Dois estudos recentemente publicados pelo Platinum Study Group investigaram fatores associados ao risco cardiovascular em sobreviventes de câncer testicular (SCT). Em artigo de março no Journal of the National Comprehensive Cancer Network, os autores investigaram riscos clínicos e genéticos associados à síndrome metabólica em SCT e demonstraram que os fatores de risco podem não ser totalmente capturados por critérios padrão de avaliação da síndrome metabólica. Em fevereiro, Feldman e colegas mostraram que pacientes com menor nível de escolaridade e que realizam atividade física em menor intensidade têm maior risco futuro de doença cardiovascular. Quem comenta os resultados é Diogo Bastos (foto), oncologista clínico do ICESP e do Hospital Sírio Libanês e investigador principal do primeiro banco multicêntrico de câncer testicular no Brasil.
“O tumor germinativo de testículo representa cerca de 1% de todas as neoplasias diagnosticadas em homens e incide sobre uma população jovem, sendo a maioria dos casos diagnosticados entre 15 e 35 anos. Trata-se do câncer mais curável entre os tumores sólidos, mesmo quando o paciente apresenta metástases, mas apesar disso, o seu tratamento pode acarretar consequências futuras, como o aumento do risco cardiovascular e infertilidade.
Apesar da baixa incidência comparada a outras neoplasias, o número de sobreviventes de câncer de testículo aumenta a cada ano devido à alta eficácia do tratamento, com milhares de sobreviventes em todo o mundo. Sabe-se que a quimioterapia utilizada no tratamento do câncer de testículo pode acarretar problemas de saúde futuros, incluindo especialmente o aumento no risco de doenças cardiovasculares.
Dois estudos recentemente publicados pelo grupo conhecido como Platinum Study Group investigaram fatores associados ao risco cardiovascular nestes pacientes (J Natl Compr Canc Netw. 2018 Mar;16(3):257-265 e Clin Genitourin Cancer 2018 Feb, published ahead of print. doi: 10.1016/j.clgc.2018.01.011). Estes estudos demonstraram que pacientes tratados com quimioterapia têm maior chance de desenvolver fatores de risco para doenças cardiovasculares (aumento de LDL, obesidade e hipertensão) e que pacientes com menor nível de escolaridade e que realizam atividade física em menor intensidade têm maior risco futuro de doença cardiovascular.
Dessa forma, é fundamental que pacientes com tumor de testículo curados com quimioterapia sejam orientados em relação a uma alimentação saudável e a prática de atividade física vigorosa. Além disso, qualquer fator de risco cardiovascular deve ser corrigido e, essencialmente, evitado, como por exemplo, através de tratamento adequado de hipertensão arterial, controle de dislipidemia, perda de peso, cessação de tabagismo, entre outros. Estas medidas têm potencial de alto impacto na prevenção de eventos futuros que podem afetar a saúde dos sobreviventes de câncer testicular”.
Referências:
1 - Zaid MA, Gathirua-Mwangi WG, Fung C, et al. Clinical and genetic risk factors for adverse metabolic outcomes in North American testicular cancer survivors. J Natl Compr Canc Netw. 2018;16:257-265.
2 - Clin Genitourin Cancer. 2018 Feb 5. pii: S1558-7673(18)30070-3. doi: 10.1016/j.clgc.2018.01.011. [Epub ahead of print] - Predicting Cardiovascular Disease Among Testicular Cancer Survivors After Modern Cisplatin-based Chemotherapy: Application of the Framingham Risk Score.
Riscos clínicos e genéticos em sobreviventes de câncer testicular
Publicado em março no JNCCN, estudo do Platinum Study Group investigou riscos clínicos e genéticos associados à síndrome metabólica em sobreviventes de câncer testicular (SCT) nos Estados Unidos. Os resultados mostraram alta prevalência de fatores de risco de doenças cardiovasculares nessa população, que podem não ser totalmente capturados por critérios clássicos de avaliação de síndrome metabólica.
Foram avaliados sobreviventes de câncer testicular (SCT) com idade inferior a 55 anos ao diagnóstico, tratados com quimioterapia de primeira linha. Os pacientes foram submetidos a exame físico e tiveram painéis lipídicos, testosterona e molécula de adesão de células solúveis-1 (sICAM-1) avaliados. Um polimorfismo de nucleotídeo único em rs523349 (gene 5-α-redutase, SRD5A2), recentemente implicado no risco de síndrome metabólica foi genotipado.
A síndrome metabólica foi definida a partir de critérios padronizados, considerando a presença de pelo menos 3 das seguintes condições: hipertensão, obesidade abdominal, hipertrigliceridemia, diminuição do nível de colesterol de lipoproteínas de alta densidade (HDL) e diabetes.
Os controles correspondentes foram derivados do National Health and Nutrition Examination Survey.
