Os ensaios clínicos fornecem as evidências mais robustas para apoiar a aprovação de novas terapias e informar a tomada de decisões, mas artigo de Candelario et al. publicado online no Annals of Oncology mostra que pacientes de diversas origens raciais e étnicas permanecem sub-representados na pesquisa em câncer.
Nesta análise, os autores ilustram iniciativa recente da agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) que incentivou patrocinadores de estudos clínicos a melhorar a inscrição de pacientes cuja raça ou etnia é frequentemente sub-representada nos ensaios clínicos, apesar de uma carga de doenças mais elevada nesses grupos em comparação com outras populações raciais ou étnicas nos EUA.
“Essa orientação não existe em outras regiões, incluindo a Europa”, destacam os autores, que apontam ainda outra questão central: as definições atuais de raça e etnia são definidas pelo Office of Management and Budget (OMB) dos EUA com base em critérios que podem limitar a real diversidade populacional. “Embora raça e etnia tenham sido descritas como construções sociais indistintas ‘sem significado social’, elas têm um significado social importante (embora contestado), representando categorizações dinâmicas determinadas por fatores geográficos, culturais e sociopolíticos”, analisam.
Candelario e colegas analisaram 286 ensaios clínicos de hematologia e oncologia patrocinados pela Bristol Myers Squibb (BMS) e sugerem que pacientes de diversas origens raciais e étnicas permanecem sub-representados, com profundas variações regionais na coleta de informações demográficas relativas à raça e etnia.
Os autores descrevem que do total de 44.440 pacientes que participaram dos ensaios na Europa e nos EUA, uma pequena parcela foi categorizada como indígena americana ou nativa do Alasca (0,1%), asiática (1,5%), negra ou afro-americana (2,9%), nativa havaiana ou de outras ilhas do Pacífico (0,1%). Na Europa, 0,02% dos pacientes foram categorizados como índios americanos ou nativos do Alasca, 0,4% como asiáticos, 0,4% como negros ou afro-americanos e 0,01% como nativos do Havaí ou de outras ilhas do Pacífico, enquanto nos EUA, 0,3% dos pacientes foram categorizados como índios americanos ou nativos do Alasca, 3,3% como asiáticos, 7,1% como negros ou afro-americanos e 0,1% como nativos do Havaí ou de outras ilhas do Pacífico. Por outro lado, o grupo racial mais comum foi o branco (40.396 de 44.440 pacientes, 90,9%). A raça de 26.047 (94,1%) pacientes na Europa e 14.349 (85,7%) pacientes nos EUA foi categorizada como branca.
“A diversidade demográfica aumenta em nível mundial, tendo o número de migrantes (pessoas que vivem fora do seu país de nascimento) aumentado consideravelmente nos últimos anos. Oitenta e sete milhões de migrantes internacionais vivem na Europa e 59 milhões vivem nos EUA. No entanto, os pacientes da Ásia, negros ou afro-americanos, hispânicos/latinos, indígenas e nativos americanos, nativos havaianos e de outras ilhas do Pacífico permanecem sub-representados em ensaios clínicos em múltiplas áreas terapêuticas”, descrevem.
Em síntese, a análise de Candelario et al. baseada nos ensaios patrocinados pela BMS mostra que enquanto diferentes populações estão sub-representadas em ensaios de hematologia e oncologia na Europa e nos EUA, pacientes de origem branca estão sobre-representados.
Outro achado importante indica o desequilíbrio regional no recrutamento de participantes de pesquisa clínica. Dos 67.907 pacientes inscritos globalmente, 27.691 pacientes (40,8%) participaram em centros na Europa e 16.749 (24,7%) participaram em centros nos EUA.
“São necessários maiores esforços para garantir que todas as áreas terapêuticas em nível mundial tenham populações de pacientes mais diversificadas. Em comparação com o resto do mundo, o recrutamento foi elevado na Europa e nos EUA nos ensaios que analisamos: aproximadamente 40% dos doentes foram inscritos na Europa e quase 25% nos EUA”, ilustram os autores.
Esses dados apoiam a evidência de que algumas populações raciais e étnicas continuam sub-representadas nos ensaios clínicos, indicando a necessidade urgente de incluir no ambiente de pesquisa clínica dados que realmente reflitam a população de pacientes afetada pela doença.
Referência: Diversity in clinical trials in Europe and the US: a review of a pharmaceutical company’s data collection, reporting, and interpretation of race and ethnicity. Published:September 27, 2023. DOI:https://doi.org/10.1016/j.annonc.2023.09.3107