Onconews - Diretrizes para tratamento do câncer em pacientes soropositivos

hiv simbolo NET OKO National Comprehensive Cancer Network (NCCN) publicou Diretrizes de Prática Clínica destinadas a garantir que as pessoas vivendo com HIV1 (do inglês, people living with HIV - PLWH) que são diagnosticadas com o câncer recebam o tratamento de forma segura. O guideline traz recomendações específicas de tratamento para câncer de pulmão não pequenas células, câncer anal, linfoma de Hodgkin e câncer de colo do útero. As oncologistas Maria Del Pilar Estevez Diz e Clarissa Mathias comentam as diretrizes.

Entre os tipos mais comuns de câncer nesta população estão linfoma não-Hodgkin, sarcoma de Kaposi, câncer de pulmão, câncer anal, câncer de próstata, câncer de fígado, câncer colorretal, linfoma de Hodgkin, câncer de cavidade oral/faringe, câncer de mama feminino e câncer do colo do útero.

“A publicação é muito oportuna, considerando a posição de destaque do câncer de colo uterino em nossa população, o terceiro mais incidente entre mulheres no Brasil e em algumas regiões primeira causa de câncer em mulheres”, avalia a oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz, Diretora Multi Especialidades e Coordenadora da Oncologia Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e médica assistente do Hospital Sírio Libanês. “Os cuidados nessa população de mulheres, que apresenta maior incidência de câncer de colo uterino, devem resultar em um impacto positivo nos resultados do tratamento dessas pacientes”, acrescenta.

Com a terapia antirretroviral moderna (TARV), as pessoas com HIV vivem mais e, portanto, estão mais susceptíveis a tumores relacionados à infecção pelo HIV e ao envelhecimento. "Tratar pessoas vivendo com HIV para câncer é uma preocupação relativamente nova. É um testemunho do sucesso no tratamento da doença. No entanto, o câncer está rapidamente se tornando a principal causa de morte nessa população", afirmou Gita Suneja, médica do Duke Cancer Institute e co-presidente do painel de diretrizes de tratamento do câncer em pessoas vivendo com HIV.

Em 2010, cerca de 7.760 PLWH nos Estados Unidos foram diagnosticadas com câncer, representando uma taxa aproximadamente 50% maior do que a população em geral2. Estudos têm demonstrado que as taxas de tratamento em soropositivos são significativamente mais baixas em comparação com pacientes com câncer HIV-negativo, apesar de a maioria dos tratamentos serem seguros e efetivos nesse subgrupo de pacientes.3

"A disparidade é significativa. Para a maioria dos cânceres, as pessoas que vivem com HIV têm duas a três vezes mais chances de não receber nenhum tratamento contra o câncer em comparação com as pessoas não infectadas. A falta de diretrizes de gerenciamento clínico disponíveis mostrou ser um fator que contribui para essa diferença”, observou.4

Recomendações

O guideline traz recomendações específicas de tratamento para câncer de pulmão não pequenas células, câncer anal, linfoma de Hodgkin e câncer de colo do útero. Recomendações adicionais podem ser encontradas nas Diretrizes do NCCN recentemente publicadas para o Sarcoma de Kaposi relacionado ao HIV, bem como na seção de linfomas de células B relacionados à AIDS, presente no guideline para Linfomas de células B.

A diretriz destaca que as pessoas que vivem com HIV e desenvolvem câncer devem receber o mesmo tratamento que os indivíduos soronegativos, e as modificações no tratamento do câncer não devem ser feitas apenas com base no status de HIV.

O potencial de interações medicamentosas e sobreposições de toxicidade entre tratamentos contra o câncer e antirretrovirais é um dos aspectos mais importantes, pois algumas combinações podem trazem risco de aumento da toxicidade, enquanto outras podem reduzir os níveis de eficácia terapêutica dos medicamentos. Nesse sentido, o guideline ressalta a importância do trabalho em colaboração entre oncologistas e infectologistas especializados em HIV.

“A boa notícia é que com a expansão das combinações antirretrovirais disponíveis, é possível minimizar esses riscos modificando a terapia antirretroviral durante o tratamento do câncer", observa Erin Reid, especialista do UC San Diego Moores Cancer Center, co-presidente do Painel de diretrizes do NCCN e vice-presidente do AIDS Malignancy Consortium Lymphoma Working Group.

Outro aspecto importante envolve risco de complicações infecciosas. As diretrizes abordam considerações de profilaxia de infecção, incluindo recomendações específicas para PLWH que recebem terapia contra o câncer e para quem a imunossupressão profunda/mielossupressão é antecipada. O documento destaca ainda a importância de aumentar o número de PLWH que participam de ensaios clínicos para tratamentos contra o câncer.

Segundo Pilar, o documento traz orientações específicas com relação ao diagnóstico do câncer do colo do útero, ressaltando a maior frequência de extensão endocervical, diminuindo a eficiência da excisão em alça nessas pacientes e trazendo a necessidade de monitorização e avaliação anátomo patológica cuidadosa nesse grupo de mulheres. “A necessidade da atenção para todo o períneo devido à carcinogênese de campo também é um ponto de destaque”, diz.

A especialista ressalta ainda a importância da aplicação do tratamento completo, sem modificação de dose. “Hoje, com a TARV amplamente disponível, encontramos muitas mulheres com excelente performance e funções orgânicas normais apesar da soropositividade. Essas mulheres devem ser tratadas com o tratamento pleno, com atenção, claro, para a interação medicamentosa. Reduções de intensidade do tratamento devem ter como critério situações não reversíveis que levem à baixa performance”, afirma.

A oncologista Clarissa Mathias, médica do Núcleo de Oncologia da Bahia (NOB) e presidente do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT) observa que o câncer de pulmão acontece em 11% da população portadora de HIV, um número 2-5 vezes maor nesta população em comparação com a população soronegativa. “Esse dado que deve ser considerado em relação à adoção de medidas de rastreamento. O diagnóstico diferencial, incluindo doenças granulomatosas, deve ser bem avaliado e considerado antes de uma possível biópsia. Em relação ao tratamento, as interações entre drogas devem ser avaliadas por farmacêuticos especializados”, salienta.

O Painel incluiu oncologistas, radiologistas, especialistas em doenças infecciosas, cirurgiões oncológicos, farmacêuticos e um representante de advocacy. As diretrizes estão disponíveis em acesso aberto em NCCN.org, e também podem ser consultadas pelo aplicativo da Biblioteca Virtual do NCCN Guidelines para smartphones e tablets.

Referências:

1 - NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology (NCCN Guidelines®) – Cancer in People Living with HIV – version 1.2018 – February, 27, 2018

2 - Robbins HA, Pfeiffer RM, Shiels MS, et al. Excess cancers among HIV-infected people in the United States. J Natl Cancer Inst 2015;107. 

3 - Suneja G, Lin CC, Simard EP, et al. Disparities in cancer treatment among patients infected with the human immunodeficiency virus. Cancer 2016;122:2399-2407. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27187086. And Suneja G, Shiels MS, Angulo R, et al. Cancer treatment disparities in HIV-infected individuals in the United States. J Clin Oncol 2014;32:2344-2350. 

4 - Suneja G, Boyer M, Yehia BR, et al. Cancer treatment in patients with HIV infection and non-AIDS-defining cancers: a survey of US oncologists. J Oncol Pract 2015;11:e380-387.