Apesar do acúmulo de evidências de que o gênero de um indivíduo é um dos fatores que influenciam o risco de doenças e a resposta ao tratamento, a questão não é considerada na tomada de decisão clínica. O assunto é tema de artigo da oncologista Anna Dorothea Wagner, do Hospital Universitário de Lausanne, publicado no Journal of Clinical Oncology (JCO). A especialista coordena o workshop ‘Gender medicine meets oncology’, promovido pela ESMO nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro.
“A necessidade de novas pesquisas para entender os impactos de gênero na oncologia é significativa. Com os esforços para incluir os aspectos sexuais na pesquisa biomédica em abundância em outras áreas, como a medicina cardiovascular, já é tempo da oncologia também abordar a questão”, afirma Dorothea.
Em oncologia, as diferenças na toxicidade da quimioterapia entre homens e mulheres foram observadas por décadas. Embora insuficientemente estudados, os dados disponíveis demonstram claramente que as mulheres são mais suscetíveis à toxicidade de diferentes tipos de drogas, com risco aumentado de toxicidade aguda hematológica e/ou não-hematológica, como mucosite, náuseas e vômitos e alopecia. “Isso foi demonstrado em casos de câncer de pulmão, colorretal, Linfoma de Hodgkin, glioblastoma, sarcoma de Ewing, e osteossarcoma. Taxas mais altas de toxicidade na população feminina também são encontradas em crianças tratadas para leucemia linfoblástica aguda”, observou.
Dorothea acrescenta que embora diferenças na alopecia possam ser atribuídas à condição basal ou diferenças na percepção subjetiva, diferenças nos eventos adversos hematológicos são objetivamente mensuráveis e apoiam fortemente diferenças claras no metabolismo e/ou sensibilidade a drogas. “Além da toxicidade aguda, as mulheres também são mais vulneráveis à cardiotoxicidade tardia após o tratamento com antraciclina na infância”, diz.
No caso da quimioterapia, no entanto, onde a toxicidade geralmente é relacionada à resposta, taxas mais baixas de toxicidade observadas em homens poderiam ser interpretadas como um sinal de subdosagem relativa, o que pode ajudar a explicar seu pior prognóstico em vários tipos de câncer. "Isso certamente merece uma investigação mais aprofundada, já que as estratégias de tratamento específicas de acordo com o gênero do paciente podem ser capazes de melhorar os resultados, em particular no que diz respeito a doses e tipos de drogas", avalia.
Em relação ao desenvolvimento de medicamentos, os esforços recentes para incluir mais mulheres em ensaios de fases I e II, tradicionalmente dominados por homens, foram apenas moderadamente bem-sucedidos, com o número de pacientes do sexo feminino permanecendo em um índice de 37%. Além disso, quase dois terços dos ensaios clínicos ainda não apresentam resultados por gênero. “Embora as diferenças de gênero na eficácia sejam relatadas com mais frequência, as diferenças relacionadas à toxicidade são raramente analisadas e sistematicamente relatadas”, ressalta.
Referência: Sex Differences in Efficacy and Toxicity of Systemic Treatments: An Undervalued Issue in the Era of Precision Oncology - Berna C. Özdemir; Chantal Csajka; Gian-Paolo Dotto; and Anna Dorothea Wagner - Journal of Clinical Oncology. doi: 10.1200/JCO.2018.78.3290