Resultados
Foram avaliados 486 sobreviventes de câncer testicular (idade média, 38,1 anos). O SCT apresentou maior prevalência de hipertensão quando comparado ao grupo- controle (43,2% versus 30,7%, P <0,001), sendo menos propenso a ter níveis reduzidos de HDL (23,7% vs 34,8%, P <0,001) ou obesidade abdominal (28,2% vs. 40,1 %; P <0,001).
A frequência de síndrome metabólica foi semelhante em SCT e controles (21,0% contra 22,4%; P = 0,59), não diferiu pelo tratamento (P = 0,20) e não foi relacionada a rs523349 (P = 0,61). No entanto, o SCT foi significativamente mais propenso a ter níveis elevados de colesterol de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) (17,7% vs 9,3%; P <0,001), níveis de colesterol total (26,3% vs 11,1%; P <0,001) e índice de massa corporal ≥25 kg/m2 (75,1% vs 69,1%; P = 0,04).
Na análise multivariada, fatores como idade na avaliação (P <0,001), nível de testosterona ≤ 3,0 ng / mL (odds ratio [OR], 2,06; P = 0,005) e nível elevado de sICAM-1 (o quartil mais baixo vs menor, 3,58; P = 0,001) foram significativamente associados com a presença de síndrome metabólica.
Em conclusão, o estudo mostra que as anormalidades metabólicas no SCT são caracterizadas por hipertensão e aumento dos níveis de LDL e colesterol total, mas também por taxas mais baixas de HDL diminuídos e obesidade abdominal, significando possíveis mudanças no metabolismo e na distribuição de gordura. Essas mudanças são acompanhadas de hipogonadismo e inflamação. Assim, existe alta prevalência de fatores de risco de doenças cardiovasculares entre os sobreviventes de câncer testicular, que podem não ser totalmente capturados por critérios padrão de avaliação de síndrome metabólica.
Para os autores, novos estudos de coorte longitudinais são necessários para desenvolver modelos de predição de risco mais precisos para DCV em sobreviventes de câncer testicular. Enquanto isso, recomendam estratégias de gerenciamento dos SCT com avaliação adequada para hipertensão, dislipidemia e hipogonadismo. Todos os SCT devem ser encorajados a adotar um estilo de vida saudável, incluindo manutenção do peso corporal ideal e prática regular de exercício físico.
Referência: Zaid MA, Gathirua-Mwangi WG, Fung C, et al. Clinical and genetic risk factors for adverse metabolic outcomes in North American testicular cancer survivors. J Natl Compr Canc Netw. 2018;16:257-265.
Educação e atividade física em sobreviventes de câncer testicular
Os sobreviventes de câncer testicular estão em maior risco de doença cardiovascular após a quimioterapia à base de cisplatina. Estudo que aplicou o Framingham Risk Score entre 787 sobreviventes de câncer testicular mostra que o risco de doença cardiovascular (DCV) foi elevado entre os pacientes menos instruídos e que não praticavam atividade física vigorosa, mas não diferiu pelo regime de quimioterapia (4 ciclos de EP (etoposide e cisplatina] ou 3-4 ciclos de BEP (bleomicina, etoposide e cisplatina).
O estudo avaliou associações entre o Framingham Risk Score (FRS) e medidas clínicas, socioeconômicas e de estilo de vida de sobreviventes de câncer testicular, além de comparar o risco entre os diferentes regimes de tratamento (4 ciclos, etoposide e cisplatina [EP 4]); 3 ou 4 ciclos de bleomicina + EP (BEP 3, BEP 4).
Resultados
De 787 SCT (idade média, 37,3 anos, acompanhamento médio, 4,2 anos), 284, 342 e 161 foram tratados com EP, BEP 3 e BEP 4, respectivamente. Os SCT apresentaram maior pressão arterial sistólica mediana (126 vs. 119 mm Hg; P <0,001), mas menor número de fumantes que o grupo-controle (8,4% vs. 28,2%; P <0,001).
Na análise multivariada, não foram observadas diferenças significativas entre o FRS de sobreviventes tratados com EP, BEP 3 e BEP 4, mas a ausência de educação universitária (P <0,001) e a falta de exercício físico vigoroso (P ¼ .006) foram associados a maior FRS. O FRS médio não diferiu entre SCT e controles (6.8% vs. 7.3%; P ¼ .67).
Em conclusão, este é o primeiro estudo a aplicar o FRS baseado para SCT e mostrou que o risco não foi associado ao regime de quimioterapia utilizado, mas os pacientes com menor instrução e menos atividade física de impacto constituíram o subgrupo de alto risco.
Para os autores, é recomendável incorporar estratégias de acompanhamento e aconselhamento para esse perfil de sobreviventes de câncer testicular.
Referência: DR Feldman et al. Clin Genitourin Cancer. 2018 Feb 05.