Especialistas reunidos em Lisboa para a 3a edição do International Consensus Guidelines Conferences on Advanced Breast Cancer (ABC) atualizaram as recomendações de tratamento de câncer de mama avançado. O oncologista brasileiro Carlos Barrios, do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM) e do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus, é membro do painel do consenso, que traz uma série de novas recomendações no tratamento e gestão do câncer de mama avançado.
“É uma tentativa de analisar criticamente a literatura disponível para ajudar os oncologistas em geral e as pacientes com câncer de mama metastático. Do ponto de vista prático, esse é o objetivo”, afirma Barrios, que vê a elaboração do documento como um processo em constante evolução. “São recomendações gerais que podem ser aplicadas para uma boa porcentagem de pacientes, mas não todos. Isso precisa ser considerado”, diz.
Segundo o especialista, foram feitas algumas alterações do ponto de vista de inclusões de definições importantes, como por exemplo o que é uma paciente oligometastática, além de ratificada a incorporação de alguns tratamentos novos em pacientes com câncer de mama HER-2 positivo, como a combinação de trastuzumabe e pertuzumabe. “Também foi incorporado o palbociclibe, não como um tratamento definido, mas eventualmente como algo que precisa se confirmar, em pacientes com doença receptor hormonal positiva”, acrescenta.
Por enquanto o palbociclibe só está aprovado nos Estados Unidos, e novos estudos estão em andamento para embasar sua aprovação em outros países. Outras drogas contempladas nas recomendações, como o trastuzumabe-emtansine (T-DM1) e o pertuzumabe já estão aprovadas no Brasil, mas somente no âmbito da saúde suplementar. “Os pacientes do SUS não têm acesso a nenhum desses medicamentos”, lamenta.
Segundo as novas recomendações, com a melhor sobrevida em muitos pacientes com câncer de mama avançado, uma série de questões deve ser considerada na rotina de cuidados dessas pacientes. Entre essas questões estão mudanças e adaptação de estratégias de tratamento dependendo do estadio da doença; acompanhamento sistemático e alívio dos efeitos colaterais do tratamento, além de melhorar a qualidade de vida dos pacientes; tratamentos que atendam as prioridades e planos de vidas das pacientes; e a incorporação de medidas para o planejamento do tratamento que levem em conta as necessidades dos pacientes e suas famílias, seus trabalhos e exigências sociais.
Novas tecnologias e custo dos medicamentos
As novas diretrizes de consenso destacam a importância de aproveitar a tecnologia para melhorar o tratamento do câncer, particularmente para pacientes que vivem em áreas remotas e nos países em desenvolvimento. "A telemedicina em oncologia é uma opção importante a considerar quando as distâncias geográficas são um problema, desde que os problemas de conectividade possam ser superados", disse a professora Fátima Cardoso, diretora da Unidade de Mama do Champalimaud Cancer Centre, em Lisboa, Portugal, e co-presidente da conferência.
O alto custo dos novos medicamentos e tratamentos para câncer de mama avançado também esteve em pauta. Os especialistas salientaram a necessidade de utilização de medidas objetivas para avaliar a eficácia das terapias. "Nós recomendamos fortemente o uso de métodos objetivos para avaliar a real magnitude do benefício fornecido por um novo tratamento, a fim de ajudar a priorizar o financiamento, particularmente em países com recursos limitados", disse Eric Winer, diretor de oncologia de mama do Dana-Farber Cancer Institute (Boston, EUA) e co-presidente da conferência. "No entanto, os médicos devem sempre ser orientados pelo bem-estar do paciente, tempo de vida e preferências, para chegar a decisões equilibradas em todos os casos", acrescentou.
A voz dos pacientes
A Conferência, realizada a cada dois anos, foi criada pela Escola Europeia de Oncologia (ESO) e desenvolvida em conjunto com a Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO), a fim de melhorar os resultados para pacientes com câncer de mama avançado. Cerca de 1.200 participantes de 84 países participaram desta terceira edição, entre eles um grande número de pacientes, que foram envolvidos nas discussões e processos de tomada de decisão.
“A participação de grupos de pacientes na discussão é uma característica desse encontro. Sem dúvida, essas recomendações são reflexo dessa participação”, afirma Barrios.
O documento traz recomendações em relação aos cuidados de suporte, como valorizar do processo de reporte de efeitos adversos e problemas relacionados com o percurso terapêutico. É o caso da fadiga relacionada ao câncer, que pode ter um impacto significativo na qualidade de vida, assim como a neutropenia, pneumonite não-infecciosa, mucosite, estomatite, dispneia, náusea e vômito.
Corneliussen-James, co-fundadora e presidente da METAvivor, organização norte-americana que financia pesquisa em câncer de mama metastático, vive com câncer de mama avançado há nove anos e afirmou que essas diretrizes são uma contribuição fundamental, especialmente para pacientes que vivem em partes do mundo onde não há centros de oncologia especializados. “Elas permitem que os médicos dessas regiões saibam o que alguns dos principais oncologistas do mundo estão recomendando, e assim ajudam a melhorar o cuidado de seus pacientes", disse.
Ensaios clínicos em pacientes oligometastáticas
Embora o câncer de mama avançado seja incurável, alguns pacientes têm apenas algumas pequenas metástases e reagem bem aos tratamentos sistêmicos, como quimioterapia e hormonioterapia. São as pacientes oligometastáticas, incluídas nessa última atualização das recomendações.
Os participantes da Conferência manifestaram interesse em pesquisas clínicas para investigar como identificar e tratar essas pacientes com câncer de mama avançado que podem sobreviver por longos períodos sem progressão da doença.
"É necessário um ensaio clínico prospectivo que aborde esta situação específica. Estas pacientes provavelmente estariam se beneficiando de diferentes abordagens de tratamento, tendo em vista tanto o tumor primário, como as metástases. Mas as melhores maneiras de selecionar essas pacientes e escolher os tratamentos adequados precisam ser investigadas ", afirmou Fátima Cardoso.
Segundo Barrios, são necessários mais dados, mas estudos com esse grupo de pacientes são extremamente difíceis de serem realizados. “Possivelmente serão feitos com base em iniciativas individuais e institucionais”, conclui.