Estudo de coorte retrospectivo mostrou que a desnutrição perioperatória em pacientes submetidos a cirurgia para câncer de cabeça e pescoço afeta desproporcionalmente pacientes negros e sem seguro privado e está associada ao aumento do tempo de internação hospitalar, custos e complicações pós-operatórias. Os resultados foram publicados no JAMA Network Open. O cirurgião de cabeça e pescoço Leandro Luongo Matos (foto) comenta os resultados.
Pacientes com câncer de cabeça e pescoço apresentam risco aumentado de desnutrição, em parte devido à localização da doença e às sequelas do tratamento. Embora a desnutrição esteja associada a resultados adversos, há poucos dados sobre a extensão dos resultados e os fatores sociodemográficos associados à desnutrição nessa população de pacientes.
Este estudo de coorte retrospectivo utilizou dados do banco de dados Premier Healthcare para avaliar pacientes adultos submetidos à cirurgia para câncer de cabeça e pescoço entre janeiro de 2008 e junho de 2020 em 482 hospitais nos EUA. Códigos de diagnóstico e procedimento foram utilizados para identificar um subgrupo de pacientes com desnutrição perioperatória. As características dos pacientes, modelo de assistência (público x privado) e resultados hospitalares foram comparados para encontrar associações entre raça, etnia, modelo de assistência, desnutrição e resultados clínicos usando modelos de regressão logística multivariável. As análises foram realizadas entre agosto de 2022 e janeiro de 2023.
O status de desnutrição perioperatória foi o desfecho primário. Desfechos secundários incluíram alta hospitalar após a cirurgia, tempo de internação hospitalar (LOS), custo total e complicações pulmonares pós-operatórias (PPCs).
Resultados
Foram incluídos 13.895 pacientes adultos submetidos à cirurgia para câncer de cabeça e pescoço durante o período do estudo; os participantes tinham mediana de idade de 63,4 (12,1) anos; 9.425 pacientes eram do sexo masculino (67,8%); 968 negros (7,0%), 10 698 brancos (77,0%) e 2.229 (16,0%) indivíduos de outras raças; 887 eram hispânicos (6,4%) e 13.008 não hispânicos (93,6%).
Do total da amostra, 3.136 pacientes (22,6%) foram diagnosticados com desnutrição perioperatória. Em comparação com pacientes brancos e pacientes com seguro de saúde privado, as chances de desnutrição foram maiores para pacientes negros não hispânicos (odds ratio ajustada [aOR], 1,31; IC 95%, 1,11-1,56), pacientes segurados pelo Medicaid (aOR, 1,68; 95% CI, 1,46-1,95) e pacientes segurados pelo Medicare (aOR, 1,24; 95% CI, 1,10-1,73).
Pacientes negros e pacientes segurados pelo Medicaid apresentaram maior tempo de permanência hospitalar, maiores custos e mais complicações pulmonares pós-operatórias, além de redução nas taxas de alta hospitalar. A desnutrição foi independentemente associada ao aumento do tempo de permanência (β, 5,20 dias adicionais; 95% CI, 4,83-5,64), custos mais elevados (β, $15.722 a mais de custo; 95% CI, $14.301-$17.143), maior probabilidade de PPCs (aOR, 2,04; 95% CI, 1,83-2,23) e menor chance de alta hospitalar (aOR, 0,34; 95% CI, 0,31-0,38). Não foi observada nenhuma associação independente entre desnutrição e mortalidade.
“Este estudo de coorte retrospectivo demonstrou que 1 em cada 5 pacientes submetidos à cirurgia para câncer de cabeça e pescoço apresenta desnutrição, que afetou desproporcionalmente pacientes negros e pacientes com Medicaid. Os pacientes desnutridos necessitaram de internações hospitalares mais longas, tiveram custos mais elevados e mais complicações pós-operatórias”, observaram os autores.
Leandro Luongo Matos, médico do ICESP, professor livre docente e chefe do grupo de boca e orofaringe da disciplina de cirurgia de cabeça e pescoço da FMUSP, observa que é alta taxa de desnutrição em pacientes com câncer de cabeça e pescoço tratados no Sistema Único de Saúde (SUS). “Por exemplo, dos pacientes com CEC de boca avançados do ICESP, 78,7% tiveram perda de peso, 28,2% apresentam mais de 10% de perda de peso corporal e 22% má-nutrição ou baixo peso. Perda de peso maior que 10% em relação ao peso habitual foi um fator independente de risco nesses pacientes (HR=1,679; 95% CI 1,046-2,693). Esses dados são de uma publicação de dois alunos meus, Lorenzo Trevisani e Isabelle Kulcsar (doi: 10.1016/j.bjorl.2021.11.003)”, ilustra.
“Esses pacientes precisam de um maior suporte perioperatório, muitos perdem a chance de serem operados por desnutrição severa e são suscetíveis a mais complicações pós-operatórias e maior tempo de permanência hospitalar. Assim, o cuidado integral e por equipe multiprofissional especializada é fundamental para melhorar o desfecho do tratamento desses pacientes”, conclui Matos.
Referência: Reed WT, Jiang R, Ohnuma T, et al. Malnutrition and Adverse Outcomes After Surgery for Head and Neck Cancer. JAMA Otolaryngol Head Neck Surg. Published online October 26, 2023. doi:10.1001/jamaoto.2023.3486