Onconews - Dieta e microambiente tumoral

buzaid 2021Um crescente corpo de evidências mostra que intervenções dietéticas podem alterar os níveis de metabólitos no microambiente tumoral, afetando o metabolismo das células cancerosas e, consequentemente, o crescimento do tumor.  Embora a restrição calórica (RC) e uma dieta cetogênica (KD) sejam frequentemente consideradas como limitantes da progressão do tumor, reduzindo a glicose no sangue e os níveis de insulina, Lien et al. reportaram na Nature dados que ampliam a compreensão sobre o papel da dieta no crescimento tumoral. “Dieta deve ser considerada uma importante forma de intervenção terapêutica, e estudos clínicos adicionais são claramente justificados”, avalia o oncologista Antonio Carlos Buzaid (foto), diretor médico geral da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

“Descobrimos que apenas a restrição calórica inibe o crescimento de aloenxertos tumorais em camundongos selecionados, sugerindo que outros mecanismos contribuem para inibir o crescimento tumoral. Uma mudança na disponibilidade de nutrientes observada com RC, mas não com KD, induz à redução dos níveis de lipídios no plasma e nos tumores. A regulação positiva da estearoil-CoA dessaturase (SCD), que sintetiza ácidos graxos monoinsaturados, é necessária para que as células cancerosas proliferem em um ambiente pobre em lipídios. A RC, ao prejudicar a atividade da SCD do tumor, causa um desequilíbrio entre os ácidos graxos insaturados e saturados, retardando o crescimento tumoral”, descrevem os pesquisadores.

Em contraste, Lien et al., do Koch Institute for Integrative Cancer Research, do MIT, em Cambridge, destacam que ao reforçar a expressão de SCD de células cancerosas ou aumentar os níveis de lipídios circulantes, uma dieta de RC com alto teor de gordura confere resistência aos efeitos da RC.  Os autores acrescentam que “embora KD também prejudique a atividade de SCD do tumor, aumentos impulsionados por KD na disponibilidade de lipídios mantêm as razões de ácidos graxos insaturados e saturados. É ao alterar a composição de gordura da dieta, aumentando os níveis de ácidos graxos saturados do tumor, que é possível cooperar com a diminuição da atividade de SCD para desacelerar o crescimento tumoral”, esclarecem.

Para os autores, esses dados sugerem que incompatibilidades induzidas pela dieta entre a atividade de dessaturação de ácidos graxos tumorais e a disponibilidade de tipos específicos de ácidos graxos determinam se dietas de baixo índice glicêmico afetam o crescimento tumoral.

Na prática, parece haver um longo caminho até que esses achados em camundongos motivem qualquer tipo de estratégia em humanos. Lien et al. lembram que dietas com baixo índice glicêmico podem não ser a intervenção certa para todos os pacientes com câncer. “Ambos os regimes de RC e KD são difíceis de manter e tolerar, e a perda de peso associada a RC pode limitar as opções de tratamento. Além disso, embora uma dieta de KD enriquecida com ácidos graxos saturados possa inibir o crescimento do tumor em camundongos, estudos sugeriram efeitos negativos do consumo de gorduras saturadas na dieta a longo prazo, incluindo a indução de CD36 pró-metastático e potenciais associações com doenças cardiovasculares”, apontam.

Em conclusão, os pesquisadores argumentam que mais estudos são necessários e reforçam que a melhor compreensão dos efeitos dietéticos no metabolismo e progressão do tumor pode levar a orientações e intervenções dietéticas para melhorar o cuidado dos pacientes com câncer.

“De fato, a dieta pode modificar o microambiente tumoral e, desta forma, alterar o crescimento tumoral. Outro mecanismo que não foi avaliado neste estudo e que também pode alterar o microambiente tumoral é uma mudança do microbioma intestinal decorrente da dieta. Em suma, dieta deve ser considerada uma importante forma de intervenção terapêutica e estudos clínicos adicionais são claramente justificados, conclui Buzaid.