A ocorrência de reações infusionais (RIs) a terapias sistêmicas antineoplásicas está entre as muitas preocupações que envolvem o tratamento oncológico, tanto para os profissionais de saúde quanto para os pacientes. A ESMO atualizou recentemente suas diretrizes de condutas para o manejo de RIs na terapia sistêmica. Muitos tratamentos empregados na linha de cuidados em câncer têm risco de reações de infusão e a incidência pode aumentar quando diferentes agentes são administrados concomitantemente. A nova diretriz fornece ferramentas para avaliar o risco de RIs, reconhecer os primeiros sinais e sintomas, além de incluir recomendações sobre como gerenciá-las. A oncologista Ana Lucia Coradazzi (foto), médica do Centro Avançado de Terapias de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, comenta para o Onconews.
Na prática, as RIs são reações alérgicas a proteínas estranhas, geralmente mediadas por imunoglobulina E (IgE), ou reações imunomediadas, sustenta o guideline da ESMO. A maioria das reações infusionais são leves, com sintomas como calafrios, febre, náuseas, dor de cabeça, erupção cutânea, prurido, etc.
Em virtude da natureza inesperada desses eventos, é difícil avaliar essas reações através de estudos prospectivos randomizados. Além disso, a diretriz europeia lembra que existe uma falta de consenso na terminologia ou classificação da gravidade de uma RI na literatura médica, o que pode dificultar a padronização de registros e condutas. A diretriz europeia define as RIs como reações adversas a drogas classificadas como “bizarras”, ou seja, não relacionadas à dose, imprevisíveis, geralmente não relacionadas à atividade farmacológica da droga e que geralmente se resolvem após a interrupção do tratamento [7,8].
Reações adversas também compreendem uma multiplicidade de sinais e sintomas que variam de paciente para paciente. Manifestações típicas incluem sintomas mucocutâneos em até 90% dos casos (rubor, urticária, prurido), respiratórios em 40% (sibilos), circulatórios em 30% -35% (hipotensão) e sintomas abdominais (náuseas, vômitos, cãibras, diarréia). Tais reações podem ocorrer de imediato ou mesmo horas após a exposição ao medicamento [18-20]. Quanto mais rapidamente uma reação se desenvolve, mais provável é a gravidade do quadro. As reações graves, embora menos frequentes, podem ser fatais sem intervenção apropriada.
Primeira infusão
A maioria das reações à primeira infusão é leve a moderada, com sintomas que se assemelham aos de uma gripe ('influenzalike') e na maioria das vezes aparecem dentro das primeiras horas (febre, calafrios, dor muscular, erupção cutânea, fadiga, dor de cabeça etc). No entanto, há RIs bem típicas de determinadas drogas, como a disestesia laringofaríngea aguda associada à oxaliplatina, ou a síndrome colinérgica relacionado ao irinotecano (com diarreia, emese, diaforese e cãimbras).
Mecanismos fisiopatológicos distintos
A ESMO chama a atenção para os diferentes mecanismos fisiopatológicos das reações, as quais podem ser reações de hipersensibilidade verdadeira, nas quais há uma reação clara do sistema imunológico do paciente ao medicamento (com envolvimento de anticorpos, em especial do tipo IgE), ou reações não imunomediadas (pseudo-alérgicas), cujo quadro clínico é semelhante às do primeiro tipo mas são mediadas pela degranulação de mastócitos, levando ao síndrome de liberação de citocinas.
Avaliação de risco
As diretrizes da ESMO salientam que, embora as RIs sejam essencialmente imprevisíveis, há grupos de pacientes de maior risco, nos quais a monitorização de sintomas e medidas preventivas podem ser realizados de forma mais criteriosa. Entre os fatores de risco mais conhecidos estão idade, presença de comorbidades (como doenças respiratórias crônicas ou cardiovasculares), distúrbios dos mastócitos e doença atópica severa. Em pacientes com carga tumoral expressiva e alto risco de síndrome de lise tumoral após o início da medicação antineoplásica, o uso de rasburicase e aumento da hidratação pode ser considerado, assim como o fracionamento da administração de anticorpos monoclonais.
Quem analisa as recomendações europeias para o manejo de reações infusionais é a oncologista Ana Lúcia Coradazzi, médica do Centro Avançado em Terapias de Suporte e Medicina Integrativa (CATSMI) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
"As diretrizes da ESMO revelam mais um ângulo da crescente preocupação dos oncologistas com a segurança e conforto do tratamento oferecido aos pacientes. Não é suficiente apenas oferecer terapêuticas mais eficazes. É necessário que o paciente corra o mínimo risco possível e que, diante de qualquer ocorrência, eventos adversos sejam abordados da forma mais rápida e eficiente. Essa preocupação fica evidente desde o cuidado com o esclarecimento da terminologia das RIs até os detalhes de seu manejo e monitorização.
Trata-se de um guia extremamente prático, que permite aos oncologistas, enfermeiros e farmacêuticos identificarem as populações de risco para RIs, diagnosticarem rapidamente os sintomas e iniciarem o tratamento adequado em tempo hábil. O texto disponibiliza um fluxograma simples e objetivo que inclui as medidas básicas para reconhecimento e tratamento das RIs, e que pode ser facilmente inserido na rotina de serviços de Oncologia no Brasil. A ESMO disponibiliza ainda uma tabela completa com todas as medicações antineoplásicas potencialmente causadoras de RIs, bem como a caracterização dessas reações, medidas profiláticas possíveis e tratamento adequado.
Talvez a principal contribuição das diretrizes para a rotina dos serviços de Oncologia seja o fato de serem práticas ao mesmo tempo em que são completas, permitindo tanto uma compreensão mais profunda de seu manejo quanto seu uso para consultas rápidas. Cabe ressaltar, no entanto, que as RIs frequentemente têm início rápido e inesperado, não permitindo que a equipe de saúde desperdice tempo procurando as condutas nas diretrizes deixadas dentro da gaveta. O treinamento adequado e contínuo a respeito das drogas, suas potenciais RIs e condutas imediatas a serem adotadas permanece como o aspecto mais importante para a segurança dos pacientes".
Referências:
Management of Infusion Reactions to Systemic Anticancer Therapy: ESMO Clinical Practice Guidelines - S. Rosello1 , I. Blasco1 , L. Garcıa Fabregat1 , A. Cervantes1 & K. Jordan2 - Annals of Oncology 28 (Supplement 4): iv100–iv118, 2017 doi:10.1093/annonc/mdx216