Há uma sub-representação com desequilíbrios demográficos e geográficos significativos nos principais ensaios clínicos que levaram a aprovações de medicamentos para leucemias e mieloma múltiplo em comparação com a população afetada, descreve análise de Casey et al publicada no Journal of Clinical Oncology (JCO). ““Essa é uma questão que vem preocupando os pesquisadores e as próprias agências reguladoras do mundo inteiro, porque esses estudos importantes para aprovação regulatória não têm incluído pacientes que muitas vezes representam a maioria dos pacientes afetados por aquela condição", afirma o oncohematologista Angelo Maiolino (foto).
Nesta análise, os pesquisadores buscaram avaliar até que ponto os ensaios clínicos (CTs) sobre leucemia e mieloma múltiplo correspondem à diversidade demográfica e geográfica das populações afetadas. Foram selecionados os ensaios clínicos que embasaram aprovações, através do banco de dados da Food and Drug Administration.
Dados demográficos e geográficos foram coletados no ClinicalTrials.gov e estatísticas descritivas foram utilizadas para resumir os dados em frequências e proporções, incluindo ICs de 95%, por raça, etnia, sexo e subtipos de malignidade.
Resultados
Um total de 41 (67,2%) ensaios que levaram à aprovação de medicamentos relataram dados sobre raça e 20 (48,8%) sobre etnia. Esses estudos incluíram 13.731 pacientes, dos quais 11.209 (81,6%) eram brancos. Entre as minorias, os ilhéus e negros da Ásia-Pacífico tiveram a maior representação na leucemia mieloide crônica, 147 (12,7%) e 61 (5,3%), e a menor na leucemia linfocítica crônica, 55 (3%) e 20 (1,1%), respectivamente. A proporção de negros, nativos americanos e hispânicos foi significativamente baixa, refletindo a sub-representação nos ensaios em comparação com a proporção na população geral. As mulheres também foram sub-representadas na leucemia mieloide aguda (44,7% v 60,5%, P < 0,0001), e os homens em MM (55,3% v 60,2%, P < 0,0001) e leucemia mieloide crônica (55,2% v 62,9%, P < 0,0001). A distribuição geográfica dos ensaios mostrou participação regional e estadual inadequada em comparação com a mortalidade para todas as neoplasias, exceto MM.
“Há uma sub-representação, com desequilíbrios demográficos e geográficos significativos, nos principais ensaios clínicos que levam a aprovações de medicamentos para leucemias e MM em comparação com a população afetada. Essas disparidades precisam ser abordadas para tornar os resultados aplicáveis a todas as populações relevantes”, concluem os autores.
Em síntese, os principais ensaios clínicos randomizados para novos agentes em mieloma e leucemias não são representativos da população afetada, sub-representando pacientes negros, nativos americanos e hispânicos, bem como mulheres. A distribuição geográfica dos locais de estudo também não é totalmente representativa da distribuição geográfica por mortalidade.
Para o oncohematologista Ângelo Maiolino, professor de hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador de hematologia do Americas Centro de Oncologia Integrado, a subrepresentatividade dessas minorias étnicas, raciais, e muitas vezes de gênero, certamente causa um prejuízo importante. "Quando o medicamento é aprovado e vai ser utilizado na rotina clínica, na vida real, muitas vezes pode não mostrar aqueles resultados, já que há um desbalanceamento na população incluída no estudo. Na verdade, os estudos de vida real mostram isso claramente, muitas vezes os estudos diferem nos seus resultados tanto em termos de efetividade quanto em termos de segurança quando comparados aos estudos pivotais", observa.
"Uma coisa que tem acontecido no Brasil ultimamente, particularmente no mieloma múltiplo, é que os estudos mais recentes para mieloma recidivado acabam excluindo os pacientes do sistema público, porque exigem uma exposição previa à lenalidomida, por exemplo. Então, os pacientes do sistema publico não podem ser incluídos nesses estudos. Isso acontece também em muitos tumores sólidos, quando você vai avaliar novos medicamentos, novos agentes imuno-moduladores, de segunda e terceira geração, o paciente recidivado que é tratado no sistema público muitas vezes não foi exposto aos agentes de primeira geração", diz Maiolino.
Referências: Are Pivotal Clinical Trials for Drugs Approved for Leukemias and Multiple Myeloma Representative of the Population at Risk? - Mycal Casey, DO, MPH; Lorriane Odhiambo, PhD, MPH; Nidhi Aggarwal, BS; Mahran Shoukier, MD; Jamani Garner, BS; K.M. Islam, MBBS, PhD, MPH; and Jorge E. Cortes, MD - DOI: 10.1200/JCO.22.00504 Journal of Clinical Oncology - Published online August 09, 2022.