Onconews - Consenso de especialistas em câncer de vesícula biliar

felipecoimbra_NET_OK.jpgCom o objetivo de analisar os dados atuais e estabelecer diretrizes para gestão do carcinoma da vesícula biliar, a American Hepato-Pancreato-Biliary Association (AHPBA) reuniu um painel de especialistas para criar um consenso para o manejo multidisciplinar da doença. O paper, publicado no jornal oficial da AHPBA, tem entre seus autores o cirurgião oncológico e diretor de Cirurgia Abdominal do A.C.Camargo Cancer Center, Felipe José Fernández Coimbra (foto), único brasileiro a fazer parte do time de especialistas que redigiu o trabalho.

“Esse foi o primeiro consenso multidisciplinar de tumores de vesícula e vias biliares, com as melhores evidências e experiências de diversos cancer centers no mundo inteiro”, explicou o especialista.
 
Segundo o consenso, particularmente em áreas de alta incidência, as amostras de vesícula biliar devem ser cuidadosamente avaliadas por exame de anatomia patológica e e o exame mínimo deve incluir a avaliação microscópica de três seções e da margem ducto cístico. Espécimes com displasia ou câncer comprovado devem ser extensivamente amostradas.
 
Durante a análise inicial, a constatação da displasia de alto grau, colecistite hialinizantes e/ou pólipos neoplásicos devem levar a amostragem completa do espécime da vesícula biliar para estadiar com precisão qualquer malignidade invasiva associada.
 
Outro ponto interessante citado pelo especialista é a padronização do estadiamento, Em que além dos exames de tomografia habituais, é acrescentada a laparoscopia pré-operatória como um exame fundamental no estadiamento. “Esses tumores se disseminam muito para o peritônio. Uma vez que a tomografia e o PET-SCAN falham muito em avaliar pequenos nódulos no peritônio, a laparoscopia se somaria a isso”. O estadiamento por laparoscopia deve ser considerado antes da laparotomia, particularmente em doentes com tumores T3 e características patológicas adversas. 

Ressecção de pólipos

O trabalho também recomenda que desde que o paciente esteja clinicamente apto para a cirurgia, deve ser feita a ressecção de todos os pólipos de vesícula biliar maiores que 1,0 cm de diâmetro e aqueles com evidência de imagem com realce vasculas. “É muito comum é a presença de pólipos na vesícula, que na maioria são benignos, entretanto alguns têm um potencial de transformação e malignização. Ficou estabelecido que para o pólipo maior que um centímetro, com risco de desenvolvimento de tumor de vesícula, a orientação é a cirurgia de ressecção”, explica Felipe.
 
A ressecção primária de pacientes com doença estádio inicial (T1b-2) deve incluir ressecção em bloco do parênquima hepático adjacente e limpeza radical dos linfonodos regionais. Ressecções minimamente invasivas de carcinoma de vesículas biliares devem ser limitadas a pacientes estágio inicial tratados por cirurgiões experientes, que têm demonstrado resultados usando esta abordagem que são oncologicamente equivalentes aos da cirurgia aberta.
 
A linfadenectomia adequada inclui a avaliação de todos os nódulos regionais suspeitos, a avaliação da cadeia nodal aortocava, e a ressecção de pelo menos seis nódulos. Os pacientes com metástases confirmadas para as estações nodais N2 não se beneficiam da ressecção radical e devem receber tratamentos sistêmicos e/ou paliativos. “Antes de se iniciar a retirada do tumor de vesícula em um paciente que tem essa indicação, é preciso avaliar os linfonodos do retroperitônio. Se tiver doença ali, a cirurgia talvez não traga benefício ao paciente, e ele deve ser levado ao tratamento sistêmico paliativo, ao invés de uma ressecção”, diz. 

Re-Ressecção 

Pacientes com doença T1b, T2 ou T3 identificados numa amostra de colecistectomia devem ser submetidos a uma nova ressecção, a menos que seja contraindicada por doença avançada ou baixa performance clínica.
 
Antes de re-ressecção, os pacientes devem ser submetidos a imagem axial de alta qualidade com CT ou ressonância magnética. O PET deve ser usado seletivamente para esclarecer características preocupantes identificadas na TC ou ressonância magnética.
 
“Na cirurgia, às vezes existe a retirada do tumor que não era suspeito inicialmente, mas a doença é posteriormente confirmada pela biópsia. Nesse caso, o paciente muitas vezes tem que ser re-operado para ampliar as margens de segurança e retirar os gânglios ao redor do fígado”, diz Felipe.
 
Ele acrescenta que se tiver uma estrutura mínima no centro cirúrgico, é possível fazer o procedimento mais completo neste mesmo momento, desde que conversando com a família. “O que é preciso considerar é que muitas vezes o cirurgião, que está em uma cirurgia de vesícula aparentemente habitual, nem sempre tem condição para fazer uma cirurgia mais estendida, com um risco maior. Se não tiver essa condição mínima é melhor fazer uma cirurgia mais simples e, em um segundo momento, fazer outra cirurgia ou encaminhar a um especialista”.
 
A re-ressecção completa deve incluir linfadenectomia completa do portal e ressecção do ducto biliar somente quando necessário para atingir uma margem negativa de ressecção (R0). Hepatectomia maior e/ou ressecção do ducto biliar não é indicada por rotina, a menos que sejam necessárias para alcançar uma margem R0.
 
Dado seu prognóstico pós-operatório geralmente pior e elevada morbidade cirúrgica, pacientes com doença pré-operatória estadios T3 ou T4 N1 devem ser considerados para ensaios clínicos de quimioterapia neoadjuvante. Seguindo a ressecção R0 de doença T2-4 em câncer de vesícula biliar N1, os pacientes devem ser considerados para a quimioterapia adjuvante sistêmica e/ou quimioradioterapia. 

Adjuvância e neo-adjuvância

Existe pouca evidência no tratamento adjuvante ou neoadjuvante no câncer de vesícula. Em relação à neoadjuvância, o consenso considerou que os pacientes T3 e T4 com linfonodo positivo sejam encaminhados, de preferência, para estudos de neoadjuvância. No caso da adjuvância, em doença T2 a T4 com linfonodos comprometidos, também deve-se considerar a adjuvância com quimio e/ou quimioradioterapia.
 
Como take home message, o especialista ressalta a importância de ficar atento aos pólipos, que devem ser acompanhados. “O tumor se torna avançado muito precocemente, com risco de recidiva muito alto. A cirurgia cuidadosa e o estadiamento adequado, com a retirada dos gânglios antes de fazer a ressecção são importantes, porque permitem selecionar melhor quais pacientes irão se beneficiar ou não da cirurgia”. Ele acrescenta ainda a importância de tentar trabalhar com novos protocolos de pesquisa para o tratamento multidisciplinar combinado, com quimio e/ou quimioradioterapia, uma vez que existem muito poucos estudos que avaliam isso.
 
Referência: Gallbladder Cancer: expert consensus statement - Thomas A. Aloia, Nicolas Jarufe, Milind Javle, Shishir K. Maithel, Juan C. Roa, Volkan Adsay, Felipe J. F. Coimbra & William R. Jarnagin