Dados moleculares obtidos de células de câncer de mama podem auxiliar na predição de quais pacientes apresentam alto risco de recorrência da doença, mesmo décadas após seu diagnóstico. É o que mostram os resultados de um estudo publicado online na Nature. “Além do desenvolvimento de uma ferramenta que pode auxiliar na predição dos riscos de recorrência da doença, os achados também poderão resultar em testes moleculares mais simples e baratos, focados, por exemplo, na análise de marcadores específicos e preditivos de recorrência tardia”, observam Patrícia Prolla e Gabriel Macedo, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
As taxas de recidiva e as rotas da disseminação sistêmica do câncer de mama são pouco compreendidas devido à falta de coortes de pacientes caracterizadas geneticamente com dados de acompanhamento detalhados e de longo prazo. O seguimento a longo prazo é especialmente importante para aquelas pacientes com tumores receptor de estrogênio positivo (ER+), que podem recorrer até duas décadas após o diagnóstico inicial.
Para identificar pacientes que apresentam alto risco de recidiva tardia, os pesquisadores criaram uma ferramenta estatística que modela estágios distintos da doença (recorrência locorregional, recorrência à distância, morte relacionada ao câncer de mama e morte por outras causas) e riscos de mortalidade por câncer de mama, enquanto prediz individualmente o risco de recorrência.
O modelo foi aplicado a 3.240 pacientes com câncer de mama, incluindo 1980 pacientes com dados moleculares obtidos a partir do METABRIC (Molecular Taxonomy of Breast Cancer International Consortium). Foram delineados padrões espaço-temporais de recidiva em diferentes categorias de informação molecular (subtipos imunohistoquímicos; subtipos PAM50, baseados no perfil de expressão gênica; e subtipos integrativos ou IntClust, baseados em padrões de alterações no número de cópias genômicas e na expressão gênica).
"Pela primeira vez, conseguimos estudar as taxas e as rotas de metástases de câncer de mama com uma resolução sem precedentes", disse Christina Curtis, professora assistente de medicina e genética da Universidade de Stanford e codiretora do Conselho de Tumor Molecular no Stanford Cancer Institute.
Dentre os resultados obtidos, ao se avaliar os onze subtipos integrativos, foi observado que quatro destes, correspondendo a 26% dos tumores ER+ e HER2-, tinham as maiores taxas de recorrência tardia. Cada um destes subtipos apresentou drivers moleculares distintos, alguns destes com possibilidades terapêuticas. O risco de recidiva nestes subgrupos foi elevado (média de 47 a 62%) até 20 anos após o diagnóstico.
"Descobrimos que cerca de 25% das mulheres cujos tumores expressam o receptor de estrogênio e não expressam o HER2 têm um risco extremamente alto de recidiva distante e respondem pela grande maioria desses eventos", disse Curtis. “Estas são as mulheres que parecem estar curadas, mas que se apresentam com doença sistêmica muitos anos depois”, observou.
Os pesquisadores também definiram um subgrupo de tumores de mama triplo-negativos nos quais o câncer raramente retorna após cinco anos, e um subgrupo distinto no qual os pacientes permanecem em risco significativo de recidiva após cinco anos. O uso dos subtipos integrativos melhora a previsão de recidiva tardia e distante, em comparação com a tradicional análise utilizando apenas covariáveis clínicas (status nodal, tamanho do tumor, grau do tumor e subtipo imunohistoquímico).
“Para avaliar desfechos clínicos em ensaios clínicos de novas drogas ou novas combinações de drogas para tratamento do câncer de mama, esta nova classificação molecular será de grande importância para dissecar o que é efeito esperado a partir da biologia do tumor, independente do tratamento”, observam os especialistas brasileiros.
O trabalho foi conduzido por pesquisadores liderados por Christina Curtis, da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, e Carlos Caldas do Cancer Research UK Cambridge Institute. A pesquisa foi apoiada pelo Cancer Research UK, Experimental Cancer Medicine Center, National Institute for Health Research no Reino Unido, Breast Cancer Research Foundation, American Association for Cancer Research e NIH Director's Pioneer Award (concessão DP1CA238296).
Referência: Dynamics of breast-cancer relapse reveal late-recurring ER-positive genomic subgroups - Oscar M. Rueda et al - Nature (2019) |