Embora o tabagismo seja o mais importante fator de risco para câncer do trato respiratório, a exposição a carcinógenos ambientais não pode mais ser desprezada. O alerta é de estudo de A.G. Ribeiro et al., publicado na Cancer Epidemiology. “Nosso estudo mostrou que áreas com alta densidade de tráfego coincidiram com áreas que apresentaram maior risco relativo para a incidência de câncer de vias aéreas em indivíduos com mais de 20 anos de idade residindo na cidade de São Paulo”, concluem os autores.
Análises de coorte compõem a maior parte dos estudos sobre o impacto da poluição do ar e a ocorrência de câncer. Agora, estudo brasileiro baseado em análise espacial mostrou que a modelagem Bayesiana foi eficaz para estabelecer estimativas de risco, demonstrando que a incidência e mortalidade de câncer do trato respiratório são maiores em áreas com maior densidade de tráfego na cidade de São Paulo.
“Os grandes diferenciais do estudo foram a abordagem Bayesiana, considerada mais adequada para o mapeamento e análise espacial dos casos de incidência e mortalidade neste estudo, e a estimação da variabilidade do risco em pequenas áreas ao longo de todo o município”, afirmam os autores.
O risco relativo (RR) para câncer do trato respiratório de acordo com a densidade do trânsito foi de 1,07 (IC95%: 1,02–1,13) e de 1,25 (IC95%: 1,18–1,32) pelo índice Municipal de Desenvolvimento Humano (MHDI, da sigla em inglês), empregado como indicador de status socioeconômico. “Este achado mostra a influência do trânsito e está de acordo com estudos anteriores que relataram a influência de ozônio e de partículas com diâmetro aerodinâmico ≤10 μm (PM10), ambos importantes para avaliar a qualidade do ar relacionado a poluentes do tráfego e seu impacto sobre a incidência de câncer de pulmão e laringe”, explicam.
Neste estudo, os pesquisadores identificaram que as áreas mais centrais da cidade, onde residem pessoas com melhor nível socioeconômico, coincidiu com as áreas de maior exposição à poluição do ar relacionada ao tráfego. A mesma situação foi observada na cidade de Roma, Itália, indicando que apesar dos avanços na tecnologia da indústria automotiva e das restrições ambientais, os índices de emissão de poluentes continuam elevados.
Em São Paulo, o estudo de A.G. Ribeiro et al. descreve que a concentração de PM10 na região metropolitana, de acordo com dados da CETESB, manteve-se em 35 μg/m3 nos últimos 10 anos, superior à recomendada pela OMS, que é 20 μg/m3. As diretrizes da OMS advertem que não existe um limite de exposição seguro para a saúde humana, mesmo quando as concentrações de poluentes estão dentro do preconizado.
Vários estudos já reportaram que a exposição prolongada a material particulado e outros componentes da poluição atmosférica relacionada com o tráfego aumenta o risco de câncer de pulmão. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 3,7 milhões de mortes em 2012 foram atribuídas à poluição do ar, 88% em países de baixa ou média renda, com aproximadamente 6% das mortes em consequência do câncer de pulmão. A Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC) reforça as evidências, classificando os poluentes da combustão de motores diesel e poluição do ar ambiental, em especial o material particulado, como cancerígenos (Grupo 1).
“Nossas descobertas podem ajudar no desenvolvimento de políticas de atenção à saúde destinadas a reduzir os efeitos nocivos dos poluentes atmosféricos relacionados ao tráfego e lançar as bases para futuros estudos sobre riscos individuais”, conclui o estudo brasileiro.
Referências: Incidence and mortality risk for respiratory tract cancer in the city of São Paulo, Brazil: Bayesian analysis of the association with traffic density - Adeylson G. Ribeiro; Oswaldo S. Baquero; Clarice U. de Freitas; Francisco Chiaravalotti Neto; Maria Regina A. Cardoso; Maria do Rosario D. O. Latorre; Adelaide C. Nardocci - Received 2 March 2018, Revised 25 June 2018, Accepted 9 July 2018, Available online 23 July 2018. - https://doi.org/10.1016/j.canep.2018.07.005