Estudo de Schuurman et al. no Lancet Oncology buscou estabelecer o valor preditivo da citologia cervical e do teste de papilomavírus humano (HPV) de alto risco para detectar neoplasia intraepitelial cervical recorrente de grau 2 ou pior (NIC2+; incluindo câncer cervical recorrente) após cirurgia preservadora de fertilidade. Adeylson Guimarães Ribeiro (foto), Diretor Adjunto de Informação e Epidemiologia da Fundação Oncocentro de São Paulo, analisa os resultados.
A estratégia de acompanhamento ideal para detectar recorrência após cirurgia preservadora de fertilidade no câncer cervical em estágio inicial é desconhecida, indicando que uma vigilância personalizada baseada em riscos individuais poderia contribuir para melhorar a eficiência e, subsequentemente, reduzir os custos nos cuidados de saúde.
Neste estudo de coorte retrospectivo de base populacional, de âmbito nacional, os pesquisadores utilizaram dados do Registro de Câncer da Holanda e do Banco Nacional de Dados de Patologia da Holanda. Foram incluídas todas as pacientes com idade entre 18 e 40 anos, com câncer cervical de qualquer histologia, que receberam cirurgia preservadora de fertilidade (ou seja, excisão em alça grande da zona de transformação, conização ou traquelectomia) entre 1º de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2020. Dados patológicos do diagnóstico, tratamento e durante o acompanhamento foram analisados. Os endpoints primários e secundários foram a incidência cumulativa de NIC2+ recorrente e sobrevida livre de recorrência global e estratificada por resultados de citologia e HPV de alto risco.
Foram identificadas 1.548 pacientes, das quais 1.462 preencheram os critérios de inclusão. Destas pacientes incluídas, 19 568 relatórios patológicos estavam disponíveis. A idade mediana no momento do diagnóstico foi de 31 anos (IQR 30–35). Após seguimento mediano de 6,1 anos (IQR 3,3–10,8), os autores descrevem que NIC2+ recorrente foi diagnosticada em 128 pacientes (incidência cumulativa 15,0%, IC 95% 11,5–18,2), incluindo 52 pacientes (incidência cumulativa 5,4%, IC 95% 3,7–7,0) com câncer cervical recorrente. A sobrevida global livre de recorrência em 10 anos para NIC2+ foi de 89,3% (IC 95% 87,4–91,3).
Pela citologia na primeira consulta de acompanhamento dentro de 12 meses após a cirurgia preservadora da fertilidade, a sobrevida livre de recorrência em 10 anos para NIC2+ foi de 92,1% (90,2–94,1) em pacientes com citologia normal, 84,6% (77,4–92,3) naquelas com citologia de baixo grau e 43,1% (26,4–70,2) naquelas com citologia de alto grau.
Pelo status de HPV de alto risco na primeira consulta de acompanhamento dentro de 12 meses após a cirurgia, a sobrevida livre de recorrência em 10 anos para NIC2+ foi de 91,1% (85,3–97,3) em pacientes que foram negativas para HPV de alto risco e 73,6% (58,4–92,8) naquelas que foram positivas para HPV de alto risco. A incidência cumulativa de NIC2+ recorrente dentro de 6 meses após qualquer consulta de acompanhamento (6–24 meses) em pacientes negativas para HPV de alto risco com citologia normal ou de baixo grau foi de 0,0–0,7% e com citologia de alto grau foi de 0,0–33,3%. Schuurman e colegas também apontam que a incidência cumulativa de recorrência em pacientes positivos para HPV de alto risco com citologia normal ou de baixo grau foi de 0,0–15,4% e com citologia de alto grau foi de 50,0–100,0%. Nenhuma das pacientes negativas para HPV de alto risco sem citologia de alto grau desenvolveu recorrência aos 6 e 12 meses.
“Pacientes negativas para HPV de alto risco com citologia normal ou de baixo grau 6–24 meses após a cirurgia preservadora de fertilidade poderiam receber um intervalo de acompanhamento prolongado de 6 meses. Este grupo compreende 80% de todas as pacientes submetidas à cirurgia preservadora da fertilidade. Um intervalo de 12 meses parece ser seguro após dois testes consecutivos negativos para HPV de alto risco com ausência de citologia de alto grau, o que representa quase 75% de todos os pacientes que recebem cirurgia preservadora de fertilidade”, concluem os autores.
Estratégia de vigilância personalizada pode reduzir custos para o sistema de saúde
Por Adeylson Guimarães Ribeiro (foto), Diretor Adjunto de Informação e Epidemiologia da Fundação Oncocentro de São Paulo
Para a ocorrência do câncer do colo do útero é necessário a infeção prévia por certos tipos de HPV. Desta forma, a vacina contra o HPV é a principal estratégia de prevenção com resultados satisfatórios, e dentre os procedimentos diagnósticos tem se discutido a utilização do teste HPV-DNA em substituição à citologia por se mostrar mais viável e vantajoso.
Este estudo propõe a utilização do teste de HPV de alto risco associado à citologia cervical para aumentar o intervalo de follow-up de pacientes após cirurgia preservadora de fertilidade, dado que não há recomendações de acompanhamento específicas após esse procedimento, e as diretrizes nacionais holandesas para o câncer cervical recomendam follow-up para todos as pacientes com intervalos de 3-4 meses nos dois primeiros anos, 4-6 meses no terceiro e de 6-12 meses no quarto e quinto ano.
Um dos principais resultados do estudo indica que um intervalo prolongado de 12 meses, poderia ser estabelecido para o follow-up, após 2 testes consecutivos e negativos para HPV de alto risco com ausência de citologia de alto grau, e que isso abrangeria 75% das pacientes que fazem a cirurgia preservadora de fertilidade.
Os autores muito bem destacam que esta estratégia de vigilância personalizada além de melhorar a eficiência do follow-up, contribuiria para uma redução de custos para o sistema de saúde.
Resultados como os obtidos por este estudo reforçam que cada vez mais é necessário utilizar técnicas atreladas ao HPV, seja na prevenção, diagnóstico, ou no tratamento de pacientes com câncer do colo do útero, para mudar o panorama deste tipo de tumor que ainda causa muitas mortes no Brasil e no mundo, sendo que este cenário poderia ser completamente diferente.
Referência: Optimising follow-up strategy based on cytology and human papillomavirus after fertility-sparing surgery for early stage cervical cancer: a nationwide, population-based, retrospective cohort study. November 09, 2023. DOI: 10.1016/S1470-2045(23)00467-9