Estudo realizado por pesquisadores do Karolinska Institutet, na Suécia, demonstrou que o distress emocional na fase de diagnóstico está associado ao aumento da mortalidade câncer-específica em pacientes com câncer de colo do útero, independente das características do tumor e da modalidade de tratamento. Os resultados foram publicados no Cancer Research, periódico da American Association for Cancer Research. “O estudo traz novas evidências sobre o impacto do distress na sobrevida de pacientes com câncer de colo de útero e retoma a relevância da sua avaliação seriada”, afirma a psico-oncologista Cristiane Bergerot (foto), Postdoctoral Fellow do Departamento de Oncologia Médica & Terapêutica Experimental do hospital City of Hope.
"Os pacientes que recebem um diagnóstico de câncer apresentam um maior risco de desenvolver transtornos psiquiátricos, como depressão e ansiedade. Evidências emergentes de estudos experimentais e epidemiológicos sugerem que fatores psicológicos estão associados a progressão de diferentes tipos de câncer. No entanto, não está claro se o distress psicológico na fase do diagnóstico de câncer de colo do útero invasivo impacta no risco de mortalidade câncer-específica", afirmou Donghao Lu, pós-doutorando no Departamento de Epidemiologia Médica e Bioestatística do Karolinska Institutet, Estocolmo, Suécia, e principal autor do estudo.
O estudo de coorte incluiu uma amostra de 4.245 pacientes diagnosticados com câncer de colo uterino entre 2002 e 2011, obtida por meio do Registro Sueco de Pacientes. Foram identificados pacientes diagnosticadas clinicamente com depressão, ansiedade ou transtornos relacionado ao estresse. Os pesquisadores também identificaram se os pacientes vivenciaram algum evento estressante no período do diagnóstico, como morte ou doença grave de um membro da família, divórcio ou desemprego.
Resultados
Os pesquisadores usaram o Registro de Causas de Morte da Suécia para identificar mulheres diagnosticadas com câncer de colo do útero ou câncer uterino não especificado como a causa da morte. Durante o período de acompanhamento, 1.392 pacientes morreram, e o câncer cervical foi apontado como a causa da morte em 1.005 delas.
Foram calculados os hazard ratios (HRs) de mortalidade câncer-específica entre os pacientes expostos ao distress psicológico, em comparação com pacientes não expostos, controlando as características socioeconômicas e outros indicadores prognósticos conhecidos, como características do tumor e do tratamento.
Ao todo, 1.797 pacientes apresentaram transtono relacionado ao estress ou a eventos estressantes no ano que antecedeu o diagnóstico de câncer. Pacientes expostos ao distress psicológico apresentaram um risco 33% maior de mortalidade câncer-específica (HR 1,33; IC95%, 1,14–1,54) em comparação com aqueles que não reportaram distress. A associação foi impulsionada principalmente pelo sofrimento experimentado no ano anterior ou posterior ao diagnóstico (HR 1,30; IC 95%, 1,11-1,52), mas não após esse período (HR 1,12; IC 95%, 0,84-1,49). A associação entre distress e maior risco de morte por câncer cervical permaneceu, independente das características do tumor, modo de diagnóstico e tipo de tratamento. As associações também foram consistentes entre os diferentes grupos sociodemográficos e características clínicas.
“Muitos pacientes não recebem suporte emocional, em parte por causa da falta de consciência acerca da importância do tratamento do distress. Se confirmado em outras populações e países, o rastreamento e a intervenção psicológica podem ser considerados como um componente integral no tratamento do câncer do colo do útero", observou Karin Sundström, coordenadora do projeto no Departamento de Medicina Laboratorial do Karolinska Institutet e uma das autoras do estudo.
A psico-oncologista Cristiane Bergerot explica que o distress emocional (definido como uma experiência emocional desagradável multifatorial, de natureza psicológica, social e ou espiritual, que pode interferir na habilidade de lidar efetivamente com o câncer, os sintomas físicos e o tratamento) é uma reação comum ao diagnóstico de câncer, que pode variar entre um sentimento de vulnerabilidade ou tristeza à transtornos psiquiátricos como o transtorno de ansiedade ou depressão. "Sabe-se que um distress moderado à severo pode impactar na qualidade de vida, ou mesmo impactar na resposta clínica. Em virtude dessas evidências, rotina de avaliação de distress é considerada internacionalmente um padrão ouro na assistência a pacientes com câncer. No Canadá, por exemplo, avaliar o distress é reconhecido como o sexto sinal vital, e nos Estados Unidos como um critério para acreditação de hospitais e centros de tratamento oncológico”, afirma.
“No Brasil, estudos comprovam a viabilidade de implantação dessa rotina em hospitais públicos e privados2-4. A rotina de avaliação de distress auxilia em um acurado encaminhamento para o serviço de psicologia, contribui para a redução de sintomas físicos e emocionais e otimiza a comunicação entre o médico e o paciente”, conclui Bergerot.
O estudo foi patrocinado pela Swedish Cancer Society, Swedish Research Council for Health, Working Life and Welfare, e Karolinska Institutet.
Referências:
1 - Psychologic Distress Is Associated with Cancer-Specific Mortality among Patients with Cervical Cancer - Donghao Lu, Bengt Andrae, Unnur Valdimarsdóttir, Karin Sundström, Katja Fall, Pär Sparén and Fang Fang - DOI: 10.1158/0008-5472.CAN-19-0116 Published August 2019
2 - Bergerot CD, Philip EJ, Schuler TA, et al. Development and implementation of a comprehensive psychosocial screening program in a Brazilian cancer center. Psycho-oncology 2016;25:1343-9.
3 - Bergerot CD, Zayat CG, Azevedo IM, et al. Implementation of a Psycho-Oncology Program according to International Recommendations Applied in a Brazilian Public Service. Estudos de Psicologia (UFRN-Natal) 2018:Early View.
4 - Bergerot CD, Philip EJ, Zayat CG, Azevedo IMd, Araujo TCCFd, Domenico EBLD. Investigating the Two-Tiered System of Psychosocial Cancer Care in Brazil Using a Distress Screening Measure. Journal of Global Oncology 2017;3:1-6.