Onconews - Downstaging e transplante no carcinoma hepatocelular: 10 anos da experiencia norte-americana

felipe coimbra 2020 bxQual a associação entre downstaging e resultados de sobrevida em pacientes com carcinoma hepatocelular após transplante de fígado? Estudo multicêntrico que reportou 10 anos da experiência norte-americana mostrou que o downstaging bem-sucedido, dentro dos critérios de Milão (MC), é uma opção viável para o tratamento do carcinoma hepatocelular antes do transplante hepático, com resultados significativos a longo prazo. O cirurgião oncológico Felipe Coimbra (foto) analisa os resultados.

Este grande estudo multicêntrico buscou revelar os resultados de 10 anos de pacientes com CHC submetidos a transplante hepático, em uma grande coorte norte-americana compreendendo 2.645 pacientes de 5 centros acadêmicos dos EUA, entre janeiro de 2001 e dezembro de 2015. A análise foi realizada de maio de 2019 a junho de 2021. O principal endpoint foi a sobrevida global para toda a coorte e de acordo com o status de downstaging. Endpoints secundários foram tempo para recorrência, sobrevida livre de recorrência e recorrência após terapias específicas pós-transplante hepático (TH).

Os pesquisadores consideraram resultados de 341 pacientes que alcançaram downstaging pelo critério de Milão (CM), comparados com dados de 182 pacientes que não atingiram downstaging e com 2.122 pacientes que sempre estiveram dentro do preconizado pelo CM. A associação entre fatores tumorais e modalidades de tratamento com sobrevida pós-recorrência foi analisada por regressão de riscos proporcionais de Cox e modelos de regressão logística multivariável.

Entre os 2.645 pacientes, a idade mediana foi de 59,9 anos (IQR, 54,7-64,7 anos), majoritariamente homens (2028 [76,7%] vs 617 [23,3%] mulheres). As taxas de sobrevida e recorrência em 10 anos pós-TH foram, respectivamente, 52,1% e 20,6% entre aqueles que alcançaram downstaging da doença; 61,5% e 13,3% naqueles sempre dentro do CM e 43,3% e 41,1% naqueles que não atingiram downstaging. Variáveis ​​independentes associadas à falha de downstaging foram tamanho do tumor maior que 7 cm ao diagnóstico (OR, 2,62; IC 95%, 1,20-5,75; P = ,02), mais de 3 tumores ao diagnóstico (OR, 2,34; IC 95%, 1,22 -4,50; P = .01) e resposta de α-fetoproteína de pelo menos 20 ng/mL com menos de 50% de melhora da α-fetoproteína máxima antes do TH (OR, 1,99; IC 95%, 1,14-3,46; P = . 02).

Pacientes tratados cirurgicamente com CHC recorrente diferiram nas características clinicopatológicas e melhoraram as taxas de sobrevida após 5 anos de recorrência (31,6% vs 7,3%; P < .001).

“Em uma grande coorte multicêntrica de pacientes com CHC que alcançaram downstaging dentro do CM, os resultados 10 anos pós-TH foram excelentes, mostrando benefício claro do downstaging e sua utilidade para a tomada de decisão de priorização do TH. O tratamento cirúrgico da recorrência do CHC após TH foi associado à melhora da sobrevida em pacientes bem selecionados e deve ser realizado, se possível”, concluem os autores.

Felipe Coimbra (foto), diretor do Departamento de Cirurgia Abdominal do A.C.Camargo Cancer Center, observa que este estudo demonstrou a utilidade da estratégia de downstaging como indicador de comportamento biológico e de maior sensibilidade a tratamentos pré-transplante na tomada de decisão para a priorização do transplante de fígado; o manejo cirúrgico foi associado à melhora da sobrevida em pacientes bem selecionados e deve ser realizado, se possível. “À semelhança do que temos visto com outros tumores malignos, a seleção tem sido fator-chave para casos mais avançados em que uma cirurgia de maior morbimortalidade e, no caso, a utilização de órgão para transplante, possa ser melhor empregado. Este estudo retrospectivo lança luz a possibilidade de transplantar pacientes que após resposta inicial ao tratamento locorregional, e no caso mais recente, talvez até mesmo a tratamentos sistêmicos mais eficazes, como imunoterapia por exemplo, e abre a discussão para futuros estudos prospectivos sobre o assunto”, avalia.

“Esses dados também trazem uma confirmação sólida, elevando o nível de evidência de que pacientes com CHC que efetivamente respondem e alcançam os critérios de Milão podem ter uma sobrevida mediana excepcional de 10 anos, fornecendo uma justificativa para a adoção dessa política em outros países. Outro ponto também analisado foi que o tratamento cirúrgico da recidiva do CHC após o transplante está associado à melhora da sobrevida em um grupo seleto de pacientes”, conclui Coimbra.

A íntegra do estudo está disponível em acesso aberto. 

Referência: Tabrizian P, Holzner ML, Mehta N, et al. Ten-Year Outcomes of Liver Transplant and Downstaging for Hepatocellular Carcinoma. JAMA Surg. Published online July 20, 2022. doi:10.1001/jamasurg.2022.2800