cortes previstos para este ano são ainda maiores, o que poderá levar à virtual extinção das atividades de pesquisa financiadas por esta que é a mais proeminente agência de fomento à pesquisa do país”, apontou o CA-IM.
Na pesquisa em câncer, muito dessa inovação ganha reflexos no dia a dia do paciente. É o que mostra o Hospital de Câncer de Barretos, onde um terço dos projetos de pesquisa são executados com alunos de mestrado, doutorado, pós-doutorado e até em projetos mais precoces, de iniciação científica. “Temos alunos que estudaram câncer hereditário, encontraram novos genes e implementaram novos testes que hoje estão na rotina diária; temos alunos que estão desenvolvendo estudos sobre novas moléculas, novas drogas que podem melhorar e baratear o tratamento do paciente, até alunos que são de áreas associadas à enfermagem, à psicologia, fazendo trabalhos em cuidados paliativos e em qualidade de vida, com grande impacto no dia a dia dos pacientes”, diz Rui Manuel dos Reis, Diretor Executivo e Científico do Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) e Coordenador do Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular (CPOM) do Hospital de Câncer de Barretos.
A geneticista Patrícia Prolla observa outra perspectiva fundamental, lembrando do papel dos cursos de pós-graduação também na formação do oncologista clínico. “Na área de Oncologia, tudo o que o oncologista tem que saber de mecanismos da doença, de diagnósticos de biologia molecular, muitos clínicos estão aprendendo em cursos de pós-graduação. Então realmente eu acho que a pós-graduação, a qualificação na pós-graduação é uma base muito importante para todas as áreas e a oncologia tenho certeza que vai sentir o impacto a médio e longo prazo”, diz a especialista, Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Também com forte atuação na área acadêmica e em pesquisa, o oncologista Auro del Giglio reforça o clima de apreensão. “Se nós tivermos o corte de bolsas como estamos tendo, vejo dois impactos fundamentais. O primeiro é no curto prazo um impacto muito grande na nossa produtividade científica. O segundo é um profundo gap na formação de recursos humanos para futuras gerações de pesquisadores brasileiros”, resume del Giglio, Professor Titular de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Serviço de Oncologia Clínica do IBCC e do Hospital do Coração (HCOR), em São Paulo.
Outra expoente, globalmente reconhecida por suas pesquisas sobre câncer e papilomavírus humano (HPV), a cientista Luisa Lina Villa apela para a união de todos. “Acho que não existe outra palavra para dizer agora, a não ser divulgar essa enorme preocupação, unir as sociedades, pesquisadores, alunos e universidades para pleitear e clamar pelo retorno desses recursos para ensino e pesquisa”, diz.
Para a presidente do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (Gbecam), Daniela Rosa, a fuga de cérebros pode ser a consequência mais imediata. “O Brasil já é conhecido por não reter seus cérebros. Sem esses investimentos vamos perder cérebros pensantes capazes de impulsionar e alavancar o país”, analisa.
Assista aos depoimentos dos pesquisadores ouvidos pelo Onconews:
Rui Manuel dos Reis - Hospital do Câncer de Barretos:
Auro del Giglio - IBCC
Daniela Dornelles Rosa - Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre
João Viola - INCA
Luisa Lina Villa - ICESP
Patricia Prolla - Hospital das Clínicas de Porto Alegre
Roger Chammas - ICESP