Publicada no New England Journal of Medicine – Gastroenterology, uma análise de um banco de dados de hospitais públicos em Hong Kong demonstrou que o tratamento da infecção por H. pylori está associado a um menor risco de câncer gástrico, particularmente em idosos que receberam o tratamento para a infecção há mais de dez anos. Duílio Reis da Rocha Filho (foto), chefe do serviço de oncologia clínica do Hospital Universitário Walter Cantídio, da Universidade Federal do Ceará, e consultor científico do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG), analisa os resultados.
“O H. pylori é o principal fator de risco para o desenvolvimento de câncer gástrico não-cárdia, e diversos estudos clínicos têm mostrado que a erradicação de H. pylori previne o surgimento da doença. A carcinogênese gástrica associada a H. pylori exige uma progressão ao longo de várias etapas histológicas, e uma vez detectada a presença de gastrite atrófica severa, a cascata parece não poder ser revertida. Por outro lado, publicações recentes contestam essa afirmação. Choi et al. (N Engl J Med 2018) mostraram que a erradicação do H. pylori em pacientes que se submeteram a resseção endoscópica de câncer gástrico precoce reduz à metade o risco de desenvolvimento de câncer metacrônico”, explica Duílio.
O estudo
Embora a erradicação da infecção por Helicobacter pylori reduza o risco de câncer gástrico, poucos dados estão disponíveis sobre seus efeitos em indivíduos idosos. Para entender melhor o efeito da erradicação da infecção na diminuição do risco de câncer gástrico (GC), os pesquisadores utilizaram o banco de dados da Hospital Authority database of Hong Kong para identificar indivíduos com infecção por H. pylori que receberam um curso de terapia de erradicação contendo claritromicina entre janeiro de 2003 e dezembro de 2012.
O desfecho primário foi a incidência de desenvolvimento de câncer gástrico na coorte tratada para infecção por H. pylori versus o número esperado de casos de câncer gástrico na população geral. As análises foram realizadas por faixas etárias: menos de 40 anos, 40-59 anos e 60 anos ou mais.
Resultados
Entre 73.237 indivíduos infectados com H. pylori que receberam terapia de erradicação, 200 (0,27%) desenvolveram câncer gástrico durante um tempo médio de acompanhamento de 7,6 anos. Comparado com a população geral pareada, o risco de câncer gástrico foi significativamente menor em indivíduos com 60 anos ou mais que receberam tratamento com H. pylori (taxa de incidência padronizada [SIR], 0,82; 95% IC, 0,69–0,97; P = 0,02), mas não em grupos mais jovens.
A análise estratificada por tempo do tratamento para H. pylori (menos de 5 anos, 5-9 anos e 10 ou mais anos) não mostrou diferenças na incidência da doença durante os primeiros 10 anos após a terapia, mas ≥10 anos após o tratamento, em pacientes com idade ≥60 (SIR, 0,42; 95% IC 0,42–0,84; p = 0,02) e 40 a 59 anos ((SI, 0,32; 95% IC 0,08-0,88; P = 0,04) o risco foi substancialmente menor do que na população geral. Além disso, a incidência de câncer gástrico foi ainda menor em pacientes que alcançaram a erradicação após apenas um tratamento.
Segundo os pesquisadores, os achados são consistentes com os resultados de um recente estudo sueco mostrando risco reduzido para câncer gástrico 5 anos após a erradicação do H. pylori (NEJM JW Gastroenterol Abr 2018 e Gut 2018 30 de janeiro; e-pub), reforçando as evidências de que o restabelecimento das alterações da mucosa após a erradicação exige tempo.
“Na presente pesquisa, Leung et al. observaram que em idosos, grupo em que alterações atróficas são mais comuns, o tratamento de H. pylori reduz em 18% o risco de surgimento de câncer gástrico. O benefício foi mais claro na população que havia sido submetida à erradicação há pelo menos 10 anos”, afirma Duílio.
O especialista esclarece que não se observou impacto na população mais jovem, mas a pequena incidência da doença em pacientes com menos de 40 anos não permite afastar um efeito protetor da erradicação. “Como o impacto do tratamento do H. pylori é tardio, é possível que o grupo de menor idade também seja beneficiado. Além disso, a distribuição etária do diagnóstico de câncer gástrico é heterogênea. Em nossa prática, quase um quarto da população com diagnóstico da doença tem menos de 50 anos, um índice bastante superior ao descrito em países ricos e que reforça a importância da pesquisa de medidas de prevenção nesse grupo”, ressalta.
Segundo Duílio, os novos dados sugerem que, ainda que a erradicação de H. pylori deva ser feita preferencialmente antes do surgimento de alterações atróficas, terapias mais tardias também podem ser benéficas. “Estratégias de rastreamento e tratamento, já adotadas em países com alta incidência de câncer gástrico e em grupos de risco, possivelmente terão de ser discutidas em populações de risco mais baixo. Em locais do Brasil com incidência mais elevada, como os estados do Amazonas, Amapá, Ceará e Santa Catarina, o impacto populacional da erradicação de H. pylori pode ser mais significativo”, conclui.
Referência: Leung WK, Wong IO, Cheung KS, Yeung KF, Chan EW, Wong AY, Chen L, Wong IC, Graham DY, Effects of Helicobacter PYLORI Treatment on Incidence of Gastric Cancer in Older Individuals, Gastroenterology (2018), doi: 10.1053/j.gastro.2018.03.028.