Estudo de Koh et al. mostrou que a incidência de cânceres de início precoce continuou a aumentar nos EUA, de 2010 a 2019. O câncer de mama aparece com o maior número de casos, enquanto as taxas de incidência de tumores gastrointestinais foram as que mais cresceram entre todos os casos de câncer diagnosticados em pessoas com menos de 50 anos, seguidos pelos cânceres do sistema urinário e do sistema reprodutor feminino. “Na população brasileira temos ainda um outro fator muito relevante: a baixa cobertura vacinal contra HPV. Por isso, ainda temos incidência crescente de cânceres de colo e útero, orofaringe e canal anal”, observa a oncologista Rachel Riechelmann (foto).
Dados emergentes sugerem que a incidência de cânceres de início precoce tem aumentado, mas os dados atualizados são limitados. Neste estudo de coorte de base populacional, os pesquisadores buscaram caracterizar os padrões de incidência dos casos de câncer de início precoce nos EUA. Foram analisados dados de 17 registros de Vigilância, Epidemiologia e Resultados Finais (SEER) do Instituto Nacional de Câncer dos EUA, no período de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2019. As taxas de incidência padronizadas por idade por 100.000 pessoas foram extraídas para cânceres de início precoce, assim como foram calculadas as mudanças percentuais anuais (APC, de annual percentage change).
Os resultados relatados no Jama Open mostram que 562.145 pacientes com diagnóstico de câncer antes dos 50 anos foram incluídos na análise.
Durante o período do estudo, as taxas de incidência de cânceres de início precoce aumentaram em indivíduos do sexo feminino, mas diminuíram na população masculina. O aumento entre as mulheres deveu-se principalmente aos cânceres de útero e mama.
Em relação à raça e etnia, os autores descrevem que o diagnóstico de câncer abaixo dos 50 anos aumentou em índios americanos ou nativos do Alasca, asiáticos ou das ilhas do Pacífico e hispânicos. No entanto, a incidência de cânceres de início precoce permaneceu estável entre os brancos e diminuiu entre os negros.
Por faixa etária, a taxa de incidência de câncer aumentou nos EUA em indivíduos de 30 a 39 anos e permaneceu estável em outras faixas etárias abaixo de 50 anos.
Em 2019, o maior número de casos de câncer diagnosticados abaixo de 50 anos foi na mama (n = 12649). De 2010 a 2019, os cânceres gastrointestinais tiveram as taxas de incidência de crescimento mais rápido entre todos os grupos de câncer de início precoce (APC, 2,16%; 95% CI, 1,66%-2,67%; P < .001), seguidos pelos cânceres do sistema urinário APC, 1.34%; 95% CI, 0.61%-2.07%; P = .003), e do sistema reprodutor feminino (APC, 0.93%; 95% CI, 0.32%-1.55%; P = .008). Entre os tumores gastrointestinais, aqueles com taxas de incidência de crescimento mais rápido foram no apêndice (APC, 15,61%; 95% CI, 9,21%-22,38%; P < .001), ducto biliar intra-hepático (APC, 8,12%; 95% CI, 4,94%-11,39%; P < .001) e pâncreas (APC, 2,53%; 95% CI, 1,69%-3,38%; P < .001).
“Este estudo de coorte nacional descobriu que a incidência de cânceres de início precoce continuou a aumentar nos EUA de 2010 a 2019. Embora o câncer de mama tenha o maior número de casos incidentes, os cânceres gastrointestinais tiveram as taxas de incidência de crescimento mais rápido entre todos os casos de câncer de início precoce”, destacam os autores, acrescentando que esses dados podem ter implicações para o desenvolvimento de estratégias de vigilância e prioridades de financiamento.
“Não sabemos se o mesmo ocorre na população brasileira, mas percebemos na prática um maior número de pacientes jovem com tumores colorretais, neuroendócrinos (muitos de apêndice), e estômago”, afirma Rachel Riechelmann, diretora do Departamento de Oncologia do A.C. Camargo Cancer Center e presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG).
“A causa desse aumento precisa ser investigada e o mais intuitivo é atribuir a mudanças no estilo de vida de últimas décadas: comida processadas, sedentarismo, urbanização. Porém, estes são fatores reconhecidamente associados a câncer colorretal, não para tumores de apêndice e biliares”, observa, ressaltando que o estudo não detalha sobre o estádio da doença e, por isso, não se sabe até que ponto a maior incidência pode ser explicada por achados incidentais de doença localizada.
“Existem pesquisas robustas em andamento sobre o perfil de microbiota intestinal em pacientes jovens com tumores gastrointestinais. Os resultados poderão apontar a dieta como fator de risco”, conclui.
Referência: Koh B, Tan DJH, Ng CH, et al. Patterns in Cancer Incidence Among People Younger Than 50 Years in the US, 2010 to 2019. JAMA Netw Open. 2023;6(8):e2328171. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.28171