Existe uma associação entre o risco de câncer de pulmão e a ingestão habitual de fibras alimentares (principal fonte de prebióticos) ou iogurte (alimento probiótico)? Análise agrupada com mais de 1,44 milhão de indivíduos dos Estados Unidos, Europa e Ásia demonstra que o alto consumo de fibra alimentar ou iogurte foi associado a um risco reduzido de câncer de pulmão, independentemente de fatores de risco conhecidos. Os resultados foram publicados no JAMA Oncology. A nutróloga Vânia Assaly (foto), diretora do Instituto Assaly Medicina Personalizada e diretora científica da Latin American Lifestyle Medicine Association (LALMA) comenta o trabalho.
A fibra alimentar (prebióticos) e o iogurte (probióticos) conferem vários benefícios à saúde através da modulação da microbiota intestinal e das vias metabólicas. No entanto, suas associações com o risco de câncer de pulmão não foram investigadas.
Nesta análise agrupada, os pesquisadores investigaram as associações individuais e conjuntas do consumo de fibras alimentares e iogurte com o risco de câncer de pulmão e avaliaram os possíveis efeitos modificadores das associações pelo estilo de vida e outros fatores alimentares.
O estudo incluiu 10 coortes prospectivas envolvendo 1.445.850 adultos participantes de estudos realizados nos Estados Unidos, Europa e Ásia. A análise dos dados foi realizada entre novembro de 2017 e fevereiro de 2019.
Foram excluídos os participantes com histórico de câncer na inscrição do estudo ou desenvolveram algum câncer, morreram ou não mantiveram o acompanhamento dois anos após a inscrição. Exposições A ingestão de fibras e o consumo de iogurte foram medidos por instrumentos validados. Foi avaliada a incidência de câncer de pulmão, subclassificado por tipo histológico (adenocarcinoma, carcinoma espinocelular e carcinoma de pequenas células).
Resultados
A amostra analítica incluiu 627.988 homens, com idade média de 57,9 (9,0) anos e 817.862 mulheres, com idade média de 54,8 (9,7) anos. Durante um acompanhamento médio de 8,6 anos, foram documentados 18.822 casos incidentes de câncer de pulmão.
Tanto a ingestão de fibras como de iogurte foram inversamente associada ao risco de câncer de pulmão após ajuste para status e maços de cigarro/ano e outros fatores de risco de câncer de pulmão: hazard ratio 0,83 (95% IC, 0,76-0,91) para o quintil de ingestão de fibra mais alta vs mais baixa; e hazard ratio 0,81 (IC 95%, 0,76-0,87) para consumo de iogurte alto versus sem iogurte.
As associações de fibra ou iogurte com câncer de pulmão foram significativas em nunca fumantes e foram consistentemente observadas através de sexo, raça/etnia e tipo histológico do tumor.
Quando considerado em conjunto, o alto consumo de iogurte com o maior quintil de ingestão de fibras mostrou um risco reduzido de câncer de pulmão em mais de 30% em comparação com o grupo que não consumiu iogurte com o menor quintil de ingestão de fibras (hazard ratio 0,67 [IC 95%, 0,61-0,73] na população total do estudo; hazard ratio 0,69 [IC 95%, 0,54-0,89] em nunca fumantes), sugerindo potencial sinergismo.
“O consumo de fibras e iogurte na dieta foi associado à redução do risco de câncer de pulmão após o ajuste de fatores de risco conhecidos e entre os nunca fumantes. Os achados sugerem um potencial papel protetor dos prebióticos e probióticos contra a carcinogênese pulmonar”, concluíram os autores.
Compreensão da microbiota humana na saúde e doença
Por Vânia Assaly
A microbiota humana é composta por uma grande variedade de microrganismos (bactérias, vírus, fungos e outros biontes) que exercem funções locais e sistêmicas. A relação entre a microbiota e o hospedeiro pode se dar por comensalismo, mutualismo ou oportunismo e os estudos da relação entre a qualidade da microbiota e a relação de simbiose ou disbiose tem sido estudada nos últimos 15 anos na fisiopatologia de diversas doenças que acometem a saúde humana.
A microbiota e seu microbioma (o conjunto de genes da microbiota) colaboram na extração de nutrientes, síntese de vitaminas, equilíbrio imunológico, além da produção de ácidos graxos de cadeia curta, síntese de produtos e metabólitos que exercem seus efeitos não apenas locais como também conversando com cada célula humana.
Esta publicação nos surpreende ao demonstrar que a composição da dieta, riqueza de fibras de ação prebiótica e a presença de probióticos advindas de alimentos fermentados (iogurte) pode superar um fator de risco importante como o tabagismo no desenvolvimento do câncer de pulmão.
Será que uma microbiota bem alimentada intercepta as mensagens de um agente agressor ao corpo humano mesmo que seja uma comunicação à distância? Diversos estudos mostram que a saúde se dá pela interação de fatores ambientais e do estilo de vida, atuando no potencial genético, epigenético e no metagenoma do indivíduo, resultando em um fenômeno metabólico único para cada vivência: a metabolômica da experiência.
O estudo da microbiota e do microbioma avalia a qualidade de interações do homem em seu ambiente, o papel e riscos da exposição à exotoxinas e endotoxinas, como um resultado sistêmico funcional ou disfuncional, isto é, saúde ou doença.
Os estudos da genômica nutricional mostram que a alimentação e os componentes da dieta atuam como um maestro da expressão gênica, a riqueza de fibras alimentares, compostos bioativos de ação prebiótica e probióticos de alimentos fermentados atuam como moduladores da qualidade, variabilidade e diversidade da microbiota, hoje considerados marcadores da saúde humana.
Mas afinal, a microbiota nos define? A microbiota atua em modelos inflamatórios, oxidativos, metabólicos assim como nas vias de destoxicação de poluentes e compostos químicos neste grande exposoma.
A compreensão da microbiota humana na saúde e doença é um novo campo da genômica nutricional e seu uso como modulador dos gatilhos e tratamento do câncer é um dos campos de atuação da medicina personalizada.
Referência: Association of Dietary Fiber and Yogurt Consumption With Lung Cancer Risk - A Pooled Analysis A Pooled Analysis – Jae Jeong Yang et al - JAMA Oncol. Published online October 24, 2019. doi:10.1001/jamaoncol.2019.4107