Onconews - Comparação da incisão cirúrgica no câncer de vulva

jesus carvalhoA dissecção dos linfonodos inguino-femurais desempenha papel fundamental no tratamento do câncer vulvar. No entanto, o procedimento está associado a altas taxas de complicações, incluindo infecção, linfocistos / linfedema e deiscência da ferida. Artigo publicado em maio no International Journal of Gynecologic Cancer discute taxas de complicações e contagem de linfonodos comparando duas incisões diferentes na cirurgia do câncer vulvar. O ginecologista Jesus Paula Carvalho (foto), Professor da FMUSP e chefe da Equipe de Ginecologia do ICESP, analisa os resultados do trabalho e relata a experiência da instituição.

Existem poucas evidências para orientar os cirurgiões quanto à abordagem ideal na dissecção dos linfonodos inguino-femorais. Este estudo teve como objetivo determinar a diferença nas taxas de complicações em 30 dias, avaliando o número de linfonodos e o tempo de internação entre pacientes submetidos à incisão oblíqua modificada e a clássica 'Lazy S'.

Os autores revisaram retrospectivamente todos os casos de dissecção de linfonodos inguino-femorais atendidos no Hospital Universitário de Gales, Reino Unido, entre janeiro de 2014 e setembro de 2018. Os dados coletados incluíram idade, índice de massa corporal (IMC), tipo de incisão, material de sutura, tempo de internação, taxas de complicações, estágio do câncer, contagem de linfonodos, taxa de positividade linfonodal e taxas de recorrência. Os dados foram analisados ​​no software SPSS e a significância clínica foi definida como p <0,05.

Resultados

Trinta e cinco casos de incisão do tipo 'Lazy S' e 14 casos de incisão tipo oblíqua modificada foram incluídos na análise. A idade média dos pacientes foi de 65 anos no grupo 'Lazy S' (variação de 41 a 86)   e de 58 anos no grupo oblíqua modificada (variação de 19 a 81). O IMC médio foi de 28 kg / m2 (variação de 18 a 45) no grupo 'Lazy S' clássico e de 29 kg/m2 (variação de 20 a 36) no grupo que recebeu incisão oblíqua modificada.

No grupo 'Lazy S' clássico, a classificação por estágio foi a seguinte: estágio IB (18), II (2), IIIA (3), IIIB (4), IIIC (8). No grupo oblíquo modificado, a classificação foi: estágio IB (8), II (4), IIIA (2).

As complicações de grau 3-4 foram estatisticamente mais frequentes após o clássico ''Lazy S' versus a incisão oblíqua modificada (20/35, 57,1% vs 2/14, 14,3%, p <0,02).  O tempo médio de internação hospitalar foi superior (10,7 vs 4,5 dias, p = 0,02), incluindo um caso de recorrência de linfonodo inguinal. No entanto, o número médio de linfonodos foi significativamente maior no grupo 'Lazy S' (11,1 versus 7, p <0,001), assim como a taxa de positividade linfonodal (28,6% vs 10%, p = 0,08).

Diante dos resultados, a conclusão dos autores é de que a taxa de complicações gerais e complicações graves foi menor após a incisão oblíqua modificada, embora a contagem absoluta de linfonodos e a taxa de positividade linfonodal tenha sido superior com a incisão ''Lazy S'.

A experiência do ICESP

Por Jesus Paula Carvalho, Professor Livre Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Chefe da Equipe de Ginecologia no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)

Este estudo compara a incisão vertical ''Lazy S' versus a incisão oblíqua modificada e demonstra vantagens da incisão ''Lazy S'' no tocante ao número de linfonodos dissecados e desvantagens quanto às complicações. A incisão obliqua modificada apresenta vantagens estéticas e menores taxas de deiscência, mas a extensão de apenas 4 a 5 cm descritas neste estudo nos parece muito exígua e possivelmente é a responsável pelo menor número de linfonodos dissecados.

Também não foram descritos detalhes das indicações e estratégias de drenagem praticadas. E este é um ponto de fundamental importância nas complicações. A incisão obliqua modificada em uma extensão de 8 a 10 cm permite o mesmo acesso aos linfonodos que a incisão vertical, porém necessita de drenagem. A drenagem a vácuo raramente é eficiente pois o grande volume de linfa drenada (até 400 ml por dia) forma um êmbolo de fibrina no dreno que muito frequentemente obstrui e resulta em deiscência da sutura, independentemente do tipo de fio ou técnica utilizada.

No Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, praticamos a incisão oblíqua modificada (com 8 a 10 cm) e introduzimos um tipo diferente de drenagem, sem o uso de vácuo.

Após a dissecção linfonodal por incisão oblíqua ampla, nós fazemos uma abertura de 2 cm horizontal supra-púbica, na linha mediana e por esta abertura medial colocamos dois drenos abertos, largos a base de silicone, sendo um em cada loja inguinal dissecada.

Para captar a grande quantidade de linfa que é drenada, colocamos uma bolsa de colostomia captando os dois drenos. A paciente pode manter a bolsa de colostomia enrolada dentro de suas vestes íntimas e esvazia-la periodicamente, sem constrangimento em sua vida social. Sobre as linhas de sutura bilateralmente, orientamos a paciente a deixar uma compressa enrolada ou semelhantes, para comprimir a pele e evitar a formação de uma loja ou espaço morto na região inguinal e forçando o escoamento da linfa para os drenos. Esta estratégia deve ser mantida por até três semanas, ou até que o volume drenado seja irrisório. Desde que iniciamos estas estratégias, tivemos uma redução drásticas das complicações, sem sacrificar o número de linfonodos dissecados, nem retardar o tratamento oncológico da paciente.

carcinoma vulva icesp bxFigura: Carcinoma de vulva, incisão obliqua e sistema de drenagem

Referência: Jones SEF, Lim K, Davies J, et al. Complication rates and lymph node count between two different skin incisions at time of inguino-femoral lymph node dissection in vulvar câncer International Journal of Gynecologic Cancer Published Online First: 04 May 2020. doi: 10.1136/ijgc-2019-001014